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Fogo # 01

Por Lucio Luiz

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Homem-Aranha, Batman, Capitão América, Eléktron, Homem-Borracha... A grande maioria dos heróis do mundo é americana. Até os alienígenas se estabelecem em sua maioria nos Estados Unidos, como Super-Homem, J'onn J'onzz... Até a Mulher-Maravilha, que vem de uma civilização grega e louva deuses gregos dentro de uma cultura grega, ao invés de morar na Grécia, resolve ficar pela América do Norte.

Existem heróis em outros países, é claro, mas fatalmente criam raízes onde? Nos Estados Unidos, é claro. Como exemplo, temos Wolverine, que é canadense, mas mora no país vizinho. Também podemos citar Tempestade, que é africana, mas gosta mais de ser mutante rejeitada na América do que uma deusa louvada em seu país.

O Brasil também já viu surgir heróis. O falecido Mancha Solar (*) é um exemplo, mas passava mais tempo nos Estados Unidos do que em terra brasilis. A maior heroína brasileira também vinha ao Brasil apenas para passear: Beatriz da Costa, mais conhecida como Fogo.

Bia, como é chamada pelos amigos, fez parte da antiga Liga da Justiça de Maxwell Lord e, muito tempo antes, já foi membro dos Guardiões Globais. Seu poder consiste em se envolver por uma chama verde e lançar fogo contra seus adversários, além de voar, mas isso não conta, já que quase todos heróis voam.

Apesar de saber que, embora em escala muito menor que nos Estados Unidos, o Brasil também pode sofrer reveses que exijam a presença de um super-herói, ela prefere ser uma heroína de segunda linha por lá do que a principal defensora dos brasileiros.

Mas, coitada, isso está prestes a mudar...

Beatriz aproveita seus últimos dias de descanso nas areias de Copacabana antes de voltar para os Estados Unidos. Ela está com algumas propostas de contrato para fotos publicitárias, além de um convite para fazer parte de novos grupos de super-heróis que surgem toda semana na América.

Ela gosta muito de seu país, é claro, mas acredita que as possibilidades existentes na América são muito mais vantajosas do que ela poderia conseguir por aqui. Embora não faça mais parte da Liga da Justiça, ela ainda tem bons contatos com o mundo do heroísmo profissional e amador.

Em sua estada no Brasil, ela deu entrevistas em vários programas de fofoca e participou de muitas festas ganhando um dinheirinho extra para fazer presença. Participou até de uma aventura que envolveu ainda Lobo e Sr. Destino (**). Mas havia chegado a hora de voltar para o país que a lançou para a fama.

Contudo, no final do dia, após voltar para a suíte presidencial do Copacabana Palace, Fogo confere seu passaporte e percebe que seu visto está vencido.

— Próximo!

Depois de horas esperando para ser atendida, Beatriz dá graças a Deus por ter finalmente chegado sua vez. Quando fazia parte da Liga da Justiça, seu visto americano era permanente e ela estava tão acostumada que nem lembrou que precisava novamente de um visto comum.

Uma senhora mal-encarada está sentada atrás de um balcão, que possui um vidro à prova de balas. Sem encarar Beatriz, olhando para a tela do computador no qual digitaria alguns dados, ela questiona:

— Nome?

— Beatriz da Costa.

— Profissão?

— Super-heroína.

— Você tem vínculo empregatício no Brasil?

— Não... eu trabalhava nos Estados Unidos...

— Em quê?

— Eu era da Liga da Justiça...

— Não tem green card?

— Eu nunca precisei... os Guardiões Globais e a Liga eram organismos ligados à ONU...

— Você é casada?

— Não...

— Pretende casar com um americano?

— Er... não.

— Tem filhos?

— Não!

— Você já foi presa alguma vez?

— Eu sou uma super-heroína, já falei!

— Você já foi presa alguma vez?

— Ai, ai... não!

— Você consome drogas psicotrópicas?

— Não!

— Pretende desenvolver atos terroristas na América?

— Claro que não!

— Possui família no Brasil?

— Não... pra que isso tudo? Eu sou uma super-heroína!

— Pretende viajar a passeio ou a trabalho?

— Pode-se dizer que é a trabalho.

— Possui proposta de emprego na América?

— Não exatamente... Pretendo fazer trabalhos de modelo por lá, além de salvar o universo, como já fiz diversas vezes!

— Sinto muito, seu visto foi negado.

— O quê???

— Sinto muito. Você não possui vínculos empregatícios ou afetivos no Brasil. Não queremos correr o risco de você se tornar imigrante ilegal nos Estados Unidos.

— Imigrante ilegal?

— Sim. Não podemos permitir a entrada de estrangeiros que não pretendam voltar a seus países de origem. Sinto muito, mas você não está qualificada para entrar na América.

— Mas eu já salvei seu país várias vezes! Eu conheço o Super-Homem, pombas! Sou amiga íntima do Capitão América! Bem... não tão íntima quanto eu gostaria, mas... o fato é que eu preciso voltar aos Estados Unidos! Eu sou uma super-heroína! Super-heróis não podem ter o visto negado!

Próximo!

Isolada no Brasil. É assim que Beatriz se sente. Não que ela não goste do país, muito pelo contrário. Ela adora o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, mas foi nos Estados Unidos que ela montou sua vida.

Sem saber o que fazer e com pouco dinheiro no banco (afinal, gastou mais de 150 dólares não-reembolsáveis só para pedir o visto negado), ela resolve tentar uma última cartada e ligar para seus amigos americanos.

Da suíte presidencial, ela começa a verificar sua agenda e faz algumas ligações.

— Alô?

— Besouro?

— Quem fal... ah, Fogo, é você?

— Isso, Besouro. Estou precisando de um favorzinho. Você poderia dar um pulinho aqui no Rio e me dar uma carona no seu Besouro Voador?

— Hein?

— Ah, Besourinho... Faz isso por mim, vai.

— Olha, Bia, sinto muito mas não dá. Sabe, é muito longe e o Inseto não tem autonomia...

— Tchau!

...

— Gladiador Dourado Enterprises. Deixe seu recado após o sin...

— Pára de palhaçada que eu sei que é você, Gladiador!

— Bia?

— Eu mesma. Não me pergunta por que, mas estou precisando de uma carona para os Estados Unidos. Será que não dava pra você pedir para alguém da Liga tentar me arranjar um teletransportezinho básico?

— Bom... posso tentar ver com o Super-Homem. Mas por que você não vem voando?

— Eu não agüento voar tanto, né, sua besta?

— Amável como sempre.

— Dá pra ser ou não?

— Sem problema. É só preparar o visto aí pra imigração.

— Visto?

— Bom... você sabe que o Super é todo certinho e não vai deixar você ser imigrante ilegal aqui na América.

— Imigrante ilegal? Ilegal é você, que veio do futuro e nem nasceu ainda, seu babaca! Vai catar coquinho!

...

— Alô!... Beatriz?

— Nossa, Jonn, como você adivinhou?

— Sou um telepata, esqueceu?

— Mesmo com tanta distância?

— Sim. E não posso deixar você entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Sinto por você não ter conseguido o visto mas, como defensora da justiça, você sabe que não podemos infringir a soberania de nenhum país em determinar suas próprias leis.

— Mas...

— O fato de eu ser alienígena e possuir cinco identidades falsas não quer dizer nada.

— Seu...

— Não existe o conceito desse tipo de coisa em Marte. Minha mãe portanto jamais poderia ser o que você está pensando.

AAAAAAAAAHHH!!!!!

Fogo entra em desespero ao perceber que ninguém pode ajudá-la. Sua situação piora ainda mais quando é chamada na gerência do hotel e exigem que ela pague as diárias atrasadas, que já acumulam quatro semanas, além de todo o consumo do frigobar. Gigantesco, por sinal.

Ela passa o cartão de crédito, mas é recusado. De repente ela lembra que esqueceu de pagar a conta do cartão, que venceu exatamente quando ela estava passeando pelo país com o Sr. Destino e Lobo.

Por sorte, próximo ao hotel há um caixa 24 Horas no qual ela pôde sacar a quantia devida. Contudo, ao observar o saldo que sobra, Bia toma um susto ao ver que não tem condições de permanecer mais nenhum dia no Copacabana Palace.

Sabendo como funcionam as coisas no Brasil, ela tenta ligar para alguns conhecidos do meio artístico para ver se arrumam algum trabalhinho para ela num comercial ou coisa do tipo. Mas, para seu azar, todos garantem que sua imagem já está desgastada de tanto tempo que ela ficou no país, já que um mês de exposição na mídia fizeram com que o público deixasse de simpatizar com ela e preferisse os integrantes do mais recente reality show da Globo.

Desesperada por perceber que seu futuro é negro, Fogo tenta como último recursos ligar para seus antigos colegas do SNI (***). Com algumas ligações, ela descobre que uma nova agência governamental brasileira altamente secreta foi criada há algumas semanas e está recrutando meta-humanos, mutantes e coisas do gênero.

Sendo indicada por um amigo do primo do chefe da Asigob (Agência Secreta de Informações do Governo Brasileiro), Fogo gasta suas últimas economias numa passagem para Brasília, onde tem a garantia de uma vaga num posto de sub-gerência da divisão de meta-humanos da agência.

Depois de algumas explicações de taxistas, Beatriz chega ao escritório da Asigob. Felizmente, Brasília é uma cidade extremamente organizada e foi fácil encontrar a Alameda das Agências Secretas, próximo à Esplanada dos Ministérios.

Num prédio de cinco andares em estilo modernoso, em cuja parede externa lê-se claramente "Agência Secreta — Não Entre Sem Ser Convidado", Fogo toca a campainha e é imediatamente convidada a entrar. O porteiro, chamado Severino, é um cearense baixinho, de um metro e meio, que ficou imediatamente encantado pela moça.

— A senhorita deseja algo?

— Eu queria falar com... deixa eu conferir no papelzinho... o general Guilherme Kabikituz, acho que é isso.

— A senhorita gostaria de ouvir um cordel que eu acabei de compor em homenagem à sua beleza?

— Er... não, obrigada. Só queria falar com o general, por favor.

— Acompanhe-me.

— Não vai pedir minha identidade?

— Identidade? Pra quê?

— Deixa pra lá.

Após subir pela escada até o terceiro andar (o elevador está no conserto), Severino finalmente mostra para Beatriz qual é a porta do escritório do general Guilherme Kabikituz. Ao lembrar-se que esqueceu a porta aberta, ele volta imediatamente para a portaria.

Fogo abre a porta e vê um escritório grande, com uma mesinha ao fundo e, sentado atrás de um ventilador provavelmente ligado na potência máxima, um senhor de meia-idade vestindo uma farda militar desabotoada, despenteado e suando muito.

— Você deve ser a super-heroína Fogo, correto?

— Eu mesma. O senhor...

— General Guilherme Kabikituz, ao seu dispor. Você é muito mais bonita pessoalmente do que na televisão.

— Bom... eu vim aqui porque o Zezinho garantiu que você ia arrumar um posto legal pra mim.

— Claro. Você deve saber que, como somos uma agência secreta temos certos benefícios, como contratar agentes sem concurso público.

— Só agências secretas têm esse benefício?

— Digo, oficialmente.

— Ah, tá.

— Você pode começar hoje mesmo. Trouxe a carteira de trabalho?

— Claro. Está aqui.

— Ótimo. O salário você já sabe, né? Está no mesmo teto do judiciário.

— Que bom. Como vocês conseguiram isso?

— Não pergunte.

— Desculpa.

— Depois você faz o exame admissional e dá a relação de vale-transporte. Como você não mora em Brasília, posso te arranjar um auxílio-moradia. Você vai ser sub-gerente da nossa divisão de meta-humanos. Na verdade, por enquanto só temos dois mutantes e um ET. Tem pouco meta-humano na América do Sul. Quer conhecer seus colegas?

— Claro.

Fogo acaba de ser encarregada de coordenar uma equipe de meta-humanos a serviço da Asigob, ou melhor, a serviço do governo brasileiro. Sob o comando geral do general Guilherme Kabikituz, Fogo tem sob sua responsabilidade dois mutantes e um alienígena.

Zé Piolho é um mutante carioca, de aparência absolutamente normal mas que, quando fala, faz com que as pessoas tapem imediatamente seus ouvidos até desmaiarem, pois tem seu sotaque "echtremamentchi" carioca ampliado de forma mortal por suas cordas vocais mutantes. Ele se veste de maneira bem despojada, de camiseta, bermuda e sandálias havaianas e seus ídolos são Evandro Mesquita e Taumaturgo Ferreira.

A outra integrante da equipe é Maria Antonieta, uma mutante nascida em Fortaleza que jura ser a reencarnação da mulher de quem assumiu o nome. Seu nome verdadeiro é Josicleide, mas nunca atende a quem a chama assim. Ela tem uma grande fixação por brioches, além de forçar um falso sotaque francês que às vezes se mistura com seu sotaque nordestino. Seu poder mutante é de cortar a cabeça das pessoas usando apenas a ponta dos dedos.

Por fim, Ghybsuino é um alienígena humanóide cor-de-rosa do planeta Ghybsuin, um local sem muita criatividade para nomes. Ele soube num bar espacial, na galáxia de Andrômeda, que o planeta Terra tinha várias oportunidades para ETs com poderes especiais, só que esqueceram de avisá-lo que o destino correto para todos alienígenas é uma grande porção de terra no hemisfério norte do planeta. Ele acabou vindo parar no hemisfério sul. Ghybsuino tem telepatia limitada e grande força, além de ficar extremamente irritado quando sacaneiam sua cor rosa e seu nome.

Após as apresentações, a equipe combina um churrasco de confraternização para o fim de semana seguinte. Antes das festividades, contudo, são apresentados pelo general à sua primeira missão:

— Um deputado amigo meu está com um probleminha e vou mandar vocês para ajudá-lo.

— Um deputado amigo seu? — questiona Fogo.

— Sim. Bom... ele faz parte do quadro de representantes do povo e precisa ser defendido pela Asigob.

— Se você diz...

— Então, esse meu amigo tem que se livrar de uns livros-caixa que estão sendo guardados no Congresso Nacional como provas de uma CPI.

O quê?

— Qual o problema? Ele é meu amigo e me ajudou a arrumar essa boquinha... digo, esse emprego na Asigob.

— Eu não vou fazer parte disso! Isso é ilegal!

— Não é ilegal, apenas é uma ajuda a um amigo que sempre nos ajuda.

— Tô fora dessa pouca vergonha! Achei que isso aqui era uma agência séria! Não vou fazer parte de picaretagem!

Fogo vira as costas e sai da sala do general Kabikituz irritadíssima com o acontecido. Enquanto caminha em direção à saída, ouve as ameaças de vingança do general e de seus três paus-mandados.

Do lado de fora do prédio, Fogo pára e pensa:

Caraca! É isso que dá ter princípios... E agora? Como vou fazer pra ganhar dinheiro?


No próximo capítulo:

— O índice de desemprego aumenta no país.

— A política continua cada vez mais desacreditada.

— Deputados tentam evitar CPIs comprometedoras.


:: Notas do Autor

(*) Sua morte se deu aqui no Hyperfan, em X-Men #04. voltar ao texto

(**) Confira em Lobo # 09 a # 13. voltar ao texto

(***) Secretaria Nacional de Informação, uma espécie de CIA brasileira que existia no passado e na qual Fogo começou sua carreira de combate ao crime. Bom... mais ou menos. voltar ao texto



 
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