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Detetive do Sobrenatural # 01

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

O Lobisomem de Copacabana

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— Já vai levantar, Almeidinha?

A voz que a Cleusa faz sempre que ameaço levantar depois que a gente dá umazinha geralmente me dá vontade de ficar deitado mais um pouco. Mas, desde todo o lance com a Miriam e o fantasma do marido dela, não sei por que a voz dengosa da Cleusa não tava mais tendo o mesmo efeito.

— Já volto, é que tô com sede.

O que não deixava de ser verdade. Levantei do sofá-cama e fui pra cozinha do meu escritório (um cantinho onde tem um frigobar com uns copos e uns pratos em cima). Enquanto bebia minha água, a Cleusa começou a se vestir. E reclamei, claro. Se você visse aquela morena de um metro e setenta, olhos castanhos, cabelos negros na altura do meio das costas, pernas bem torneadas e uma bunda de fazer inveja a qualquer uma, também iria se lamentar toda vez que ela se vestisse.

— Eu falei que já voltava! Pra que tá se vestindo?

— Só vou no banheiro!

— E precisa se vestir pra isso?

— Vou lá embaixo. Você tá maluco se acha que vou usar esse buraco que você chama de banheiro!

Tá certo que já tinha quase um mês que não lavava o banheiro do escritório, mas mesmo assim fiquei ofendido com a recusa. Ela desceu mesmo, e quando voltou, pra minha surpresa, trouxe uma cliente.

— Almeidinha, essa aí tá procurando por seus serviços profissionais — Cleusa fez questão de destacar essa última palavra. Ela é meio ciumenta, e odeia ver mulher perto de mim.

— Pois não, em que posso ajudá-la, senhorita...

— Laura! — ela era morena clara, de estatura mediana, e usava um salto muito alto. Não era de chamar a atenção, mas eu também não a dispensaria. — É um prazer conhecê-lo, seu Almeidinha. Vim indicada pelo Rodolfo.

— Grande Rodolfo! Como ele vai?

— Tá bem, mandou um abraço, e perguntou quando você vai pagar os 20 paus dele?

— Assim, que der, assim que der... — Rodolfo é um PM conhecido meu.

— Bem, seu Almeidinha, estou te procurando pra resolver um assunto muito delicado. Você já deve ter ouvido falar no caso. É sobre o ataque às prostitutas de Copacabana.

— Ouvi falar, acho que a cidade toda ouviu falar nisso. As mulheres apareceram com arranhões por todo o corpo, como se tivessem sido atacadas por um bicho, mas até agora não se sabe qual. As mulheres não falam muito sobre o caso...

— Isso mesmo! O senhor anda bem informado...

— Sou um detetive, afinal! — ela deu um belo sorriso, no que retribui. Cleusa não saía da janela, olhando pra vista da Praça Tiradentes.

— Bem, eu e minhas amigas de profissão desejamos contratá-lo para pegar o bicho que anda atacando.

— Mas os ataques foram há cerca de um mês! Por que acha que voltariam agora?

— Já reparou que hoje a fase da Lua muda? — ela me olhou com um ar bem inteligente, como se estivesse me propondo um grande enigma.

— A Lua cheia começa hoje... — por um segundo ficamos nos olhando em completo silêncio. — Não vai me dizer que os ataques são de lobisomem?!

Laura pareceu surpresa por eu ter adivinhado tão rápido.

— O senhor é bom mesmo, hein?

O problema é que meu negócio era fingir que via fantasma (bem, ultimamente eu vinha realmente vendo). Mas encarar um bicho desses? Não era pra mim de jeito nenhum!

— Laura, vai me desculpar, mas meu negócio é fantasma, esse troço de lobisomem não é comigo não...

— Pago quatro mil reais. Dois mil agora!

— Caramba, esse negócio de dar o rabo dá mesmo dinheiro, hein?

Pra variar, minha fina sensibilidade quase botou tudo a perder. Até Cleusa olhou pra mim como se quisesse me matar. Tive que pedir milhões de desculpas pra que Laura não saísse do escritório.

— Saiba que juntamos todas pra que pudéssemos te convencer a pegar o caso... — ela gritava com raiva, quase chorando. Acabei pegando o caso, lógico.

A noite começava a cair quando terminava de me arrumar pra sair. Nunca cacei lobisomem na vida, e pelo que sabia, ia precisar de balas de prata, o que não tinha. Foi aqui que o Lélio, o fantasma do finado marido da Miriam, veio falar comigo.

— Vai atrás do lobisomem, é?

— Porra! — levei um susto e quase caí quando ele apareceu do nada. — não dá pra avisar quando chega, não? Vai entrando assim na casa dos outros?

— Achei que você já tava se acostumando comigo...

— Acostumei porra nenhuma! Pára de encher o saco! — gritava, bem mal-humorado.

— Nem pensar! E o nosso trato? — tínhamos combinado que eu ia descobrir o que aconteceu com ele antes da morrer e, em troca, ele ia me passar o caô pra pegar a viúva.

— Olha, até agora eu não peguei a Miriam, então não vejo a razão de te ajudar... — falava enquanto arrumava a gola da camisa.

— Bem, alguém tem que começar, né? Então vou te ajudar com o tal lobisomem...

— Dispenso, posso me virar sozinho.

— E quem te disse que você tem essa opção?

Mesmo contrariado, não consegui fugir do mala do além. Pelo menos ele ficou na dele, sem atrapalhar. Peguei o ônibus e desci na Avenida Atlântida. Fiquei circulando pela orla, pra ver se conseguia alguma coisa. Até que, no calçadão, encontrei com o Rodolfo.

— Almeidinha, sabia que ia te encontrar por aqui! — ele tinha o sorriso mais cínico do mundo no rosto. Nem tentei argumentar, botei a mão no bolso e paguei as 20 pratas dele.

— Agora tô entendendo o motivo de você ter me indicado pra Laura...

— Você sempre foi esperto! — ele falava ainda com o sorriso cretino na cara, o que foi me deixando puto. Mas não podia fazer nada, pois ele era um negro alto e forte pra cacete e, mesmo à paisana como estava, ainda assustava.

— Aliás, o mesmo posso falar de você. Um policial indicando um detetive pra uma puta? Achava que vocês tinham que prendê-las...

— Que isso, Almeidinha? Ser puta não é crime, não. Só ser cafetão, me admira você não saber disso!

— Tá, tá! Vamos atravessar o sinal, quero beber uma cerveja enquanto essa droga de lobisomem não aparece!

Sentamos num bar que estava cheio de gringos. O Lélio ficou em pé na porta, enquanto estávamos numa mesa do lado de fora.

Logo chegaram uns caras com pandeiros, cuícas e o diabo a quatro, cantando uns pagodes do tipo dor-de-corno bem desafinados, fazendo uma zorra pros gringos, que já estavam todos bêbados e começaram a dançar — se é que se pode chamar de dança um bando de gordo falando arrastado e balançando as banhas pra lá e pra cá, enquanto bebem mais um gole de caipirinha. Foi então que ouvimos um grito de mulher, bem assustador.

Eu e o Rodolfo saímos correndo, com o dono do bar nos xingando enquanto tentava nos alcançar. Quando chegamos, em plena praia de Copacabana, um lobisomem atacava uma pobre prostituta.

A gritaria era geral, tinha gente fugindo pra tudo quanto era lado, muitas rezavam em voz alta, outros diziam que era o fim do mundo, um verdadeiro pandemônio. Mas o monstro não estava nem aí, e continuava por cima da mulher, tentando mordê-la, e ela, com um tremendo esforço, conseguia segurar a boca do bicho.

— Vai lá, Rodolfo! Vai ficar parado?

— Eu?! Você é que entende de sobrenatural!

— Porra, Rodolfo, um negão como você se cagando por causa de um bichinho desses?

— Bichinho é o caralho! Esse lobo é enorme!

Ele estava coberto de razão, era realmente muito grande: por volta de quase dois metros, com os pêlos de cor marrom, e uma boca com dentes muito afiados. O problema é que ele estava atacando a mulher, e ninguém fazia nada. Até que o Lélio apareceu e gritou:

— Vocês vão deixar a mulher morrer!

Como só eu ouvi, me bateu uma coragem e parti pra cima do bicho! Pulei no desgraçado, que se irritou, se esqueceu da mulher, e foi me atacar. Eu caí no chão, e o lobisomem vinha com tudo pra cima de mim. Nós nos atracamos no chão, e eu achei que ia morrer ali mesmo. Foi aí que a anta do Rodolfo pegou uma arma e deu 3 tiros na nossa direção. Quando levantei, todo arranhado, senti uma pontada, e percebi que tinha sido atingido.

— Rodolfo! Você acertou a minha bunda, caralho! — gritava meio com raiva, meio humilhado. — Se tava armado, por que não atirou antes?

— Mas eu matei o bicho! Matei sim! — ele gritava alegre, se sentindo um grande herói.

Realmente, o lobisomem estava estirado no chão, todo ensangüentado, com um tiro na cabeça e outro numa das patas. A mulher estava toda ensangüentada também, em estado de choque.

O lobisomem começou a voltar à sua forma humana. Era um homem de vinte e poucos anos, branco, cabelos negros, um pouco gordinho. E como vim a saber depois, era filho de um deputado federal.

Estava no hospital quando soube dessa ótima notícia. Quem me contou foi o Rodolfo, que tava desesperado com a possibilidade de levar um processo e perder a farda.

— Como eu ia saber que era filho do Nei Penteando? Almeidinha, to ferrado, você tem que me ajudar! O filho do deputado tá em coma, entrevado, não sei se volta a levantar algum dia...

— Até gostaria de ajudar, mas graças a você eu tô deitado de bruços nessa cama de hospital...

— Não reclama! Pelo menos você ganhou sua grana, e resolveu mais um caso! Vai poder tirar onda! — ele gritava segurando o choro. Mas eu fiquei realmente puto, e berrei de volta.

— Resolvi o caso? Eu não sei por que ele virava lobisomem, o cara quase morreu e eu ainda levei um tiro na bunda e tô de molho no hospital! Realmente, a vida é maravilhosa, eu devia estar sorrindo agora!

— Desculpa, cara! Desculpa mesmo... — aí ele desabou a chorar, e tive que acalmar o coitado.

— Não chora, cara. Deixa eu sair daqui que dou um jeito nisso.

Dias depois, saí do hospital, e realmente fui ajudar o Rodolfo. Fui num cybercafé e pesquisei na internet sobre o deputado. Era um médico que entrou para a política, e sempre falava em melhorar a saúde e esses discursos que já estamos cansados de escutar. Tudo ia bem, até meio monótono. Mas descobri que, coincidentemente, ele sempre brigou pelos mesmos interesses que a Chemosh, no Congresso.

Quando cheguei no escritório, encontrei o Lélio coçando o saco.

— Fantasma também tem coceira, é?

— Velhos hábitos, amigo. Não se perdem tão fácil.

— Sei. Descobri quem é o tal de Nei Penteado. Parece que ele era meio chegado com seus antigos patrões.

— Rolava um boato na empresa que ela patrocinava vários políticos brasileiros, tudo com caixa 2. Vai ver esse Nei é um deles.

— Caixa 2, né? É provável. Bem, pelo menos pode ser que eu acabe te ajudando com esse caso. Só espero que o filho do deputado sobreviva.

Subitamente, o Lélio ficou parado, olhando pro nada. Depois de um tempo, comecei a ficar nervoso e gritei o nome dele.

— Lélio! Lélio! O que houve, cara?

— Hã... Que houve? — ele falou, como se estivesse despertando.

— Você ficou aí olhando pra parede, igual a um retardado...

— Não sei... De repente, comecei a me lembrar de ter conhecido esse Nei Penteado... Mas não consigo visualizar direito o que realmente aconteceu...

Nesse momento, senti um arrepio na espinha, e tive a intuição de que ia acabar me dando mal nessa história.


A seguir: Caçadores de saci.




 
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