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Por
Alexandre Mandarino
Da
Red Evil
O cheiro de benjoim(*)
exalado pelos incontáveis bastões de incenso pareciam
tomar todo o Bowery. Babando, o enorme demônio vermelho
avançou sobre Murdock, com o tridente em punho.
Da Red Evil! Da Red Evil! bradava o monstro musculoso, exalando
um cheiro de percevejo.
O serial killer arremessou o tridente na direção
do herói cego. Saltando sobre o arpão de três
pontas, o Demolidor escapou por pouco de ser empalado. O tridente
se chocou contra a parede e suas pontas se cravaram na imagem
satânica que adornava o altar.
Você é vermelho! Comunistazinho de merda! Você
deve pagar pelos seus pecados! O Demônio salve a América!
O ancinho balançava
na mão do velho bêbado. Em uma tentativa desesperada
de escapar, George correu e tentou passar pela porta do quarto.
Em um gesto contorcido, o velho tentou pegá-lo com os braços.
Mas o álcool havia transbordado em seu cérebro e
ele tropeçou. George continuou correndo e saiu para o quintal.
A brisa fresca parecia se espalhar por toda a região. Duas
horas se passaram até que o menino tivesse coragem de sair
do chiqueiro.
O aroma insuportável de esterco gerou uma coragem insuspeitada.
George caminhou delicadamente até a casa principal da fazenda.
Silêncio. A essa altura, seu pai já devia ter caído
de bêbado.
Mas não era whisky vagabundo o líquido que escorria
pela soleira do quarto.
Empalado em seu ancinho, o velho Smith parecia um móbile,
comprado especialmente para fazer companhia ao cadáver
putrefato da mulher no outro canto do cômodo. Naquele momento,
os olhos de George Washington Smith enegreceram para sempre.
Duas semanas depois, o xerife Everett recebia em seu escritório
um menino desidratado, que repetia sem cessar: "Eu sou o
pentagrama".
O policial Johnson
havia estado nos tumultos de Los Angeles, onde viu um homem negro
ser espancado por três entregadores de pizza coreanos até
a morte, sem poder fazer nada. O cúmulo da tolice foi achar
que um lugar chamado Cozinha do Inferno poderia oferecer cenários
melhores. Há meia hora, ele e os homens da patrulha tentavam
em vão controlar a balbúrdia. Franco-atiradores
acertavam pedestres a esmo pelas calçadas. Dos telhados,
as balas não apresentavam preconceito. Brancos e negros,
comerciantes e empregados, homens e mulheres, velhos e crianças,
todos tombavam ao eco inclemente do esquadrão de atiradores.
Há cinco minutos, miolos haviam saído de um mendigo
e pousado como orégano sobre a lapela de Johnson. Ele estava
finalmente conhecendo o terror. Onde estava o homem sem medo?
No alto de um dos telhados, Red Papa bradava em um megafone suas
assíncronas frases de efeito.
Hoje é o dia do demônio comer carne crua em sua
Cozinha! Vamos mostrar que ninguém pode espoliar o povo
por muito tempo! Morte aos fascistas! Poder para o povo!
No solo, os desesperados e párias atacavam os moradores
do bairro com bastões de beisebol, espingardas, revólveres,
facas e o que mais estivesse a mão. Lojas eram depredadas
e saqueadas. Os poucos que ainda estavam nas ruas corriam em desespero.
Os reforços da polícia não chegavam. Johnson
estava começando a perder o controle. Pela primeira vez
em sua vida, rezou para que um demônio aparecesse.
Escritório
da Recuperações e Arranjos, Ltda. Jack Zocatelli
sentiu um arrepio quando o telefone tocou. Arrastando sua gordura
até a sala de comunicações, o ex-pizzaiolo
respondeu com voz trêmula:
Sim, senhor H. Pode falar.
Jack, Jack... Zaran encontrou um dos heróis locais em
sua última investida. Combinamos que isso não poderia
acontecer.
S-sim, senhor. Eu sei. Mas não há de ser um problema.
A missão foi cumprida com sucesso. O mestre armeiro certamente
já deve ter lhe entregue o envelope, certo?
Sim, tenho os documentos. Mas ele me contou que deixou cair
um cartão com o endereço deste entreposto comandado
por você. Melhor reunir suas trouxas e cair fora daí.
J-já estamos trabalhando nisso, senhor H. Em menos de
trinta minutos, os homens terão esvaziado o lugar.
Não deixe pistas, Jack.
Claro, senhor.
Outra coisa: como vai o caso Fiona Lions?
Bem, senhor. O amigo do advogado Franklin Nelson continua perdido.
Se a senhorita Lions mantiver as acusações, não
haverá defesa que dê jeito.
Sim. Então, Nelson terá que vir comer em minha
mão. E fará o que pedirmos contra a empresa que
representa, as Corporações Mecha.
O bastão ricocheteou
pelo quarto, acertando duas vezes a cabeça de Washington.
O assassino urrou. A coisa estava feia. Matt já o havia
acertado repetidas vezes e o homem mal cambaleava. Para piorar
tudo, o benjoim impregnava o ambiente, atrapalhando a eficácia
de seu sentido de radar.
Você macula a santidade de Asmodeus trajando isso, comunistazinho.
Você vai morrer pelo mal vermelho! berrava o serial killer.
Matt rodopiou no ar e, guiando-se pela voz de George, acertou
um pontapé em seu queixo. O assassino gargalhou e gargarejou
com o próprio sangue. Matt teve uma sensação
não de todo nova de que deveria estar atacando a causa,
o sistema que criava esses monstros. Até quando iria apenas
reagir às loucuras?
Natasha Romanoff
chegou à Cozinha do Inferno e não acreditou em seus
olhos. A região estava tomada pelo terror e os moradores
tombavam sem nem saber o motivo. No telhado do edifício
mais alto, Red Papa comandava seus seguidores aos gritos de "Divisão!"
Os policiais presentes eram poucos para dominar a situação.
Onde estava Matt?
O monstro rosnou
e arremessou o próprio altar contra Murdock. Estátuas
de argila acertaram a perna direita do herói cego, que
sentiu seus nervos formigarem. A luta ia mal. Em um ato desesperado,
Matt ativou o disparador em seu segundo bastão e enrolou
o maníaco em seu cabo de aço. Rosnando, em uma cena
estarrecedora, o assassino usou a força anormal provocada
pelo Pó dos Anjos e, fazendo seus antebraços ralarem
e sangrarem, arrebentou o cabo. Matt começou a temer pelo
pior.
Antes que pudesse
chegar ao topo do edifício onde estava Red Papa, a Viúva
Negra ouviu o barulho de freadas de automóvel. Olhou para
a rua e uma dezena de carros com vidros enegrecidos paravam. De
dentro deles, homens de terno saíam, carregando pistolas
automáticas e metralhadoras. Para o bem e para o mal, o
Rei do Crime havia chegado para ajudar. O cenário dantesco
transformava os pedestres em moscas, que tombavam ante o tiroteio
generalizado. Os homens de Red Papa se jogavam sem proteção
contra os gângsteres, usando uns aos outros como escudos.
Natasha apontou o braço para uma antena no topo do prédio
onde estava Red Papa e, de seu bracelete dourado, saltou um grosso
cabo de nylon. Quando pulou para erguer-se até o telhado
do edifício, o franco-atirador que estava ao lado de Red
Papa mirou em sua direção. A mira telescópica
e os anos de experiência como veterano no Vietnã
fizeram o velho acertar o fio de nylon, que se rompeu. No mesmo
instante, a Viúva rodopiou e, usando seu treinamento como
a espiã mais mortal do planeta, caiu na sacada de um apartamento,
três andares abaixo.
Com as costas doloridas, a ex-agente soviética se levantou
e amaldiçoou a sorte.
Onde estão os Vingadores?
Levou as mãos ao cinto e procurou pelo comunicartão.
A equipe inteira precisava chegar à Cozinha do Inferno
o quanto antes. Mas tudo o que encontrou foi pedaços de
plástico quebrado.
Pelo silêncio,
a velha igreja finalmente estava vazia. Ben Urich pegou o medalhão
de jade com o símbolo da Hidra e forçou-o na porta
enferrujada do porão. Segurando o isqueiro Zippo com a
boca, tentava iluminar as dobradiças da porta sem se queimar.
George usou o que
restava do cabo de aço para chicotear Murdock, atingindo
suas costas e braço direito com violência. O demônio
começou a sentir os objetos rodopiarem ao seu redor. Naquele
momento de desespero, seus sentidos hiperdesenvolvidos se ergueram
como um clique em sua cabeça: ao longe, gritos,
tiros de automáticas e metralhadoras podiam ser ouvidos;
e tudo vinha da direção da... Cozinha do Inferno.
Surpreso, Matt ganhou nova força, vinda do desespero e
da angústia causada por aqueles sons. Algo atormentava
o bairro onde havia crescido e que havia jurado proteger. Um demônio
cairia naquele momento e não seria ele. Usando o que restava
de suas forças, canalizou seus melhores golpes contra George.
O mal vermelho, pela primeira vez, demonstrava estar grogue. Um
soco, seguido de um golpe com as palmas das mãos, levou
o assassino ao chão. Sem desperdiçar aquela chance
inédita, o Demolidor arremessou seu bastão, que
acertou em cehio o serial killer. Em seguida, em um gesto
alucinado, jogou sobre George a estátua de Asmodeus. O
resultado foi melhor que o esperado: dois demônios haviam
tombado.
Após ligar para a polícia, alertando que o serial
killer que havia atormentado a cidade poderia ser encontrado
em um quarto imundo no Bowery, Matt amarrou fortemente o assassino
com os pedaços partidos de seu cabo de aço. Quando
George recobrasse a consciência, os efeitos psicotrópicos
do Pó dos Anjos certamente já teriam passado. Com
sua força normal, o psicopata nunca conseguiria romper
as amarras.
Infelizmente, sem seu segundo bastão, Matt era
incapaz de se balançar pelos prédios. Teria que
correr a toda velocidade pelos telhados até chegar à
Cozinha do Inferno.
Natasha Romanoff
saiu da sacada e entrou no prédio abandonado. Chegou rapidamente
às escadas e começou a galgar os degraus na direção
do telhado, para se defrontar com o estranho homem que parecia
ser o chefe da seita. Assim que passou pela porta de acesso ao
terraço, Red Papa ouviu seus passos. O franco-atirador
se voltou, mas antes que pudesse atacar, foi atordoado por uma
rajada bioelétrica disparada dos braceletes da espiã.
Você é o responsável por esta carnificina?
disse a Viúva Negra.
Sim. E você é a traidora do comunismo. Agora você
morrerá.
Ben Urich tossiu
e o isqueiro caiu no chão. Felizmente, não se apagou,
ou demoraria mais algum tempo para sair daquela cela escura. Pegando
novamente o Zippo, ele continuou a forçar a porta enferrujada
com o medalhão de jade. A caveira verde, símbolo
da Hidra, parecia sorrir para o repórter, debochando de
seus esforços para escapar.
"Dois quarteirões. Corra, Murdock. Um quarteirão.
Finalmente, a Cozinha do Inferno."
O choque provocado pelo que ouvia, cheirava e captava com seu
sentido de radar foi grande. Incontáveis corpos jaziam
nas ruas e calçadas do seu bairro. Cada vez mais convencido
de que estava usando as táticas erradas em sua luta (ela
nunca terminaria?), Matt escutou uma voz familiar. A três
prédios de distância, Natasha enfrentava um homem
musculoso. Pelas frases que captou, aquele era o líder
da chacina. Saltando sobre as vielas pegajosas que separavam os
cortiços, o Demolidor chegou até o local do confronto.
Chega foi a primeira fala do demônio ao voltar para
casa. Essa destruição termina agora.
Assustado, Red Papa deu meia volta e correu até a escada
de incêndio.
Nas ruas, os gângsteres
enviados por Wilson Fisk acertavam tanto os seguidores da seita
de Red Papa quanto pedestres, abatidos por balas perdidas. No
meio da confusão, Mongol e Cabecinha discutiam:
Mas. Cabecinha, neguinho que trai o Rei é detonado na
hora. Vamo ter que enfrentar esses caras.
Cala a boca, Mongol. Vai por mim, cara. Vamo ficar aqui no beco
mesmo. Deixa essa parada acabar e a gente vasa de volta pra casa,
sem complicar a história toda.
Escondidos em um
terreno baldio, atrás de uma pista de skate de madeira,
os adolescentes da gangue conhecida como Fatboys tentavam
não tremer de medo. Eightball confortava sua namorada Darla:
A gente tem que ficar calmo. Daqui a pouco o Demolidor
tira a gente dessa.
Mas, Eightball, a gente nem sabe onde ele tá. E o Martin,
coitado? Foi morto daquele jeito horrível por esse assassino
serial. O cara era nosso amigo, Eightball, e tinha só nove
anos. A gente não tem chance, nunca teve. E nem vamos ter
morando nessa merda de gueto.
Naquele momento, Red Papa acabara de descer pela escada de incêndio,
vendo-se na lateral do terreno baldio. Avistando os skatistas,
correu até o grupo. Antes que todos pudessem fugir, agarrou
Eightball pelo pescoço. Retirando uma automática
da cintura, apontou-a para a cabeça do menino. Matt e Natasha,
que acabavam de chegar ao local, interromperam a perseguição.
Sequer pense em arranhar esse garoto e você vai ser tratado
como o animal que é, cretino disse um estranho Matt Murdock.
Mesmo sem hipersentidos, Natasha notou facilmente a mudança
de tom. Matt estava cada vez mais cansado.
Red Papa gargalhou levemente, com uma voz de mulher. Repentinamente,
ouviu-se um grito:
Chega dessa loucura toda! Larga ele, seu monte de bosta! Darla
jogou seu skate na cabeça do maníaco. Era a chance
que Matt precisava. Aproveitando que Red Papa estava atordoado,
o Demolidor arremessou rapidamente seu bastão. A arma ricocheteou
em um poste de metal e acertou simetricamente a parte central
da testa do "líder dos excluídos". O sangue
saiu de sua fronte e molhou o que restava de um muro de tijolos.
Aliviado, Eightball não pôde deixar de notar a mancha
vermelha na parede e imediatamente ter uma idéia para um
novo grafite.
Com a fuga dos Fatboys, Red Papa se viu ferido e sem reféns.
Matt e Viúva correram em sua direção, mas
um enorme estrondo se fez ouvir. O tiroteio havia atingido uma
tubulação de gás e um dos cortiços
estava em chamas. Gritos ecoavam do interior do prédio.
Vá atrás do animal disse Matt para a ex-namorada.
Enquanto a Viúva prosseguia na perseguição,
o demônio entrava nas chamas que deveriam ser seu habitat
natural. Nas ruas, os reforços policiais finalmente chegavam
ao local.
Só agora esses manés chegam? disse Eightball.
É a Cozinha do Inferno, cara. Os caras tão andando
pra gente opinou Mutha. Darla bufou e falou:
Lembra do Public Enemy, cara. 911 is a Joke. (**)
Os policiais controlaram o que restava da confusão. Os
membros da bizarra seita foram quase todos presos. Mais acostumados
a lidar com essa situação, os homens do Rei do Crime
fugiram em seus carros assim que ouviram as sirenes. Uma calma
relativa voltou a se impôr sobre a Cozinha do Inferno, com
exceção da fumaça, dos gritos distantes de
dor e desespero e de um homem que lutava contra o calor no interior
de um cortiço. Vigas desabavam ao lado de Matt e este temia
que o prédio inteiro viesse ao chão. No único
cômodo habitado do prédio em ruínas, ele ouviu
dois batimentos cardíacos. Um velho negro e seu cachorro
estavam abraçados em um canto. Saltando sobre as chamas,
o demônio pegou os dois nos braços e correu para
fora da construção. Os latidos do cão atordoavam
seus sentidos.
A porta finalmente
cedeu. Ben Urich abriu-a e correu escada acima. Mas, como em um
pesadelo, assim que chegou à nave da igreja abandonada,
viu Red Papa correndo em sua direção.
Venha cá, idiota. Bem na hora. disse o ex-agente da
Hidra. E, voltando-se para a Viúva Negra, que estava quase
o alcançando: Para trás, cadela traidora. Ou eu
quebro o pescoço desse merdinha.
Mal pronunciou essas palavras, um estranho ranger se fez ouvir.
Uma sombra sobre sua cabeça despertou a atenção
de Red Papa. Olhando para cima, ele viu uma enorme estátua
de mármore desabar em sua direção. Sentindo
os músculos afrouxarem ao redor de seu pescoço,
Urich soltou-se e correu como nunca, forçando seus pulmões
tomados pela nicotina. Mal o repórter do Clarim se afastou
e a estátua despencou sobre Red Papa, esmagando-o.
Você está bem, Urich? perguntou a Viúva.
Sim, apesar de tudo. Para quem já teve as costas trespassadas
pela adaga sai de uma assassina ninja, isso tudo é moleza.
Muito engraçado. Mas de que você está rindo?
Claro que você não percebeu a ironia. Afinal, é
atéia.
Do que diabos você está falando?
A estátua, Viúva. Santa Luzia. Protege os que
têm problemas de visão. Como os cegos.
Naquele momento, Matt entrava na igreja.
Aquele ali embaixo é o Red Papa? perguntou.
Sim. respondeu a Viúva. E ainda bem que você
não viu nada. Só o que me faltava era um demônio
acreditar em milagres.
Natasha levou Urich até uma ambulância que acabara
de chegar àquele quarteirão, para que o repórter
tomasse um calmante. Pensativo, Matt estava à distância,
'sentindo' a destruição. Desespero, intolerância,
racismo, pobreza, fome, crianças sofrendo. Esses eram os
inimigos. Metalóide, Homem-Sapo e seres similares eram
ameaças ridículas perto de todo esse cenário.
As dúvidas sobre sua luta cresciam cada vez mais e Matt
se surpreendeu por, naquele momento, estranhamente pensar na expressão
"advogado do diabo".
Seus pensamentos foram interrompidos por uma limusine, que parou
ao seu lado. O vidro fumê da porta traseira desceu e uma
cabeça gorda e careca surgiu, com uma cigarrilha cravada
em sua boca. O arremedo de abóbora de Halloween era Wilson
Fisk. Claro. Na ausência da polícia, o Rei do Crime
de toda Nova York havia enviado a sua "ajuda".
Por quê, Rei?
Gratidão disse Fisk, com ironia. Não poderia
suportar ver o bairro protegido pelo meu herói favorito
ir pelos ares. Uma mão lava a outra. Somente um cego não
veria isso, não acha?
"Até quando", pensou Matt. "Até quando
Fisk iria resistir em não revelar o segredo de sua identidade?".
Fisk continuou:
Esse homem, Red Papa, tinha um sonho: o fim da pobreza e da
desigualdade. Não é irônico? Ele queria libertar
os pobres da Cozinha do Inferno. Humpf. A única coisa que
quero da Cozinha do Inferno, demônio, é que ela continue
comprando minha cocaína, fumando meu crack, pagando minhas
mulheres. Para os pobres, Demolidor, os bandidos são mais
úteis que os sonhadores.
A limusine partiu, vagarosamente. Murdock tinha cada vez mais
certeza de que deveria mudar de métodos. "Você
tinha razão quando me fez prometer que não lutaria,
pai. Quão sábio um boxeador sem estudos pode ser?
Eu não devo lutar. Pelo menos, não essa luta. Essa
é a luta errada."
Na manhã seguinte, os jornais novaiorquinos estampavam
na primeira página duas manchetes: a explosão de
violência na Cozinha do Inferno e a esperada captura do
assassino serial que assolou Nova York. No Clarim Diário,
um artigo de Ben Urich narrava em primeira pessoa sua experiência
com Red Papa e a seita de fanáticos. Uma outra matéria
detalhava a infância de George Washington Smith. Os dois
vermelhos, Red Papa e Red Evil, foram tratados pela imprensa sensacionalista
como duas faces da mesma moeda. Murdock discordava. Os acontecimentos
recentes haviam alargado sua visão (ou assim ele pensava).
Um ex-agente da Hidra matando para erradicar a pobreza através
do choque e um menino violentado que se veste de demônio
para matar os "comunistas" não eram diferentes.
As diferenças não importavam. A culpa não
era da Hidra, não era de um velho alcoólatra, não
era do medo do "perigo vermelho" que havia reinado nos
anos 50. A culpa ia muito, muito mais alto e além do que
isso. E Matt estava cansado de enfrentar os efeitos e ignorar
as causas.
Uma semana depois, a Associação de Moradores da
Cozinha do Inferno e o Sindicato dos Policiais de Nova York receberam
dois gordos cheques, filantropicamente doados pela Fundação
Wayne, de Gotham City. Junto com os cheques, uma mensagem do próprio
milionário Bruce Wayne: "Com a promessa de um melhor
sistema de segurança para o Arkham".
Epílogo
Um
O telefone. Era novamente o Senhor H. Jack Zocatelli bufou e atendeu.
Sim, senhor H. Pode falar.
Zocatelli, nosso agente invadirá a sede novaiorquina
das Corporações Mecha dentro de três dias.
Ao contrário das outras empresas invadidas, os diretores
da Mecha sabem que nós estamos por trás desta série
de roubos de documentos. Mas preciso dos papéis que eles
possuem. A invasão não pode ser adiada. E, ao mesmo
tempo, preciso manter minha fachada de legalidade. A Mecha vai
retaliar. Em quatro dias, quero que aperte o cerco em torno de
Franklin Nelson. Faça a senhorita Lions engrossar as acusações
contra o amigo do advogado. Quero Nelson bem amarrado em nossa
coleira.
Sim, senhor H.
Epílogo
Dois
Algum local nos subterrâneos de Nova York. Um estranho cântico
começava, marcando o término da cerimônia.
Cinco homens balbuciavam frases sem sentido, tomados pelos efeitos
do haxixe. O que parecia ser um dos líderes disse:
Uma semana. Apenas mais uma semana e todos saberão quem
manda nesta cidade. Que a Maçã se prepare para o
Terror.
Uma turba de homens trajando túnicas vermelhas e estranhos
óculos de snowboard levantou os braços, gritando
em tons alterados:
Pela serpente dourada. Pelos jardins do Éden. Pelos eternos
Hashashins.
Epílogo
Três
Eightball estava em dúvida entre o colorjet vermelho e
o dourado. Optou pelos dois. Virou o skate que havia pertencido
a Martin Lubenski e ficou alguns segundos grafitando uma cruz
vermelha, ao lado de um Smiley dourado. Olhando para a lápide
daquele que havia sido seu amigo, fincou o skate na grama.
Skate or die, cara. Vê se te cuida.
O cérebro do menino de 12 anos tentava entender a morte.
Processá-la. Eightball não suspeitava que nunca
iria conseguir entendê-la.
:: Notas do Autor
* Bálsamo aromático, amarelo, extraído do
estoraque (arbusto ornamental, de origem asiática), utilizado
na fabricação de perfumes e em medicina.
** 911 é o número de emergência usado pelos
americanos para acionar a polícia ou o corpo de bombeiros.
911 is a joke (911 é uma piada) é o nome
de uma música do grupo de rap norte-americano Public
Enemy, notório por sua postura agressiva e polêmica
contra o racismo.
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