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Por
Alexandre Mandarino
Toda
Morte é Negra
Matt Murdock vestiu
o terno Armani sobre o tradicional uniforme vermelho-escuro. Decidido,
pegou um táxi até a Corte Criminal de Justiça.
Chegou no prédio às nove da manhã e foi direto
para sala de Maxine Lavender, assistente da promotoria.
Maxine, preciso falar com você!
Bata antes de entrar, Murdock! Onde você acha que
está? assustou-se Lavender.
Desculpe, Maxine, mas é um assunto urgente.
Todos acham que têm urgência...
Maxine, é sério. Você viu na televisão
os dois crimes ocorridos ontem, não?
Claro. Um deles, um garoto... Isso está ficando
terrível.
Sim. Mas estou aqui para falar dos crimes. Vim soltar meu
cliente, Melvin Potter.
O quê? Murdock, Potter foi o Gladiador durante
anos e, além do mais, ele pode muito bem ter...
Não, não pode. Os crimes dessa madrugada
foram claramente cometidos pelo mesmo responsável pelas
tragédias anteriores. Exatamente o mesmo M.O., Maxine.
Você não pode negar. Isso abre aquele nosso precedente
velho conhecido de inocência por incapacidade de ação.
Diabos, Murdock... Certo, fale com a Taylor, secretária
da promotoria. Peça para ela agilizar estes papéis
para você.
Meia hora depois, um apressado Murdock saía com um abatido
ex-criminoso da cadeia.
Muito obrigado por tudo, seu Murdock. Sabe, não
é a primeira vez que o senhor livra a minha cara e me ajuda.
Eu nunca vou esquecer isso.
Não tem importância, Melvin. Eu sei que você
é inocente.
Já fiz muita coisa horrível, seu Murdock.
Mas eu não mato mais. E nunca iria matar um menino. O que
eu quero dizer é... obrigado. É bom saber que pelo
menos uma pessoa no mundo acredita que um criminoso possa realmente
se arrepender.
A respiração de Potter estava irregular. Ele tentava
prender o choro de emoção e manter a pose.
Mas ainda não entendi uma coisa, Melvin. Por que
você destruiu sua própria loja?
Isso é o mais estranho. Eu não lembro. Foi
como se tudo tivesse ficado negro de repente.
Bem, examinaram o sangue em suas antigas lâminas
de Gladiador e descobriram que se tratava de sangue de cabra.
Você não virou praticante de vodu, certo?
Claro que não. Eu nem mexia naquelas lâminas
há anos. Só as guardava comigo justamente para impedir
que alguém as usasse para me incriminar.
Enquanto caminhava pela calçada, a dupla continuou a conversa.
Os passantes observavam curiosos o homem cego de bengala e Armani
ao lado daquela montanha de músculos de calça jeans
e camiseta.
Não se preocupe, Melvin. Você está
inocentado dos crimes. E logo descobriremos o motivo de seu acesso
de loucura. "Ou melhor, um certo demônio descobrirá",
pensou o advogado.

Uma hora depois,
uma figura escarlate se balançava pelos arranha-céus
da cidade. O demônio chegou irritado ao edifício
de Wilson Fisk.
Rei! disse o Demolidor, ao invadir o escritório
no último andar de um imponente prédio. Dois capangas
do Rei do Crime levantaram suas armas. O imenso gangster, com
um gesto da mão esquerda, mandou a dupla sair da sala.
A sós com o demônio, o Rei disse:
Estava sumido, Murdock. O que você quer?
O serial killer.
Ah, claro. Como não imaginei? "Da Red Evil".
E por que você acha que tenho algo a ver com isso?
Sei que não tem nada a ver com isso. Muito sujo,
não faz seu estilo. Quero informações.
O Rei se levantou de sua mesa e caminhou até a persiana.
Dando as costas a Murdock, passou a observar a cidade que, em
grande parte, possuía.
E porque eu as daria a você?
Primeiro: o assassino está matando gigolôs,
traficantes, bandidos de rua. A escória que alimenta você.
Segundo: você não é mais o maioral, Rei. Chefes
de quadrilha como Cabeça-de-Martelo, Cara-de-Pedra, Lápide
e Sanguessuga minaram seu poderio na costa leste. Como a Máfia
e a Maggia não deixam que você reaja, temendo um
banho de sangue desnecessário, basta que alguém
sacuda com vontade o seu império para que ele desmorone
de vez. Eu posso decidir sacudir com vontade.
Wilson Fisk deu uma longa tragada em seu charuto. Olhou para a
fumaça, que se misturava às folhas da persiana e
finalmente disse:
Asilo Arkham.
Como?
Se eu fugisse de lá, me sentiria em casa em Nova
York.

"Quinta avenida,
Luxor Flat. É aqui", pensou Franklin Foggy
Nelson.
O advogado se apresentou e subiu até o 29º andar do
estapafúrdio edifício. A decoração
assírio-babilônica o deixou com vontade de rir. A
porta do apartamento 2901 interrompeu seus pensamentos. Tocou
a campainha. Uma mulher alta, belíssima, de longos cabelos
negros e olhos castanhos, atendeu a porta.
Você deve ser Franklin Nelson.
Sim, sou eu. Você é... Fiona Lions?
Claro. Sabe que eu não tenho obrigação
de falar com você, senhor Nelson. Legalmente, não
preciso dar satisfações à defesa de um estuprador.
Sim, eu sei.
Mas não sabe por que concordei em fazer isso, senhor
Nelson.
Vamos ficar aqui na porta?
Certamente. Você não é bem-vindo em
minha casa. E vou ser breve em relação ao que tenho
a lhe dizer.
Diga, então.
É mentira.
Hã?
É mentira. Ele não me estuprou. O idiota
não se lembra, mas sequer fizemos amor. Ele apenas acordou
em minha cama.
Você... está admitindo que foi uma armação?
Sim. Mas você não poderá fazer nada
sem provas. E tampouco saberá os motivos. Passe bem, senhor
Nelson.
A porta bateu, posicionando o número 2901 a poucos centímetros
de seus olhos. Estranhamente, a decoração assíria
passou a fazer todo o sentido.

Alô?
Asilo Arkham?
Sim?
Meu nome é Matt Murdock. Sou um advogado de Nova
York e...
Sim, já ouvi falar do senhor.
Quem está falando?
Jeremiah Arkham. O número para o qual ligou é
o direto do meu estúdio. O que deseja, sr. Murdock?
Tenho razões bastante fortes para acreditar que
um de seus ex-internos esteja agindo em Nova York. Vocês
sofreram alguma fuga recentemente?
Fuga? Poderia ser mais específico, sr. Murdock?
Bem...
Nos dê o M.O. da pessoa que está despertando
suas suspeitas.
Basicamente, é um estripador.
Vítimas?
Inicialmente, somente bandidos de quinta categoria.
Mortos ou desaparecidos?
Mortos.
Bem, isto elimina o Carcereiro.
O que disse?
Nada, sr. Murdock. Continue.
Bom, as vítimas logo saíram desse padrão.
Ele passou a matar pessoas de outros tipos, inclusive uma criança.
Loira?
...
A criança era loira, sr. Murdock?
Sim. Isso tem importância?
Depende. Havia inscrições com sangue na cena
dos crimes?
Sim...
Isso tem importância. Murdock, você e Nova
York têm um problema.

Ben Urich olhou-se
no espelho do boteco. O bigode falso estava mais grisalho que
seus cabelos naturais, mas teria de servir. Seu contato já
deveria estar chegando. Saindo do banheiro (o fim do fedor foi
um alívio), Urich encontrou o homem que se intitulava o
Coletor, sentado em uma mesa perto da porta. Magro, alto,
ex-policial, chamava-se na verdade Trevor McDuffie.
E então, senhor Maddock? Pronto para conhecer a
luz?
Quinze minutos depois, os dois chegavam em uma igreja abandonada,
na região mais insalubre da Cozinha do Inferno. Começava
a anoitecer. O repórter vestiu um manto que lhe foi dado
por um estranho ancião desdentado e posicionou-se na nave
da igreja, em meio a um grupo de fiéis.
"Umas quinhentas pessoas... putz, nada pode dar errado aqui",
pensou.
Logo o altar foi tomado por uma grande figura. Red Papa.
Boa noite vermelha, irmãos de sangue sussurrou
o homem, com uma voz que estranhamente chamava a atenção
de Urich.
Nossa ação ontem à noite foi um sucesso
completo. Mas não podemos nos restringir a depredar essa
imundície que chamam de bairro. Não! Temos que estender
nossas garras e abraçar o mundo! Amanhã à
noite, daremos o próximo passo em nossa cruzada por igualdade:
vamos destruir completamente a Cozinha do Inferno e fazer de seus
destroços a nossa base, uma terra de ninguém!
"Terra de ninguém... que idéia mais estúpida",
pensou Urich.
Daqui, do nosso ninho rubro, vamos matar, envergonhar e
empobrecer os que merecem. Chega de piedade com quem nos espolia
e humilha! Os únicos merecedores de nosso perdão
somos nós mesmos!
"Este som... algo grave e quase imperceptível. Ele
está usando freqüências subliminares",
descobriu o repórter. "Ninguém percebe simplesmente
porque não quer perceber. Querem integrar esta loucura".
Red Papa continuou seu sacerdócio:
Em nome de Bakunin, Stalin e Strucker, havemos de tomar
o que é nosso! Nossos dias de pobreza acabaram!
A platéia estava em delírio. À medida em
que as palavras se tornavam mais caóticas e contraditórias,
mais a turba se empolgava.
Não ofereceremos perdão! Os ricos, as autoridades,
os policiais, os judeus, todos haverão de pagar pelo nosso
sofrimento! Irão para o inferno por maltratar cachorros!
Beberão do sangue de suas próprias crias! Amanhã
é o dia sagrado, onde o diabo finalmente virá preparar
carne assada em sua Cozinha!
A multidão uivava.
Mas antes, preciso atender à imprensa! Senhor Urich,
queira retirar seu manto, por favor!
Urich gelou. Nem precisou pensar no que faria: seu corpo não
iria atendê-lo de qualquer forma.
Não quer? Pois bem, senhores. Ali, o terceiro homem
na quinta fileira. Peguem-no!
Urich foi levado até o altar.
Estupidez... Não sou um cretino, senhor Urich. O
que o fez pensar que eu não investigaria um pretenso novo
adepto? Uma pena: você não terá o privilégio
de presenciar nossa ascensão às alturas vermelhas!
Levem-no para o estábulo!
O "estábulo" era o porão da igreja, já
umedecido pelo tempo e pelo líquen. Estava tudo perdido.
Sobrevivera a tanta coisa fora esfaqueado por uma ninja
enlouquecida, jogado de alimento para um imenso jacaré
nos esgotos de Nova York para acabar aqui, no porão
de uma igreja perdida no meio do gueto. Subitamente, algo brilhou
na escuridão. A luz vinha do chão. Urich se abaixou
e, tateando, encontrou algo de metal. Felizmente, sempre levava
fósforos com ele. Acendeu um palito e viu o que era: um
medalhão de jade, com a forma de uma caveira enrolada por
serpentes.
Hidra.

Matt folheava as
páginas de fax enviadas por Arkham. Era preciso passar
as pontas dos dedos sobre a tinta bem levemente; faxes desbotam
com facilidade.
George Washington Smith. Era esse o nome do serial killer.
Fugira há dois meses do Arkham e, como não agira
por Gotham até então, o próprio Jeremiah
deduziu que estava em outra cidade. Estava preso no Asilo há
muitos anos e havia matado em Gotham durante apenas um mês:
foi logo capturado por um justiceiro local. Mesmo Modus Operandi.
A única diferença é que, em Gotham, as inscrições
em sangue incluíam a expressão "Dat Man"
(*).
Matt trancou por dentro a porta de sua sala e despiu o terno,
preparando-se para voltar para casa. Saindo pela janela do escritório
de advocacia Nelson & Murdock, o demônio estava perturbado.
Mortes em série eram demais. Mas uma criança estripada
era algo que ele não podia conceber. Isso iria terminar
hoje. Mais de uma hora e meia perambulando por guetos, armazéns
e bares imundos e nada. Nem uma pista. Restava uma chance: o apartamento
de Melvin Potter, no andar superior de sua alfaiataria. Era para
lá que ele iria.
A um quarteirão da alfaiataria, Murdock captou com seu
sentido de radar um vulto musculoso saltando o muro externo de
um edifício comercial. "Pode ser o assassino",
pensou. Balançando-se até o homem, Murdock arremessou
seu bastão, que ricocheteou na parede, a um metro da cabeça
do suspeito, e voltou para suas mãos.
Quem é você? O que estava fazendo naquele
prédio?
Quê? Quem você pensa que é, demônio?
Nem você pode medir forças com um mestre armeiro.
A figura de negro arremessou uma adaga sai, que teve seu
vôo interrompido em pleno ar pelo bastão do Demolidor.
Seja você quem for, hoje não é um bom
dia para tentar me atingir logo com uma sai.
A adaga foi arremessada de volta, prendendo o misterioso ser pelas
roupas na parede.
Vejo que é um exímio atirador, demônio.
Mas duvido que seja páreo para Zaran.
"Zaran?", pensou Matt. "Se não me engano,
é um mestre no uso de várias armas".
Zaran libertou-se da sai e arremessou, com as duas mãos,
nada menos que dezoito shurikens. Matt conseguiu desviar-se
de quase todas, mas uma delas rasgou sua máscara, passando
de raspão pelo lado direito de sua fronte.
Zaran começou a correr, tentando fugir, mas antes se abaixou
para pegar um envelope caído no chão. O movimento
retardou-o o suficiente para que o Demolidor prendesse suas pernas
com o cabo de aço da segunda metade de seu bastão.
Maldito demônio! Por que está se metendo nisso?
Você obviamente roubou esses papéis, Zaran.
Sim, e daí?
Com essas palavras, Zaran jogou um pó sobre Matt, que sentiu-se
tonto.
Aproveite bem a viagem do pó de Mimosa, demônio.
Matt imediatamente prendeu a respiração, mas já
havia inalado uma pequena quantidade da substância. Afastou-se
em busca de ar. Minutos depois, quando finalmente se recobrou,
Zaran já tinha escapado do cabo de aço de seu bastão
e fugido, levando o envelope. Mas seu sentido de radar mostrou-lhe
que um papel havia caído no chão. Matt recolheu-o
e passou os dedos sobre a tinta. Era uma espécie de recibo,
onde se lia o nome da empresa: Recuperações e Arranjos,
Ltda.
Depois de colocar o papel no bolso do uniforme, Matt esperou mais
alguns minutos para recuperar-se completamente dos efeitos da
Mimosa e pensou sobre a estranha aparição de Zaran.
Roubo de documentos não fazia o estilo de um mestre armeiro
e caçador.
Minutos depois, Matt finalmente entrava no apartamento de Potter,
que dormia pesadamente em seu quarto. Com cuidado para não
acordá-lo, o Demolidor investigou todos os cômodos.
Nada. Faltavam apenas a cozinha e o quarto. Subitamente, no chão
da cozinha, seu radar notou um estranho saquinho de papel. Antes
mesmo de pegá-lo, seu olfato hiperdesenvolvido já
havia lhe informado o que o pequeno pacote havia abrigado.
"Pó dos Anjos. Então Potter foi mesmo drogado
por alguém. Faz sentido: uma dose grande de Pó dos
Anjos é capaz de aumentar a força de uma pessoa
e fazê-la agir violentamente durante uma boa meia hora.
Isso explica porque Potter destruiu sua loja. Alguém deve
ter misturado a droga no pote de açúcar ou algo
assim. Isso me poupará tempo. Apenas três bocas de
fumo em Nova York ainda vendem esse treco".
No dia seguinte, ao acordar, Melvin encontrou em sua mesinha de
cabeceira um bilhete com as palavras: "Troque agora mesmo
todo o açúcar, café e leite em pó
que você tem guardado. DD".

Uma pequena vila
ao norte do Iraque
Em uma modesta casa, dois homens de manto vermelho discutem em
árabe.
Como assim, "explodiu"?
Você não viu na televisão? Dez quarteirões
de Badgá foram pelos ares.
Baixas?
Acabei de lhe dizer, Youssef! Nada menos que vinte irmãos
estão mortos.
Você acha que quem armou a explosão sabia
da localização de nossa seita naquela área?
É possível. Informantes nossos disseram ter
visto meta-humanos americanos e, talvez, o Mercenário agindo
no local.
O Mercenário? disse Youssef, perturbado.
Acho que isso exige uma mudança de planos. Vamos
ter de agir mais rapidamente do que esperávamos.
E Nova York?
É disso mesmo que estou falando, irmão. Em
breve, a capital do demônio será dos hashashins.
Mas agora vamos voltar ao paraíso disse Youssef,
tomando de um narguilê cheio de haxixe.

Porra, Demolidor,
já disse que eu não sei de nada! Agora deixa eu
voltar pro chão! berrou o marginal conhecido como
Tex.
Sabe, Tex, se eu fosse você abria o bico.
Tá achando que eu sou quem, demônio? O Tucão,
pra ter medo de você desse jeitooooooooooooooo...
Tex foi solto de uma altura de 10 andares, mas sua queda foi aparada
pelo Demolidor a dois metros do chão.
Putaquepariututácompletamentemalucoseudemôniodesgraçado!
Fala, Tex.
A boca do Jacaré! É ele que tá comandando
a parada de Pó dos Anjos em Nova York!
Em dez minutos, Matt estava invadindo a boca-de-fumo chefiada
por Jacaré, na zona leste de Nova York.
Saco, Demolidor. Tu quer o quê agora? disse
o traficante Nem precisa atacar o cara, pessoal. Vai poupar
a vocês a grana do hospital. Quer saber o quê?
Pó dos Anjos. Algum cliente novo ou estranho nos
últimos dias?
Essa é fácil. Pouca gente na cidade ainda
quer tomar essa merda. Apareceu um cara, sim. Ruivo, grandão
e todo musculoso. Tem uns dez dias. Sujeito esquisito, não
parava de falar em Abraham Lincoln e em como os comunistas eram
vermelhos porque eram... Eram o quê, mesmo, Cabecinha?
Asmodeus.
Isso. Ele comprou com a gente duas vezes. A primeira, aqui.
Depois, o Troglô foi entregar um pacote na casa do cara.
Onde?

Bowery
1h03
Matt desceu pela escada de incêndio de um edifício
condenado pela Prefeitura. Parou em frente ao terceiro andar,
como indicado pelos traficantes. Nada. Nenhum batimento cardíaco.
O apartamento estava vazio.

As feridas em seus
braços e pernas, causadas pelos seis meses que passou pendurado
no disco de metal, finalmente começavam a cicatrizar. Seu
pai havia ido à cidade, comprar arroz e farinha. George
finalmente caminhava com mais liberdade pela fazenda, mas sabia
que isso duraria somente mais algumas horas. Logo, o velho estaria
de volta e sua liberdade estaria tão vazia quanto o velho
casarão.

Matt abriu a janela
silenciosamente e entrou no apartamento. O cheiro de incenso logo
invadiu suas narinas. No chão, encontrou caixas vazias
de palitos de incenso. Passou os dedos sobre uma delas: "Aroma
de Benjoim. Aumenta a espiritualidade; exorcismo".

Era a chance de,
pela primeira vez, desde os dois anos de idade, entrar no quarto
de seu pai. Não, muito arriscado. E se ele voltasse e o
visse lá dentro? Com a calma de quem não tem mais
nada a perder, George levou a mão até a maçaneta.
Abriu a porta silenciosamente e entrou no cômodo. No escuro,
tudo o que sentiu foi um hediondo cheiro de morte, o mesmo que
sentia quando passeava pelo cemitério, ao lado do sítio
dos Johnson. Logo, seus olhos começaram a se acostumar
com a escuridão. Procurou acender a luz, mas ela não
funcionava. Com o tempo, as sombras deram lugar a formas mais
familiares. A cama, o espelho, o armário, o... Não,
não era possível. Não podia ser.

Sobre uma escrivaninha,
Matt visualizou com seu sentido de radar um estranho altar. Um
crânio que parecia ser o de uma cabra; velas da cor negra,
apagadas e quase completamente derretidas; pôsteres de Abraham
Lincoln, George Washington, Tio Sam e Sylvester Stallone, afixados
na parede ao lado de uma enorme imagem de um demônio de
três chifres.

"Mãe?"

"Asmodeus?"

George caminhou até
a parede. Era verdade. Era sua mãe. Quer dizer, o esqueleto
de sua mãe, pendurado de cabeça para a baixo na
parede oposta à janela. Sim, era ela. As mesmas roupas.
Lágrimas que pareciam ser de sangue começaram a
jorrar dos olhos de George. Naquele momento, o último brilho
de sanidade presente nos olhos de George Washington Smith enclausurou-se
para sempre nas trevas do quarto de seu pai.
Subitamente, ouviu passos.

"Só pode
ser Asmodeus, pelo que o traficante falou", pensou Demolidor.
"Que estranho raciocínio juntaria patriotismo e demonismo
em um só altar? Seria bom o Capitão América
ver isso", pensou Matt, com um riso nervoso.
Subitamente, ouviu passos.

Seu demônio
desgraçado! Quem mandou você entrar aqui? Agora você
vai ver o que acontece com quem desafia os sete círculos,
seu comunistazinho de merda! Seu mal vermelho!
O velho brandia um ancinho e avançou na direção
de George. O fedor de sangue parecia ter aumentado e vinha de
seu pai.

Seu demônio
desgraçado! Quem mandou você entrar aqui? Da Red
Evil! Da Red Evil!
Carregando um enorme tridente, o musculoso assassino de roupa
vermelha avançou na direção de Matt. O odor
de Benjoim estava mais forte do que nunca.
:: Notas do Autor
* Corruptela da expressão em inglês "that man" (aquele homem)
e óbvio trocadilho com o nome do defensor de Gotham, Batman.
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