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Agendas Secretas - Homem-Aranha

Por Otávio Niewinski

Lendas do Amigão da Vizinhança

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Imagine que você tivesse duas identidades. Em uma delas, você seria um rapaz pacato, preocupado com a saúde de sua tia idosa e correndo atrás de dinheiro para pagar as contas. Em outra, você seria um aventureiro uniformizado e superpoderoso, utilizando suas habilidades para se redimir de uma tragédia do passado combatendo o crime. Imaginou? Pois bem, você acaba de entrar na pele de Peter Parker, o espetacular Homem-Aranha. Que, no momento em que nosso conto começa, vive a primeira faceta de sua personalidade: a de homem comum.

Em torno de um aparelho de televisão, no prédio do Clarim Diário, um dos maiores jornais de Nova York, repórteres e outros funcionários acompanham a reprise de uma interessante entrevista. O entrevistado é G. Gordon Godfrey, um psicólogo emergente que tem opiniões muito peculiares sobre os chamados meta-humanos.

— Doutor, alguns dizem que o senhor é responsável por instigar a população contra os super-heróis. — pergunta a entrevistadora — Como o senhor responde a essas acusações?

— Como sempre respondi, Gwyneth. — retruca o psicólogo, um homem magro, de óculos, mas com voz firme e decidida — Eu simplesmente defendo meus ideais... os super-heróis são um mau exemplo para nossos filhos. A única solução que eles trazem é a violência, e isso acaba gerando os tumultos que todos temos testemunhado ultimamente. Se proteger o bem-estar do povo americano é um crime... — Godfrey ajeita os óculos — então eu sou culpado!

— Esse cara é uma piada! — fala Ned Leeds, jornalista do Clarim, levando a mão ao botão para desligar a televisão.

— Ei, não tão rápido! — diz outro jornalista, afastando o braço de Ned — Eu acho que o cara tem razão. Quem sabe se esses "heróis" não são mesmo uma ameaça?

— Eu também concordo com ele! — fala um office-boy.

— E eu também! — diz uma fotógrafa — E você, Peter, o que acha?

— Bom... — pondera Peter Parker — eu não tenho uma opinião formada... mas, se ele diz, deve ser, né? Afinal, até o próprio presidente já proibiu a atuação de heróis... — Peter se aproxima de Ned e sussurra — Já notou com quem esse cara se parece?

— Não. Com quem?

— Leeds! Parker! — gritos interrompem a conversa — Na minha sala, agora!

Os gritos partiram de J. Jonah Jameson, editor-chefe do Clarim Diário, um homem íntegro e firme em suas decisões. Mas Jameson, na verdade, tem um grande defeito: é um ranzinza de carteirinha. E não gosta de esperar. Por isso, Leeds e Parker não hesitam em entrar na sala de Jameson e ouvir atentamente sua proposta.

— Recebemos a informação de que G. Gordon Godfrey vai fazer uma manifestação em frente ao monumento Lincoln amanhã. — diz Jameson, entre uma baforada e outra de seu charuto — O nosso correspondente de Washington vai estar cobrindo outro evento, então preciso enviá-los para lá para fazerem essa reportagem. Vou inclusive pagar as despesas da viagem...

— Puxa, Jonah, você está mesmo de bom humor hoje... — fala Peter, em tom debochado, cutucando Leeds com o cotovelo.

— ...Na classe econômica! — continua Jameson — Como sabem, esses são tempos bicudos, precisamos economizar!

— Claro, claro... — fala Ned, olhando para Peter, que segura o riso.

— Leeds, escolhi você pois sei que tem a capacidade de fazer uma boa matéria sobre Godfrey. Ele é um homem sensato, coisa rara de se encontrar hoje em dia! — Jameson reclina-se na cadeira e põe os dois pés sobre a mesa — Se todos fossem como ele, seria mais difícil encontrar ameaças fantasiadas como o Homem-Aranha se balançando por aí e emporcalhando a cidade com suas malditas teias!

— Jonah, nos conhecemos há muito tempo, você sabe que não faço matérias tendenciosas. — fala Ned.

— E quem disse que vai ser tendencioso? — Jameson levanta-se da cadeira — É só falar a verdade, que é exatamente o que Godfrey também faz! Agora vão até a srta. Brant, e ela encaminhará tudo para a viagem.

Peter e Ned saem da sala e, no caminho para a mesa da secretária, que vem a ser também esposa do último, passam novamente pela televisão ligada.

— ...Obrigado, senhor Godfrey, pela excelente entrevista. — fala a apresentadora.

— Não há de quê, Gwyneth! Gostaria que o povo americano soubesse que estes são tempos bicudos! Este país precisa de homens sensatos, coisa rara de se encontrar hoje em dia! Precisamos de quem fale a verdade, e é exatamente o que estou tentando fazer.

Peter olha para Ned, sorrindo.

— Lembra o que te perguntei antes?

— Meu Deus, é igualzinho! — surpreende-se Ned.

— Até o nome! — fala Peter — GGG... JJJ...

— Separados no nascimento? — brinca Ned.

— Deus nos livre... — fala Peter, em meio a gargalhadas.

No avião, rumo a Washington, Peter Parker pensa nos acontecimentos dos últimos dias. Mesmo com a proibição das ações dos super-heróis por parte do presidente, Peter tem continuado a agir como o Homem-Aranha. Para ele, a crescente revolta contra os super-humanos não tem feito muita diferença. Afinal, ele já é difamado há anos por Jameson, em seus editoriais para o Clarim. Mas Parker sente que há algo maior por trás desse caso. Ele não sabe o quê. Mas que há, há.

No dia seguinte, os dois colegas chegam ao memorial, onde uma multidão ouve atentamente as palavras de Godfrey. Todavia, seu discurso está mais contundente do que antes. Agora, Godfrey incita a população a ignorar qualquer autoridade, seja ela polícia, governo ou os heróis.

— Acho que o cara endoidou de vez! — fala Peter, sacando a câmera — E o que são aquelas coisas do lado dele? — continua, fotografando duas enormes criaturas robóticas em forma de cães que guardam o psicólogo.

— Shh... — Ned põe o indicador na boca, pedindo silêncio — Esse discurso parece mais interessante!

"Ei, o que está acontecendo?" — pensa Peter, desconfiado — "O Ned nunca deu bola pra esse cara, e agora parece fascinado! Aqui tem coisa errada mesmo!"

De repente, a palestra de Godfrey é interrompida pelo surgimento de um homem vestido em azul e dourado, com um reluzente capacete: o místico conhecido como Senhor Destino. Com ele, materializam-se diversos outros heróis. Trazidos de diversas partes do país pelo feiticeiro, estão presentes o Super-Homem; Batman; Capitão Marvel; Wally West, o Flash; Mutano, dos Novos Titãs; Guy Gardner, Lanterna Verde da Terra; Canário Negro; e o Besouro Azul. Logo, chega também Ajax, o Caçador de Marte, e une-se aos demais.

— Nossa, só tem figurão ali! — Peter tira várias fotos — E aquele cara de azul com visores esquisitos. Quem será aquele... — Parker vira-se para Ned, mas ele não está mais lá. Leeds já está no meio da multidão, gritando palavras de ordem — Droga! Acho que as fotos vão ter que esperar. É hora de o Aranha entrar em ação!

Peter corre, à procura um local afastado para vestir seu conhecido uniforme de Homem-Aranha. Enquanto isso, os heróis entram em combate com os "cães de guerra" de Godfrey. Súbito, um dos chamados tubos de explosão abre-se no céu, liberando centenas de guerreiros voadores: os violentos soldados de Apokolips conhecidos como parademônios. Quando o Homem-Aranha surge no local da batalha, impressiona-se com o que vê.

— Pela madrugada! Que bichos voadores são esses? — instintivamente, Peter busca seu colega. Encontra-o correndo em meio à uma multidão que foge de um dos cães de guerra.

Lançando suas teias, o Homem-Aranha balança-se até a multidão, caindo entre ela e o ser robótico.

— Paradinho aí, totó! — o Aranha dispara um fio de teia, enrolando-o nas pernas do monstro metálico, na tentativa de levá-lo ao chão. O inimigo rompe a teia facilmente, e avança sobre o herói — Ops! A tática "Império Contra-Ataca" não funcionou, né? O jeito é tentar a tática "Hulk Esmaga"!

O Homem-Aranha desfere um soco no robô, mas não é o suficiente para pará-lo; apesar de danificado, o material de que a criatura é feita é forte demais para ser destroçada pelo herói. Com um golpe rápido, o cão de guerra golpeia a parede ao lado do Homem-Aranha, que mesmo com seu sentido de Aranha não consegue desviar de um destroço, que o derruba. Zonzo, o Aranha vê uma das garras do inimigo se aproximando, sem ver muitas chances de escapatória. Todavia, o monstro, de repente, se detém por um instante e é puxado para trás com força, terminando preso à fachada de um prédio próximo. O Aranha levanta a cabeça, tentando entender o que aconteceu. Depara-se com um dos heróis que surgiram junto com o Senhor Destino: justamente um dos únicos que ele ainda não conhece.

— Levanta aí, colega! — fala o Besouro Azul, estendendo a mão e ajudando o Aranha a se pôr em pé — Temos muito trabalho pela frente!

— Valeu. — agradece Peter, tirando a poeira do uniforme — Eu sou o Homem-Aranha...

— Pô, eu sei quem você é, cara! Já li muito sobre você. E aposto que você também leu muito sobre mim!

— Ahn... claro! — responde o Aranha, sem ter a menor idéia da identidade de seu interlocutor — Você é o... o... Barata Azul?

— Como é que é? Você não me conhece? — reclama o Besouro, balançando os braços — Eu sou o Besouro Azul! Besouro Azul! De Chicago!

— Sim, foi o que eu quis dizer, desculpa! Devo estar meio tonto por causa da pedrada que sofri... — o Aranha se pergunta se sua desculpa foi boa o suficiente.

— Ah, tudo bem! — responde o Besouro, sorrindo — Caso você esteja se perguntando, para prender o nosso amigo canino ali usei um imã que desenvolvi para situações como essa. Eu sou um pouco inventor, sabe?

— Ei, eu também sou. Coincidência, né?

— É mesmo? Puxa, acho que somos um pouco parentes, como os insetos e os aracnídeos.

— Ei, você sabe a diferença! — surpreende-se o Aranha.

— Como assim?

— É que metade das pessoas que eu conheço, inclusive os canalhas que eu enfrento, me chama de inseto. Não adianta explicar que aranhas não são insetos, eles não aprendem!

— Tsc. A vida é mesmo dura para nós, do reino animal. — resigna-se o Besouro, com ar divertido — Mas vamos lá, tem um monte de pilantras para a gente deter.

Quando aproximam-se para verificar se as pessoas ao redor — incluindo Ned Leeds — estão bem, os dois heróis são surpreendidos por um ataque partindo exatamente deles.

— Esse tal Godfrey deve ter hipnotizado a população! — fala o Besouro, esquivando-se de pauladas desferidas contra ele.

— Também acho! — diz o Aranha, enquanto, com um leve tapa, empurra Ned Leeds a alguns metros de distância — Ei, quem é aquela gatinha vindo pra cá?

— É a Canário Negro! — responde o Besouro, enquanto detém mais algumas pessoas com algumas de suas traquitanas tecnológicas.

Dinah Lance, a justiceira conhecida como Canário Negro, junta-se aos dois heróis, ajudando-os no combate. Todavia, sua aparência sisuda não é perdoada pelo bem-humorado amigo da vizinhança.

— Ei, loira! — fala o Aranha, em voz alta — O canarinho tem telefone?

— Tenho. — responde ela, mantendo a fisionomia impassível enquanto luta — Mas ele já tem dono. É um arqueiro que acerta sempre na mosca.

— Não tem problema! — diverte-se o Besouro — Mosca é com o meu amigo aqui mesmo!

— Ei, não se mete, cara! — continua o Aranha — Eu vi primeiro! Aliás, você não vai ter muita chance com a gata, afinal está meio cheinho. Você tem tendência para engordar?

Não, eu não tenho tendência para engordar!!

Canário tenta manter-se séria, mas acaba sorrindo diante do deboche dos dois.

— Isso foi um sorriso? — pergunta o Aranha, derrubando mais integrantes da turba.

— Pra mim, pareceu! — gargalha o Besouro.

Os três acabam por rechaçar a multidão. Quando Canário Negro se aproxima para que os três possam trocar mais algumas palavras, os dois apontam para um local próximo dali, onde uma mulher alta, morena e linda, usando tiara e um short estrelado, atrai a atenção.

— Putz, quem é aquela? — fala o Besouro.

— Sei lá, mas é... — responde o Aranha — é...

— Uma potranca! — falam ambos, em uníssono.

Enquanto isso, uma ignorada Canário Negro dá sua sentença.

— Ainda bem que o Ollie não está aqui.

Peter Parker, o Homem-Aranha, Ted Kord, o Besouro Azul, e a maior parte do mundo ainda não sabem, mas a mulher que atraiu suas atenções é a princesa das amazonas, a Mulher-Maravilha. Mas uma criatura que assiste a tudo através de um portal de visão está ciente da existência da princesa. Em Apokolips, está o arranjador de toda a confusão que assola a Terra: Darkseid. Foi ele quem mandou G. Gordon Godfrey, ou, como é mais conhecido em seu planeta natal, o Glorioso Godfrey, ao nosso planeta, para que ele, com seus poderes de persuasão, destruísse a credibilidade dos heróis, acabasse com as "lendas" modernas da humanidade. E, até agora, ele está satisfeito. O mesmo não pode ser dito de seu acessor, Dessad.

— Veja só, poderoso Darkseid! — esbraveja Desaad, enquanto o portal mostra os detalhes dos últimos acontecimentos — Estes dois seres riem diante da morte certa! Fazem piadas imbecis diante da aniquilação! Fazem troça um do outro e cortejam fêmeas diante do juízo final! Como podem ser considerados heróis em seu mundo? Como podem...

— "Mosca é com ele mesmo"... — balbucia Darkseid.

— Perdão? — quando Desaad olha para o rosto de seu mestre, normalmente frio e duro como uma lápide, percebe algo aterrador. Algo hediondo, que nunca deveria ser vislumbrado no rosto do soberano de Apokolips por olhos despreparados: um sorriso. Na verdade, um largo sorriso.

— "Mosca é com ele mesmo". Aranhas comem moscas, Dessad, entendeu? Boa piada, não acha? Bwa-ha-ha! Bem, apesar de minha desatenção momentânea, já estou de volta. Você dizia...?

Desaad se cala por um instante, chocado com o que vê. Ele fica pensando se é apenas um teste por parte de Darkseid ou se o lorde negro está mesmo se divertindo. Em todo o caso...

— Eu disse "que potranca", mestre.

Na Terra, enquanto o Besouro Azul e os demais heróis continuam lutando, o Homem-Aranha é pego por um parademônio e trava uma luta aérea com o oponente. Usando as teias para cegar o adversário, Parker acaba por fazê-lo cair no topo de um prédio, amortecendo o impacto para o próprio Aranha. Quando se prepara para descer pela parede do prédio e voltar à batalha, Peter vê que, perto dali, a batalha está encerrada. Godfrey, com sua verdadeira face revelada, tenta uma última cartada colocando o elmo do Senhor Destino, que automaticamente desliga sua mente. As pessoas, antes controladas pelo Glorioso Godfrey, saem de seu transe histérico e os heróis se reúnem para debater.

Peter escuta quando os heróis falam algo que parece ser "Liga da Justiça" e entende o que está acontecendo. Aproveita para tirar fotos para o Clarim, quando percebe que o Besouro Azul olha para ele e faz um aceno, como quem diz: "venha você também". Peter pensa por um momento e toma a decisão que sempre tomou nestas situações: faz sinal de negativo. Ele sabe que age melhor sozinho. O Besouro dá um sorriso e faz um gesto com os ombros, indicando "você é quem sabe".

Minutos depois, a multidão já se dispersou e Ned Leeds procura por seu fotógrafo. Peter Parker aparece, já com suas roupas civis.

— Peter! Me perdi de você na confusão! — fala Leeds — Vamos para o hotel, temos a história do ano aqui! Tirou boas fotos?

— Acho que sim, consegui um lugar bom. — responde Parker — Mas não pude entender com clareza, eles formaram mesmo uma nova Liga da Justiça?

— Sim! Só não entendi por que o Homem-Aranha não participou dessa reunião final.

— Ah, ele estava por aí, é? — disfarça Peter — Pois é, por que será que ele decidiu não participar?

— Bem, o Besouro Azul já está na equipe. — diz Ned — Talvez eles só tenham lugar para um inseto, não é mesmo?

Peter balança a cabeça discretamente.

— Pode ser, Ned. Pode ser.

É, certas coisas nunca mudam.



 
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