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Por
Alexandre Mandarino
Purple
Haze
O vento gélido
levantava uma nuvem de poeira cor-de-rosa, que envolvia os cinco
homens enquanto caminhavam pelo planetóide. O grupo parecia
realizar aquela tarefa aparentemente ridícula com um cuidado
extremado e quase patético. Cada passo era recheado de
olhares para os lados, conversas monossilabicamente sussurradas.
Depois de caminharem por cerca de quinhentos metros pela savana
rosa, o que aparentava ser o líder parou e levantou o braço
esquerdo.
Parem. E mantenham silêncio completo. Vislumbro uma construção
mais à frente. Esperem aqui um instante enquanto me aproximo
mais alguns passos e verifico se é o refúgio do
alvo.
Enquanto ele desaparecia no fog colorido, o quarteto remanescente
permaneceu em extremo silêncio. Irrequietos, pareciam crianças
esperando o pai que havia saído para verificar que barulho
estranho era aquele do lado de fora da casa. A respiração
abafada do grupo era suplantada somente pelo uivar do vento e
pelo irritante estalar dos dedos do engenheiro-assistente. Após
intermináveis minutos, ouviu-se o crepitar do que parecia
ser um galho quebrando. Passos se ouviram e o quarteto sacou rapidamente
de suas pistolas de laser.
Guardem isso, seus idiotas! Sou eu! disse o engenheiro-chefe,
que retornava de sua curta missão de reconhecimento.
E... e então? perguntou o nervoso engenheiro-assistente.
Este é o lendário refúgio da fera?
As cabeças cortadas ao longo do terreno e o terrível
mau cheiro de sangue, carne apodrecida, urina e cerveja indicam
que sim.
Mas então devemos... desesperou-se o assistente.
Acalme-se! ordenou o líder. Aparentemente, a criatura
não está em seu habitat. Podemos entrar no refúgio
e tentar capturar os indícios de que tanto precisamos.
... entrar... no refúgio?...
Você está louco? protestou um dos homens.
Devo lembrar-lhe, engenheiro 714, que está falando com
seu superior imediato? sussurrou com desprezo o engenheiro-chefe.
Perdão, milorde. aquiesceu o homem, que tremia a olhos
vistos.
O engenheiro-chefe prosseguiu.
Nossa estratégia é a seguinte: entraremos no refúgio
e procuraremos qualquer pista que nos indique a atual localização
da fera. Ela não é vista há exatos 44 ciclos
andromedares.
Talvez tenha morrido...
A frase do assistente foi seguida por olhares de escárnio
e descrença.
Chega de bobagem. Vamos!
O grupo parou novamente em frente a uma construção
de médio porte, feita em aço oxidado. Portas e janelas
estavam abertas e batiam levemente com o vento frio. Cuidadosamente,
o quinteto entrou no cômodo principal. O fedor os obrigou
a tapar os narizes com a barra das mangas ou lenços.
Esta é certamente a grota do demônio! bradou
o assistente.
Pssssss! Silêncio!
Cuidadosamente, os homens vasculharam todo o local, tentando não
perturbar a completa desordem dos objetos e móveis. Garrafas
de Conundrum Virulento vazias se empilhavam em um canto; baratas
mogadícias caminhavam ruidosamente sobre suas 19 patas.
Nada.
Parece que foi uma jornada em vão, disse o assistente.
Duas horas de busca e nada.
Sim..., respondeu o líder. E não é seguro
permanecermos mais tempo por aqui.
Saíram da casa de metal aturdidos e um tanto deprimidos.
Aquela era a última chance de encontrarem uma pista do
paradeiro da criatura antes de apelar para os serviços
de Tarodéqui, o engenheiro-mago. O ambiente de falta de
esperança e a sensação de jornada perdida
foram interrompidos por estranhos movimentos na neblina rosa.
O vento, estranhamente, parecia mudar de direção
a cada segundo, provocando pequenos tornados de poeira. Assustados,
dois dos homens sacaram suas armas.
Será que..., sussurrou o assistente.
Subitamente, guinchos estridentes e agudos se fizeram ouvir por
toda a savana. O ruído se aproximava cada vez mais do bando,
à medida em que os rodamoinhos se tornavam mais fortes
e próximos. O assistente gritou:
A fera voltou para casa! Atirem!
Uma sinfonia de disparos laser se fez ouvir, disputando com os
gritos histéricos do engenheiro-chefe: Seus idiotas!
O que estão fazendo?? Parem! Vocês vão nos
condenar a todos!
Aterrorizados e em frenesi, os quatro subordinados mantiveram
o fogo na direção de onde vinham os ruídos
da criatura que parecia estar provocando os rodamoinhos. Depois
de cinco minutos de disparos ininterruptos, o som dos tiros foi
substituído pelo ruído de estalar de dedos, característico
de pistolas laser descarregadas.
Somente o vento novamente se fez ouvir na savana.
Os homens aguardaram pelo pior. O silêncio total pareceu
acalmá-los por alguns instantes, até que o guincho
agudo retornou, mais forte do que antes. O vento voltou novamente
a mudar de direção sucessivamente, mas desta vez
eles pareciam estar no centro do rodamoinho. A névoa rosa
aos poucos foi esvanecendo, até que diversas formas cilíndricas
foram vistas em meio à poeira.
O que são essas coisas? berrou o engenheiro 216.
Seus idiotas! Vejam o que fizeram com seu pânico! disse
o engenheiro-chefe.
Do fundo da savana, eles vieram. Destacando-se cada vez mais em
meio à neblina colorida, eles pareciam camaleões
voadores, amalgamando-se à perfeição com
a poeira. À medida que voavam, a rapidez e força
graciosa de suas trajetórias espalhavam o fog, provocando
pequenos tornados. As criaturas se aproximavam cada vez mais do
bando, guinchando e nadando em seu frenético balé
voador. Quando estavam a dois metros de distância do grupo
de exploradores, os seres começaram a rodear os cientistas.
Os golfinhos cor-de-rosa pareciam querer brincar com os homens
que, minutos antes, haviam atirado contra eles. Aturdidos, os
engenheiros se posicionaram imóveis, protegendo o rosto
com o antebraço. O cardume rodopiou, emitindo agudos altíssimos,
durante cerca de dez minutos. Subitamente, afastaram-se nadando
sobre a neblina, levando a poeira com o vácuo de sua partida.
O engenheiro-chefe olhou com raiva e desaprovação
para seus subordinados. Então, caminhou alguns metros na
direção de onde tinham vindo os golfinhos. Após
olhar em volta por alguns instantes, ele parou, fitando um ponto
no chão. Levou instintivamente a mão à boca,
em espanto. E deixou escapar:
V-vejam! Seus idiotas! Descerebrados! Vejam o que fizeram! De
que adiantou todo o tempo e dinheiro gastos em seu treinamento?
Vocês são inúteis!
O grupo se aproximou e viu dois corpos cor-de-rosa. O que minutos
atrás eram dois golfinhos agora se resumiam a massas disformes
e ensangüentadas, levadas ao chão pela ação
de inúmeros disparos laser.
M-m-m-m-m-assenhorpensamosquefosseacriaturaentãodisparamosnossasarmascomonotreinamento...
acelerou o engenheiro 111.
Como no treinamento? gritou roucamente o líder. Se
fosse a criatura, vocês não teriam conseguido
matá-la com estas pistolas laser ridículas, seus
idiotas! Nós não viemos aqui para matar a criatura!
Vamos fazer isso mais tarde! Viemos até este maldito planetóide
somente para aprender mais sobre o monstro e descobrir onde ele
está! Agora vejam o que fizeram!
Um silêncio mortal se abateu sobre o apatetado grupo, enquanto
observavam os dois animais mutilados.
... o que vamos fazer agora? murmurou o engenheiro 714.
Nós devemos avisar o engenheiro-mago disse o assistente.
Não, precisamos pedir a ajuda do grupo paramilitar tentou
outro.
Não, nós devemos... o que devemos fazer, engenheiro-chefe?
perguntou 111.
O líder levantou a sobrancelha.
Digo-lhes somente isso: graças à covardia e falta
de preparo de vocês, nossas catacumbas estão agora
semi-abertas. Não há nada que os paramilitares ou
o Mago possam fazer. Só nos resta fazer o que todos nós
temíamos e tentávamos evitar: caçar sem piedade
a criatura, até acabarmos com nosso algoz antes que ele
nos mate.
Isso quer dizer que..., antecipou o assistente.
Sim. Estamos fodidos.

Seus olhos se abriram
e piscaram pela primeira vez em centésimos de segundos.
Luz e sombra se mesclaram, repetindo por todo o universo o eco
de uma emulação de yin e yang. A Eternidade
se levantou.
Como que antevendo os movimentos precisos da(o) grande senhor(a)
da contra-linearidade, um ser de cores ofuscantes e mutantes se
posicionou à sua frente (ou seria às suas costas?;
ou na verdade ele estaria ajoelhado ao seu flanco?).
Intermediário. Você está aqui.
Sim, grande senhor(a). Mas isso não o(a) surpreende.
Claro que não. Se não estivesse aqui, onde mais
poderia estar?
Como sempre, sua voz-pensamento emana a verdade. Em que posso
servi-lo(a), meu(inha) senhor(a)?
Há este ser. Ele tem feito uma de minhas faces amanhecer
mais cedo.
Quem? perguntou o Intermediário.
Este ser. Ele tem matado e caçado por todo o cosmo há
mais tempo do que seria necessário. Sua ânsia por
carnificina tem despertado a balança dentro de meu ser,
forçando um dos pratos demasiadamente para um dos lados.
Nada deveria pender tanto.
Mas nem mesmo a fome planetária do Devorador lhe causou
isto, grande (d)ama(o).
Sim. Ainda que este ser, assim como o Devorador, seja uma de
minhas forças primitivas, ele tem... provocado distorções.
Quer que faça o que eu prevejo?
Sim.

O grupo caminhou
pela neblina rosácea até a nave-gen. A porta se
abriu, explodindo perdigotos sobre as faces desesperançadas
do quinteto. Todos se sentaram em seus lugares. Ao contrário
do que sempre acontecia, não partiram imediatamente. Permaneceram
em seus lugares, perdidos em pensamentos.
Finalmente, o engenheiro-chefe disse:
Assistente, dê início às manobras de acoplagem
ao éter.
A nave-gen mugiu e expeliu flatulências, propulsionando-se
para fora da pequena atmosfera do planetóide.
Para onde agora, meu senhor? perguntou o assistente.
... vamos para... 216, o que você sugere? Você foi
o único de nós que já encontrou pessoalmente
a criatura disse o líder.
Bem, senhor... Visto que não nos adiantará de
nada nos esconder... creio que o melhor é anteciparmos
nossa caçada e abatermos já o monstro. O mais aconselhado
seria uma busca pelas bibocas e botequins galácticos.
O monstro tem estado desaparecido, mas como não encontramos
nada em seu fétido lar, é só o que nos resta
fazer... concordou o engenheiro-chefe. Pois bem, que assim
seja. Não fugiremos. Que essa investigação
se transforme de vez em caçada. Teremos o DNA do estrume
que se chama Lobo ou não somos honrados para pertencer
ao G.E.N.O.M.A. (Geneticistas Especializados em Numerar
e Obsedar Monstros Alienígenas)!

O que disse,
caro arauto? falou o Devorador, proferindo palavras pela
primeira vez em semanas.
O arauto aproximou-se de seu mestre, olhando para o gigante púrpura
enquanto deixava um rastro pútrido por onde pisava.
Iço mermo, seu Devoradô, eu vi o cara vindo
pra cá. Ele deve de tá indo lá pra Eternidade,
que é pra mode resolvê aquele sirvicinho lá.
Se o que dizes é verdade, Coprofax, devemos nos
preparar.
:: Notas do Autor
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