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Demolidor # 04

Por Alexandre Mandarino

Da Red Evil

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O cheiro de benjoim(*) exalado pelos incontáveis bastões de incenso pareciam tomar todo o Bowery. Babando, o enorme demônio vermelho avançou sobre Murdock, com o tridente em punho.

— Da Red Evil! Da Red Evil! — bradava o monstro musculoso, exalando um cheiro de percevejo.

O serial killer arremessou o tridente na direção do herói cego. Saltando sobre o arpão de três pontas, o Demolidor escapou por pouco de ser empalado. O tridente se chocou contra a parede e suas pontas se cravaram na imagem satânica que adornava o altar.

— Você é vermelho! Comunistazinho de merda! Você deve pagar pelos seus pecados! O Demônio salve a América!

O ancinho balançava na mão do velho bêbado. Em uma tentativa desesperada de escapar, George correu e tentou passar pela porta do quarto. Em um gesto contorcido, o velho tentou pegá-lo com os braços. Mas o álcool havia transbordado em seu cérebro e ele tropeçou. George continuou correndo e saiu para o quintal. A brisa fresca parecia se espalhar por toda a região. Duas horas se passaram até que o menino tivesse coragem de sair do chiqueiro.

O aroma insuportável de esterco gerou uma coragem insuspeitada. George caminhou delicadamente até a casa principal da fazenda. Silêncio. A essa altura, seu pai já devia ter caído de bêbado.

Mas não era whisky vagabundo o líquido que escorria pela soleira do quarto.

Empalado em seu ancinho, o velho Smith parecia um móbile, comprado especialmente para fazer companhia ao cadáver putrefato da mulher no outro canto do cômodo. Naquele momento, os olhos de George Washington Smith enegreceram para sempre.

Duas semanas depois, o xerife Everett recebia em seu escritório um menino desidratado, que repetia sem cessar: "Eu sou o pentagrama".

O policial Johnson havia estado nos tumultos de Los Angeles, onde viu um homem negro ser espancado por três entregadores de pizza coreanos até a morte, sem poder fazer nada. O cúmulo da tolice foi achar que um lugar chamado Cozinha do Inferno poderia oferecer cenários melhores. Há meia hora, ele e os homens da patrulha tentavam em vão controlar a balbúrdia. Franco-atiradores acertavam pedestres a esmo pelas calçadas. Dos telhados, as balas não apresentavam preconceito. Brancos e negros, comerciantes e empregados, homens e mulheres, velhos e crianças, todos tombavam ao eco inclemente do esquadrão de atiradores. Há cinco minutos, miolos haviam saído de um mendigo e pousado como orégano sobre a lapela de Johnson. Ele estava finalmente conhecendo o terror. Onde estava o homem sem medo?

No alto de um dos telhados, Red Papa bradava em um megafone suas assíncronas frases de efeito.

— Hoje é o dia do demônio comer carne crua em sua Cozinha! Vamos mostrar que ninguém pode espoliar o povo por muito tempo! Morte aos fascistas! Poder para o povo!

No solo, os desesperados e párias atacavam os moradores do bairro com bastões de beisebol, espingardas, revólveres, facas e o que mais estivesse a mão. Lojas eram depredadas e saqueadas. Os poucos que ainda estavam nas ruas corriam em desespero. Os reforços da polícia não chegavam. Johnson estava começando a perder o controle. Pela primeira vez em sua vida, rezou para que um demônio aparecesse.

Escritório da Recuperações e Arranjos, Ltda. Jack Zocatelli sentiu um arrepio quando o telefone tocou. Arrastando sua gordura até a sala de comunicações, o ex-pizzaiolo respondeu com voz trêmula:

— Sim, senhor H. Pode falar.

— Jack, Jack... Zaran encontrou um dos heróis locais em sua última investida. Combinamos que isso não poderia acontecer.

— S-sim, senhor. Eu sei. Mas não há de ser um problema. A missão foi cumprida com sucesso. O mestre armeiro certamente já deve ter lhe entregue o envelope, certo?

— Sim, tenho os documentos. Mas ele me contou que deixou cair um cartão com o endereço deste entreposto comandado por você. Melhor reunir suas trouxas e cair fora daí.

— J-já estamos trabalhando nisso, senhor H. Em menos de trinta minutos, os homens terão esvaziado o lugar.

— Não deixe pistas, Jack.

— Claro, senhor.

— Outra coisa: como vai o caso Fiona Lions?

— Bem, senhor. O amigo do advogado Franklin Nelson continua perdido. Se a senhorita Lions mantiver as acusações, não haverá defesa que dê jeito.

— Sim. Então, Nelson terá que vir comer em minha mão. E fará o que pedirmos contra a empresa que representa, as Corporações Mecha.

O bastão ricocheteou pelo quarto, acertando duas vezes a cabeça de Washington. O assassino urrou. A coisa estava feia. Matt já o havia acertado repetidas vezes e o homem mal cambaleava. Para piorar tudo, o benjoim impregnava o ambiente, atrapalhando a eficácia de seu sentido de radar.

— Você macula a santidade de Asmodeus trajando isso, comunistazinho. Você vai morrer pelo mal vermelho! — berrava o serial killer.

Matt rodopiou no ar e, guiando-se pela voz de George, acertou um pontapé em seu queixo. O assassino gargalhou e gargarejou com o próprio sangue. Matt teve uma sensação — não de todo nova — de que deveria estar atacando a causa, o sistema que criava esses monstros. Até quando iria apenas reagir às loucuras?

Natasha Romanoff chegou à Cozinha do Inferno e não acreditou em seus olhos. A região estava tomada pelo terror e os moradores tombavam sem nem saber o motivo. No telhado do edifício mais alto, Red Papa comandava seus seguidores aos gritos de "Divisão!" Os policiais presentes eram poucos para dominar a situação. Onde estava Matt?

O monstro rosnou e arremessou o próprio altar contra Murdock. Estátuas de argila acertaram a perna direita do herói cego, que sentiu seus nervos formigarem. A luta ia mal. Em um ato desesperado, Matt ativou o disparador em seu segundo bastão e enrolou o maníaco em seu cabo de aço. Rosnando, em uma cena estarrecedora, o assassino usou a força anormal provocada pelo Pó dos Anjos e, fazendo seus antebraços ralarem e sangrarem, arrebentou o cabo. Matt começou a temer pelo pior.

Antes que pudesse chegar ao topo do edifício onde estava Red Papa, a Viúva Negra ouviu o barulho de freadas de automóvel. Olhou para a rua e uma dezena de carros com vidros enegrecidos paravam. De dentro deles, homens de terno saíam, carregando pistolas automáticas e metralhadoras. Para o bem e para o mal, o Rei do Crime havia chegado para ajudar. O cenário dantesco transformava os pedestres em moscas, que tombavam ante o tiroteio generalizado. Os homens de Red Papa se jogavam sem proteção contra os gângsteres, usando uns aos outros como escudos. Natasha apontou o braço para uma antena no topo do prédio onde estava Red Papa e, de seu bracelete dourado, saltou um grosso cabo de nylon. Quando pulou para erguer-se até o telhado do edifício, o franco-atirador que estava ao lado de Red Papa mirou em sua direção. A mira telescópica e os anos de experiência como veterano no Vietnã fizeram o velho acertar o fio de nylon, que se rompeu. No mesmo instante, a Viúva rodopiou e, usando seu treinamento como a espiã mais mortal do planeta, caiu na sacada de um apartamento, três andares abaixo.

Com as costas doloridas, a ex-agente soviética se levantou e amaldiçoou a sorte.

— Onde estão os Vingadores?

Levou as mãos ao cinto e procurou pelo comunicartão. A equipe inteira precisava chegar à Cozinha do Inferno o quanto antes. Mas tudo o que encontrou foi pedaços de plástico quebrado.

Pelo silêncio, a velha igreja finalmente estava vazia. Ben Urich pegou o medalhão de jade com o símbolo da Hidra e forçou-o na porta enferrujada do porão. Segurando o isqueiro Zippo com a boca, tentava iluminar as dobradiças da porta sem se queimar.

George usou o que restava do cabo de aço para chicotear Murdock, atingindo suas costas e braço direito com violência. O demônio começou a sentir os objetos rodopiarem ao seu redor. Naquele momento de desespero, seus sentidos hiperdesenvolvidos se ergueram como um clique em sua cabeça: ao longe, gritos, tiros de automáticas e metralhadoras podiam ser ouvidos; e tudo vinha da direção da... Cozinha do Inferno.

Surpreso, Matt ganhou nova força, vinda do desespero e da angústia causada por aqueles sons. Algo atormentava o bairro onde havia crescido e que havia jurado proteger. Um demônio cairia naquele momento e não seria ele. Usando o que restava de suas forças, canalizou seus melhores golpes contra George. O mal vermelho, pela primeira vez, demonstrava estar grogue. Um soco, seguido de um golpe com as palmas das mãos, levou o assassino ao chão. Sem desperdiçar aquela chance inédita, o Demolidor arremessou seu bastão, que acertou em cehio o serial killer. Em seguida, em um gesto alucinado, jogou sobre George a estátua de Asmodeus. O resultado foi melhor que o esperado: dois demônios haviam tombado.

Após ligar para a polícia, alertando que o serial killer que havia atormentado a cidade poderia ser encontrado em um quarto imundo no Bowery, Matt amarrou fortemente o assassino com os pedaços partidos de seu cabo de aço. Quando George recobrasse a consciência, os efeitos psicotrópicos do Pó dos Anjos certamente já teriam passado. Com sua força normal, o psicopata nunca conseguiria romper as amarras.

Infelizmente, sem seu segundo bastão, Matt era incapaz de se balançar pelos prédios. Teria que correr a toda velocidade pelos telhados até chegar à Cozinha do Inferno.

Natasha Romanoff saiu da sacada e entrou no prédio abandonado. Chegou rapidamente às escadas e começou a galgar os degraus na direção do telhado, para se defrontar com o estranho homem que parecia ser o chefe da seita. Assim que passou pela porta de acesso ao terraço, Red Papa ouviu seus passos. O franco-atirador se voltou, mas antes que pudesse atacar, foi atordoado por uma rajada bioelétrica disparada dos braceletes da espiã.

— Você é o responsável por esta carnificina? — disse a Viúva Negra.

— Sim. E você é a traidora do comunismo. Agora você morrerá.

Ben Urich tossiu e o isqueiro caiu no chão. Felizmente, não se apagou, ou demoraria mais algum tempo para sair daquela cela escura. Pegando novamente o Zippo, ele continuou a forçar a porta enferrujada com o medalhão de jade. A caveira verde, símbolo da Hidra, parecia sorrir para o repórter, debochando de seus esforços para escapar.

"Dois quarteirões. Corra, Murdock. Um quarteirão. Finalmente, a Cozinha do Inferno."

O choque provocado pelo que ouvia, cheirava e captava com seu sentido de radar foi grande. Incontáveis corpos jaziam nas ruas e calçadas do seu bairro. Cada vez mais convencido de que estava usando as táticas erradas em sua luta (ela nunca terminaria?), Matt escutou uma voz familiar. A três prédios de distância, Natasha enfrentava um homem musculoso. Pelas frases que captou, aquele era o líder da chacina. Saltando sobre as vielas pegajosas que separavam os cortiços, o Demolidor chegou até o local do confronto.

— Chega — foi a primeira fala do demônio ao voltar para casa. — Essa destruição termina agora.

Assustado, Red Papa deu meia volta e correu até a escada de incêndio.

Nas ruas, os gângsteres enviados por Wilson Fisk acertavam tanto os seguidores da seita de Red Papa quanto pedestres, abatidos por balas perdidas. No meio da confusão, Mongol e Cabecinha discutiam:

— Mas. Cabecinha, neguinho que trai o Rei é detonado na hora. Vamo ter que enfrentar esses caras.

— Cala a boca, Mongol. Vai por mim, cara. Vamo ficar aqui no beco mesmo. Deixa essa parada acabar e a gente vasa de volta pra casa, sem complicar a história toda.

Escondidos em um terreno baldio, atrás de uma pista de skate de madeira, os adolescentes da gangue conhecida como Fatboys tentavam não tremer de medo. Eightball confortava sua namorada Darla:

— A gente tem que ficar calmo. Daqui a pouco o Demolidor tira a gente dessa.

— Mas, Eightball, a gente nem sabe onde ele tá. E o Martin, coitado? Foi morto daquele jeito horrível por esse assassino serial. O cara era nosso amigo, Eightball, e tinha só nove anos. A gente não tem chance, nunca teve. E nem vamos ter morando nessa merda de gueto.

Naquele momento, Red Papa acabara de descer pela escada de incêndio, vendo-se na lateral do terreno baldio. Avistando os skatistas, correu até o grupo. Antes que todos pudessem fugir, agarrou Eightball pelo pescoço. Retirando uma automática da cintura, apontou-a para a cabeça do menino. Matt e Natasha, que acabavam de chegar ao local, interromperam a perseguição.

— Sequer pense em arranhar esse garoto e você vai ser tratado como o animal que é, cretino — disse um estranho Matt Murdock. Mesmo sem hipersentidos, Natasha notou facilmente a mudança de tom. Matt estava cada vez mais cansado.

Red Papa gargalhou levemente, com uma voz de mulher. Repentinamente, ouviu-se um grito:

— Chega dessa loucura toda! Larga ele, seu monte de bosta! — Darla jogou seu skate na cabeça do maníaco. Era a chance que Matt precisava. Aproveitando que Red Papa estava atordoado, o Demolidor arremessou rapidamente seu bastão. A arma ricocheteou em um poste de metal e acertou simetricamente a parte central da testa do "líder dos excluídos". O sangue saiu de sua fronte e molhou o que restava de um muro de tijolos. Aliviado, Eightball não pôde deixar de notar a mancha vermelha na parede e imediatamente ter uma idéia para um novo grafite.

Com a fuga dos Fatboys, Red Papa se viu ferido e sem reféns. Matt e Viúva correram em sua direção, mas um enorme estrondo se fez ouvir. O tiroteio havia atingido uma tubulação de gás e um dos cortiços estava em chamas. Gritos ecoavam do interior do prédio.

— Vá atrás do animal — disse Matt para a ex-namorada.

Enquanto a Viúva prosseguia na perseguição, o demônio entrava nas chamas que deveriam ser seu habitat natural. Nas ruas, os reforços policiais finalmente chegavam ao local.

— Só agora esses manés chegam? — disse Eightball.

— É a Cozinha do Inferno, cara. Os caras tão andando pra gente — opinou Mutha. Darla bufou e falou:

— Lembra do Public Enemy, cara. 911 is a Joke. (**)

Os policiais controlaram o que restava da confusão. Os membros da bizarra seita foram quase todos presos. Mais acostumados a lidar com essa situação, os homens do Rei do Crime fugiram em seus carros assim que ouviram as sirenes. Uma calma relativa voltou a se impôr sobre a Cozinha do Inferno, com exceção da fumaça, dos gritos distantes de dor e desespero e de um homem que lutava contra o calor no interior de um cortiço. Vigas desabavam ao lado de Matt e este temia que o prédio inteiro viesse ao chão. No único cômodo habitado do prédio em ruínas, ele ouviu dois batimentos cardíacos. Um velho negro e seu cachorro estavam abraçados em um canto. Saltando sobre as chamas, o demônio pegou os dois nos braços e correu para fora da construção. Os latidos do cão atordoavam seus sentidos.

A porta finalmente cedeu. Ben Urich abriu-a e correu escada acima. Mas, como em um pesadelo, assim que chegou à nave da igreja abandonada, viu Red Papa correndo em sua direção.

— Venha cá, idiota. Bem na hora. — disse o ex-agente da Hidra. E, voltando-se para a Viúva Negra, que estava quase o alcançando: — Para trás, cadela traidora. Ou eu quebro o pescoço desse merdinha.

Mal pronunciou essas palavras, um estranho ranger se fez ouvir. Uma sombra sobre sua cabeça despertou a atenção de Red Papa. Olhando para cima, ele viu uma enorme estátua de mármore desabar em sua direção. Sentindo os músculos afrouxarem ao redor de seu pescoço, Urich soltou-se e correu como nunca, forçando seus pulmões tomados pela nicotina. Mal o repórter do Clarim se afastou e a estátua despencou sobre Red Papa, esmagando-o.

— Você está bem, Urich? — perguntou a Viúva.

— Sim, apesar de tudo. Para quem já teve as costas trespassadas pela adaga sai de uma assassina ninja, isso tudo é moleza.

— Muito engraçado. Mas de que você está rindo?

— Claro que você não percebeu a ironia. Afinal, é atéia.

— Do que diabos você está falando?

— A estátua, Viúva. Santa Luzia. Protege os que têm problemas de visão. Como os cegos.

Naquele momento, Matt entrava na igreja.

— Aquele ali embaixo é o Red Papa? — perguntou.

— Sim. — respondeu a Viúva. E ainda bem que você não viu nada. Só o que me faltava era um demônio acreditar em milagres.

Natasha levou Urich até uma ambulância que acabara de chegar àquele quarteirão, para que o repórter tomasse um calmante. Pensativo, Matt estava à distância, 'sentindo' a destruição. Desespero, intolerância, racismo, pobreza, fome, crianças sofrendo. Esses eram os inimigos. Metalóide, Homem-Sapo e seres similares eram ameaças ridículas perto de todo esse cenário. As dúvidas sobre sua luta cresciam cada vez mais e Matt se surpreendeu por, naquele momento, estranhamente pensar na expressão "advogado do diabo".

Seus pensamentos foram interrompidos por uma limusine, que parou ao seu lado. O vidro fumê da porta traseira desceu e uma cabeça gorda e careca surgiu, com uma cigarrilha cravada em sua boca. O arremedo de abóbora de Halloween era Wilson Fisk. Claro. Na ausência da polícia, o Rei do Crime de toda Nova York havia enviado a sua "ajuda".

— Por quê, Rei?

— Gratidão — disse Fisk, com ironia. — Não poderia suportar ver o bairro protegido pelo meu herói favorito ir pelos ares. Uma mão lava a outra. Somente um cego não veria isso, não acha?

"Até quando", pensou Matt. "Até quando Fisk iria resistir em não revelar o segredo de sua identidade?".

Fisk continuou:

— Esse homem, Red Papa, tinha um sonho: o fim da pobreza e da desigualdade. Não é irônico? Ele queria libertar os pobres da Cozinha do Inferno. Humpf. A única coisa que quero da Cozinha do Inferno, demônio, é que ela continue comprando minha cocaína, fumando meu crack, pagando minhas mulheres. Para os pobres, Demolidor, os bandidos são mais úteis que os sonhadores.

A limusine partiu, vagarosamente. Murdock tinha cada vez mais certeza de que deveria mudar de métodos. "Você tinha razão quando me fez prometer que não lutaria, pai. Quão sábio um boxeador sem estudos pode ser? Eu não devo lutar. Pelo menos, não essa luta. Essa é a luta errada."

Na manhã seguinte, os jornais novaiorquinos estampavam na primeira página duas manchetes: a explosão de violência na Cozinha do Inferno e a esperada captura do assassino serial que assolou Nova York. No Clarim Diário, um artigo de Ben Urich narrava em primeira pessoa sua experiência com Red Papa e a seita de fanáticos. Uma outra matéria detalhava a infância de George Washington Smith. Os dois vermelhos, Red Papa e Red Evil, foram tratados pela imprensa sensacionalista como duas faces da mesma moeda. Murdock discordava. Os acontecimentos recentes haviam alargado sua visão (ou assim ele pensava). Um ex-agente da Hidra matando para erradicar a pobreza através do choque e um menino violentado que se veste de demônio para matar os "comunistas" não eram diferentes. As diferenças não importavam. A culpa não era da Hidra, não era de um velho alcoólatra, não era do medo do "perigo vermelho" que havia reinado nos anos 50. A culpa ia muito, muito mais alto e além do que isso. E Matt estava cansado de enfrentar os efeitos e ignorar as causas.

Uma semana depois, a Associação de Moradores da Cozinha do Inferno e o Sindicato dos Policiais de Nova York receberam dois gordos cheques, filantropicamente doados pela Fundação Wayne, de Gotham City. Junto com os cheques, uma mensagem do próprio milionário Bruce Wayne: "Com a promessa de um melhor sistema de segurança para o Arkham".

Epílogo Um

O telefone. Era novamente o Senhor H. Jack Zocatelli bufou e atendeu.

— Sim, senhor H. Pode falar.

— Zocatelli, nosso agente invadirá a sede novaiorquina das Corporações Mecha dentro de três dias. Ao contrário das outras empresas invadidas, os diretores da Mecha sabem que nós estamos por trás desta série de roubos de documentos. Mas preciso dos papéis que eles possuem. A invasão não pode ser adiada. E, ao mesmo tempo, preciso manter minha fachada de legalidade. A Mecha vai retaliar. Em quatro dias, quero que aperte o cerco em torno de Franklin Nelson. Faça a senhorita Lions engrossar as acusações contra o amigo do advogado. Quero Nelson bem amarrado em nossa coleira.

— Sim, senhor H.

Epílogo Dois

Algum local nos subterrâneos de Nova York. Um estranho cântico começava, marcando o término da cerimônia. Cinco homens balbuciavam frases sem sentido, tomados pelos efeitos do haxixe. O que parecia ser um dos líderes disse:

— Uma semana. Apenas mais uma semana e todos saberão quem manda nesta cidade. Que a Maçã se prepare para o Terror.

Uma turba de homens trajando túnicas vermelhas e estranhos óculos de snowboard levantou os braços, gritando em tons alterados:

— Pela serpente dourada. Pelos jardins do Éden. Pelos eternos Hashashins.

Epílogo Três

Eightball estava em dúvida entre o colorjet vermelho e o dourado. Optou pelos dois. Virou o skate que havia pertencido a Martin Lubenski e ficou alguns segundos grafitando uma cruz vermelha, ao lado de um Smiley dourado. Olhando para a lápide daquele que havia sido seu amigo, fincou o skate na grama.

— Skate or die, cara. Vê se te cuida.

O cérebro do menino de 12 anos tentava entender a morte. Processá-la. Eightball não suspeitava que nunca iria conseguir entendê-la.

:: Notas do Autor

* Bálsamo aromático, amarelo, extraído do estoraque (arbusto ornamental, de origem asiática), utilizado na fabricação de perfumes e em medicina.

** 911 é o número de emergência usado pelos americanos para acionar a polícia ou o corpo de bombeiros. 911 is a joke (911 é uma piada) é o nome de uma música do grupo de rap norte-americano Public Enemy, notório por sua postura agressiva e polêmica contra o racismo.



 
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