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Por
Igor Appolinário
A Gata e a Jóia Parte I
Torre do Relógio Gotham City
Mesmo sem Oráculo estar em seu posto, seus sistemas de monitoramento estão sempre alerta, procurando por qualquer anormalidade na cidade. Quando algo suspeito ou fora dos padrões é detectado, os computadores da Torre avisam imediatamente a polícia, que pela rapidez do alarme, invariavelmente pega o criminoso.
Os monitores passam apressadamente imagens das centenas de câmeras às quais Oráculo tem acesso na cidade, cada qual com sensores de movimento, captando tudo o que se passa. De repente, o ciclo de imagens ininterruptas se estanca e apenas uma delas é apresentada no monitor: a cobertura de um grande prédio. Nos outros monitores, plantas e sistemas de segurança surgem, com fiações e salas marcadas pelos sistemas de captação de movimentos.

Bienal mundial de tecnologia e informática Nova York
Bárbara Gordon passeia por entre os estandes, todos recheados com modernidades tecnológicas. Exatamente o que Bárbara procura. Exatamente o que Oráculo precisa. Uma das desvantagens de ser a fonte de todo o conhecimento no mundo dos super-heróis é que é preciso estar sempre atualizada, ligada nas últimas novidades.
"Ainda bem..." pensa Oráculo "... que eu sou financiada. Se tivesse que pagar tudo isso do meu bolso...!"
Bárbara olha alguns novos monitores e placas de vídeo, quando de repente alguém esbarra em sua cadeira de rodas, fazendo-a girar para um lado e rodar um pouco para frente. Ela ensaia um palavrão bem encaixado, mas uma voz suave corta seus pensamentos.
Mil desculpas! Não sei onde estava com a cabeça...
Não tem problema, mas poderíamos sair daqui? diz Bárbara, acompanhando o desconhecido para longe do estande superlotado.
Me desculpe mesmo pelo mau jeito. Hã... eu sou Marcus Oebius. diz ele, estendendo a mão.
Olá. Sou Bárbara Gordon. Então, Marcus, o que faz por aqui? Trabalha com informática?
Bem, na verdade não. Sou professor e estou procurando alguns equipamentos para o meu laboratório. Não gosto de mandar o pessoal da faculdade fazer essas coisas, por que eles sempre compram tudo errado. Além do mais, eu gosto do passeio. E você?
Oebius, Oebius... hã? Oh, desculpe estava distraída, mas acho que já ouvi falar de você. Você é físico, não?
Sim, sou. Mas é estranho você me conhecer, afinal eu só apareço em revistas científicas!
Bom, eu não estou aqui só pra olhar, pode ter certeza.
Ótimo! Então gostaria de saber o que você faz. Aceita um café?
Claro.
Marcus e Bárbara dirigem-se à pequena lanchonete montada nas instalações da bienal. Eles avançam lentamente, conversando. Na lanchonete, Marcus retira uma cadeira da mesa e faz um gesto para que Babs se acomode. Ele se senta de frente para ela e eles continuam conversando sobre as pesquisas de Oebius.
...então, resumindo, você trabalha com a manipulação do tempo.
Pode-se dizer que sim, mas não é tão simples. Na verdade eu trabalho com médicos e biólogos, tentando descobrir uma forma de usar a quarta dimensão para acelerar a formação de culturas. Desta forma, podemos acelerar a descoberta de vacinas ou antibióticos mais específicos.
Isso tudo é muito interessante, mas não é perigoso? Mexer com o tempo é algo incerto. Se não tiver cuidado vocês podem... apagar alguém da existência!
Não! Nós trabalhamos na criação de bolsões de tempo acelerado. É como tirar um pedaço da quarta dimensão que esteja mais acelerado que o nosso instante, e usar para os nossos propósitos. Claro que é muita teoria ainda, mas...
Bip-Bip Bip-Bip Bip-Bip
…acho que você está apitando...
Desculpe. Só um minuto.
Babs pega seu pager e na pequena tela de cristal líquido vê uma única palavra estampada: "Oráculo". Ela olha para Marcus e depois volta os olhos para a maquininha.
Droga! pragueja ela, baixinho.
O que foi?
Oh, nada... quer dizer, eu tenho que ir embora, sinto muito.
Algum problema em casa? Se quiser, eu te acompanho...
É, tenho que resolver algumas coisas em casa. Mas eu não moro aqui, sou de Gotham City.
Ah, que pena. Mas... será que eu posso ficar com seu telefone?
Bárbara dá um sorriso para Marcus. Ela pega suas sacolas e vai embora, apressada. Marcus Oebius permanece na lanchonete, um sorriso estampado no rosto. Na mão, um guardanapo rabiscado.

Ristorante Mamma Mia Gotham City
O Mamma, como é conhecido pelos (raros) freqüentadores, é na verdade uma vergonha para toda a comunidade italiana da cidade. Fundado por Pablo Calderón, imigrante ilegal, como vingança a Giovanni Gallo, que o demitiu da cozinha de seu estabelecimento (Pablo só sabia fazer pratos mexicanos), o Mamma inspirou desconfiança, e depois nojo e aversão, nos moradores da redondeza. Claro que, se Calderón tivesse tino comercial, teria aberto um restaurante mexicano, que é a nova moda entre os ricos da cidade.
Nesse incerto local se encontra Dinah Lance, a vigilante noturna conhecida como Canário Negro. Mas não essa noite. Hoje o uniforme ficou no armário, a motocicleta na garagem. Não é para combater o crime que ela está aqui. Mas bem que gostaria. Há meia hora, Dinah escuta um intrincado discurso sobre fungos e bactérias.
"Tudo o que eu queria na hora do jantar." pensa ela, trocando a mão que apóia o queixo, antes que começasse a formigar.
...e se deixarmos os fungos sobre a iluminação correta, eles crescem com uma velocidade incrível!
Fascinante... boceja Dinah.
E você não sabe, mas tem bactérias que podem...
"Meu Deus!" pensa Dinah "Nunca mais deixo a Babs me convencer a marcar um encontro pela internet! E ela ainda me paga por esse..."
Quando o discurso esta a ponto de mudar de fungos e bactérias para insetos, o pager de Dinah começa a bipar incessantemente.
Olha, Percy, eu tenho mesmo que ir. Aconteceu algo que eu não posso deixar de resolver. Tem que ser agora.
Mas que pena, meu chuchuzinho. Quando a gente vai se ver de novo?
Bem... ahn... me manda um e-mail, eu respondo assim que puder.
Tchau! grita Percy para as costas de Dinah, que avança para a saída o mais rápido que a elegância permite. O que é muito rápido.
Ela corre para pegar um táxi. As instruções no pager eram bem explícitas: "Na Torre. Agora!" Enquanto o carro roda pelas ruas da cidade em direção à Torre do Relógio, Canário pensa em muitas formas bem violentas, e divertidas, de punir Bárbara pelo encontro dessa noite.

Torre do Relógio
A Torre do Relógio de Gotham é uma construção única na cidade. Não pelo relógio, pois é óbvio que a catedral também tem um. Nem pelas formas angulosas e poligonais, que tenta deixar a imagem gótica da cidade de lado. Mas talvez pela combinação de ambos os aspectos ou, mais certamente, por aquele prédio ser o centro nervoso do mundo dos super-heróis, o coração da "corporação Batman". Ele é a base de Oráculo, onde seus computadores, quase auto-suficientes, monitoram Gotham e o mundo.
Dinah está no elevador, seus pés reclamam dos sapatos apertados. A primeira coisa que faz ao entrar na sala de estar da Torre é jogá-los o mais longe possível. E eles invariavelmente caem embaixo da mesinha de centro. Ela gosta muito dos sapatos pra jogá-los com força. Dinah vai até os fundos, onde dois quartos são reservados para o alter ego de Bárbara Gordon. Em um deles, uma sofisticada sala, repleta de holoprojetores e indutores de luz sólida, serve de ginásio virtual e acesso digital. A outra, que se encontra exatamente atrás do relógio, está abarrotada de componentes eletrônicos, monitores, sensores e outros apetrechos que possibilitam a Oráculo ser a maior informante virtual do planeta.
Olá, Babs. O que houve? pergunta Dinah, deixando as torturas de lado. Pensar nelas já foi divertido o bastante.
Desculpe estragar o seu encon... começa Bárbara, mas pára ao ver o olhar fulminante de Dinah Bem, como eu dizia. Na noite passada, a cobertura do milionário Edward Pritchatt foi invadida. A polícia diz que, segundo Pritchatt, nada foi levado.
Estranho, mas até aí nada de mais.
Sim. Mas, segundo meus informantes, Pritchatt tinha em seu poder o famoso, e de até então paradeiro desconhecido, diamante Estrela D'Alva.
Aquele diamante gigante?
Sim. Eles dizem que a Estrela foi a única coisa levada.
Mas por que Pritchatt não disse nada à polícia? Uma coisa tão valiosa, é claro que ele vai querer recuperar.
Pritchatt já teve problemas com o imposto de renda antes. Acho que virou um hábito não declarar coisas muito valiosas. Além do mais, vinha sofrendo ameaças para vender a jóia.
Seus informantes são bons. Será que eles sabem quem é o criminoso?
O criminoso não, mas quem é o mandante do crime, sim... Nathaniel Glow.
O joalheiro? Por que um joalheiro que tem milhares de diamantes, e muita grana, roubaria? Ou mandaria roubar, como é o caso?
Exatamente por ser um grande joalheiro. Ele conhece toda a magnificência da Estrela e, só para registro, sempre desejou possuir a jóia. Meus informantes disseram que seguranças pessoais de Glow andaram procurando os serviços escusos de capangas e assaltantes.
Então ele queria mesmo fazer valer as ameaças que fez a Pritchatt. Mas o que vamos fazer? Você entrou em contato com ele?
Não, vamos recuperar a jóia primeiro e depois contatar Pritchatt. Mas antes de tudo isso, temos que encontrar a pessoa que é a peça chave do nosso plano.
Quem...?

Museu de História de Gotham City
O Museu de História é um orgulho da cidade. Mantido pelos fundos da prefeitura e pelos investimentos da Fundação Wayne, reúne obras de arte de grande valor, monetário e histórico. Durante décadas, o museu já foi palco de grandes festas beneficentes em seu favor. Mas hoje é palco de algo muito mais ilícito.
O Museu possui um grande átrio central. Nos dias de sol, a grande Exposição Romana, que ocupa o lugar de destaque do museu, fica iluminada com a luz dourada do ouro dos imperadores. E é exatamente rondando essa clarabóia que vemos uma sombra, um vulto que se agacha sobre o vidro e com um pequeno aparelho, tão pequeno que sua forma exata se perde na escuridão, assemelhando-se muito a uma garra, corta um círculo de tamanho médio. O vulto entra pelo buraco. Bipando ao lado do corte no vidro está um pequeno aparelho, ligado ao alarme de segurança.
Por uma longa corda, a sombra criminosa desce até o chão. Cautelosamente, caminha até um portal próximo, sobre ele a inscrição: "Seção Medieval". O vulto caminha pela seção até se deparar com uma parede, que na penumbra aparenta estar vazia. Passos vêm pelo corredor e a sombra se joga para um canto. Um vigia caminha lentamente, iluminando as obras, relíquias e peças históricas. Um bocejo quebra o silêncio dos corredores, mas, inesperadamente, é seguido de um rangido metálico.
Mas que diab...?
O vigia corre até a seção medieval e rapidamente passa o facho de luz pelas armaduras e tapeçarias. O coração acelerado se acalma e negligentemente ele se apoia em uma armadura antiga. Ela range e o machado que segura balança e cai, rente à cabeça do vigia. Ele recua assustado, alguns fios de cabelo cortados. Uma mão zune no ar agitado do museu e atinge certeiramente a nuca do vigia, que desmaia. A Mulher-Gato surge de trás do monte de metal medieval.
Ela volta à parede aparentemente vazia e retira algo de lá. Faz um embrulho e volta pelo corte na clarabóia. Quando o vigia acordar, vai querer muito saber quem o nocauteou e, principalmente, quem levou uma peça muito importante da exposição.

Telhados de Gotham
Selina corre pelos telhados da cidade. Pode parecer um pouco improvável, mas a densidade populacional de Gotham criou um verdadeiro boom imobiliário, resultando em ruas estreitas, becos e prédios muito altos. Facilmente, a Mulher-Gato pula de um prédio para o outro, mas de repente um salto alto se interpõe no caminho, jogando Selina alguns metros adiante, com o rosto no chão.
Ai! Quem deixou um... salto?... por aí!?!
Mulher-Gato. diz Canário Negro, caminhando até Selina Eu quero você.
Olha. responde Selina, levantando-se e pegando o embrulho Eu não quero nem cogitar o que você e suas amiguinhas da SJA (*) fazem, mas devo dizer que você realmente não é o meu tipo.
Não é nada disso, gata depravada.
Bom, eu não tenho tempo para papo furado. diz Selina, dando alguns passos para trás e ficando na beirada do prédio.
Não, espere!
Selina se joga da beirada. Ela dá uma volta sobre o próprio corpo e cai, em pé como todo gato, em cima do prédio ao lado. Ela corre, com Dinah em seu encalço. Canário Negro se joga sobre a criminosa, ambas rolam pelo chão e o embrulho se arrasta pelo telhado, parando bem na beirada. Uma lufada de vento o levaria até o asfalto negro lá embaixo.
Me solta, sua vagab... resmunga Selina, mas é interrompida por um chute no estômago.
Volta aqui, ladra safad... ai! grita Canário, interrompida por um puxão em seus cabelos.
Pensei que você ainda usasse peruca... sua oxigenada!
Invejosa!
Dinah joga Selina para o lado, próxima ao embrulho. A ladra pega o pacote e salta para a rua. Canário a segue por cima dos prédios. Um telefone público toca na esquina e Mulher-Gato segue bem em sua direção. Ela se aproxima da cabine e olha ao redor.
Acho que despistei aquela perua...
Olhe de novo. diz Dinah, saltando de um prédio sobre Selina Atenda ao telefone.
Por quê? pergunta Selina, tentando se soltar É alguma de suas amiguinhas?
É. E talvez você possa se interessar pelo que ela tem a dizer.
Duvido.
Dinah pega o fone e o encosta na orelha da Mulher-Gato. A criminosa ouve uma distorção eletrônica e uma voz, que se não aparentasse ser feita de metal e estivesse tinindo, poderia passar por feminina.
Mulher-Gato, tenho um serviço para você...

Galpão 135 docas de Gotham
As docas de Gotham são um espetáculo turístico sem igual, principalmente para aquele tipo de turista que aparece boiando nas águas turvas que levam até o mar aberto. Os capangas mal-encarados nas portas dos galpões são a garantia para qualquer um que o seu destino será bem molhado e escuro, caso se intrometa no que não é chamado.
Esse é o local ideal para um QG improvisado, montado por Oráculo para qualquer emergência. Não que as docas sejam um lugar seguro, mas pelo menos nenhum intrometido vem xeretar seus negócios. Selina e Dinah entram no galpão número 135, aparentemente deserto.
Bem-vindas. diz a voz de Oráculo, distorcida por alto-falantes Olá, Canário Negro.
Olá, Ba... digo, Oráculo.
Dinah e Selina se entreolham.
Não sei o que estou fazendo aqui. fala a Mulher-Gato Dinheiro deve ser minha kryptonita. Não posso arriscar minha identidade desse jeito.
Olá, Selina Kyle. Essa parceria não é muita do meu agrado também. Agora, por favor, devolva a tapeçaria do século XIV que você retirou do museu.
Hunf! Você tem olhos na nuca, não, "Oráculo"? diz Selina, jogando o embrulho para Canário Mas o que você tanto quer comigo?
Você é a peça-chave para a invasão que queremos perpetrar. Você e Canário Negro vão recuperar um raro diamante que está nas mãos de...
Nathaniel Glow. completa Selina As fofocas correm rápido no meu meio. Então vocês precisam mesmo da mamãe aqui. Se você realmente pagar o que me prometeu pelo telefone, eu topo.
Então estamos acertadas. Vocês terão que invadir a Glow Industries, um grande prédio no centro de Gotham.
Aquele pomposo, que tem até um jardim? Conheço...
Nele, Glow concentra todos os processos de purificação e lapidação de pedras preciosas. As quais são a verdadeira obsessão de sua vida. Além disso, seu departamento de pesquisas desenvolve novos métodos de prospecção e mineração. E todo o maquinário necessário para estas atividades.
E quando invadimos?
Daqui a uma semana. diz Canário Na festa de aniversário de Glow. A segurança será maior, mas eles terão muito mais do que cuidar. Creio que não será difícil. Os convites também já foram providenciados.
Vocês são realmente boas nisso. responde a Mulher-Gato Já pensaram em mudar de ramo?
Silêncio total na sala.
É, acho que não. Bom, mas pra que o galpão?
Aqui, você e Canário Negro poderão treinar os passos mais críticos da invasão. as luzes do galpão se acendem. Dinah e Selina encontram-se em meio a réplicas do prédio de Glow e seus interiores. Cópias que vão desde maquetes a reproduções em escala real.
Pronta para começarmos? diz Canário Negro.
Já nasci pronta. responde Selina.
Na próxima edição: Oráculo, Canário Negro e Mulher-Gato põem em prática seu plano. Mas será que é realmente uma boa idéia confiar em uma ladra?
:: Notas do Autor
(*) Canário Negro é membro da Sociedade da Justiça, assim como sua mãe, a Canário Negro original, foi no passado. 
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