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Hellblazer # 01

Por Dell Freire

O Prisioneiro da Figueira
Parte I - Tempos Bons, Tempos Ruins

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Londres - 2h37 - Há seis meses

No interior de um pub, uma música melódica e sombria sai das caixas de som. O som é pulsante, um blues acolhedor e quente que "faz a cama" de alguns casais formados por aquele momento. Um pouco longe, mas sem ficar distante do som que abraçava a todos, está um homem sincero. Às vezes cínico, duro e debochado, mas sincero. De cabeça baixa, retira de sua jaqueta um isqueiro Zippo para acender a seu cigarro Silk Cut.

Distraidamente, ele se vira para ver as pessoas dançando. Uma morena sedutora de corpo esguio dança ao ritmo da música. Ela solta seu corpo, mexendo as cadeiras delicadamente, parecendo querer mostrar toda a vida que existe dentro de si. Um homem negro se aproxima para acompanhá-la na dança. Ela afasta-se dele, dando alguns passos à frente. Com segurança, caminha para o homem que escolheu, sabendo bem o que quer. Ela quer John Constantine.

Tal qual parceiros de longa data, o casal de desconhecidos começa uma dança bem diferente, quase obscena, causando uma certa estranheza a todos que observavam. Para Constantine e a mulher não havia nada que importasse naquele momento a não ser fazer bem feito o ritual que iniciaram. Ele segura sua mão, ela cola o rosto nele. O clima é de romantismo puro.

— Foda-me. — pede a mulher, com os olhos faiscando.

O sorriso de John Constantine é discreto. Ele a aperta contra si, beija os seus lábios, sentindo o hálito quente em sua boca. Começam a caminhar para fora do bar.

"Tempos bons...Tempos ruins...", pensa Constantine seis meses depois, enquanto acende outro Silk Cut e olha para a mulher grávida à sua frente.

Londres - 22h37 - Apartamento de Constantine - Agora

— Você queria que eu abortasse, John? É isso? Por isso está sendo tão duro comigo? — Anne Bartoff, a mulher que está grávida de John Constantine segura um copo de Whisky nervosamente.

"Oh, meu Deus.... O que você aprontou dessa vez para mim, hein...?", questiona Constantine, olhando para fora da janela e observando um casal de velhos caminhando lenta, muito lentamente. Ele fecha a janela e dirige-se para a mulher, falando como um pai que busca a melhor forma para explicar certas coisas a uma filha.

— Não... Claro que não, Anne... Eu não estou criticando você... Nem poderia fazer isso... — Ele começa a andar de um lado para o outro, nervoso, gesticulando muito.

— Mas o que quer que eu diga? — continua ele, teatralizando. — "Puxa, Anne. Estou emocionado! O que acha de morarmos juntos e sermos uma família feliz para todo o sempre? Quem sabe já esteja na hora de eu arranjar um emprego e jogar meus livros de magia pela janela. Talvez eu chame Chas ou algum demônio do Quinto Círculo para ser o padrinho."

Ele para um instante e se volta. Ela não estava rindo.

— Achei que poderíamos mesmo começar algo. Aquela noite...

— Foi só uma noite, Anne. Há muito tempo. Não significou nada para mim. Gostaria que esquecesse isso. E gostaria que saísse daqui.

Bruscamente ele sentencia, encarando-a:

Agora!

Ela se levanta.

— Meus amigos sempre me avisaram sobre você, John. Jamais acreditei neles. Falavam coisas absurdas sobre você. Diziam que era um louco. Um egocêntrico. Um vagabundo. E que tinha ligações com o Diabo.

— Acho que eu e ele não somos exatamente amigos...

— Você não pode me abandonar, Johnny. Não agora.

— Lamento, baby... Mas eu estou deixando você...

Há o som da porta se fechando. John Constantine afunda em uma poltrona, passa a mão pelos cabelos louros, sabendo que a havia magoado. Isso era bom. Provava que o truque funcionara.

"Sinto o perfume pela sala, o choro da criança que ainda não nasceu, os passos de Anne descendo a escada e a imagem das pernas mais lindas que eu já acariciei. Juro que quase a abracei e pedi pra ela ficar e cuidarmos juntos de nosso filho... Porra, ela me deu a noite mais doce que um homem poderia querer... Mas morarmos juntos seria idiotice, um prato cheio para os meus inimigos. Não vou deixá-la na mão, baby... Mas você não vai ficar sabendo..."

Ele se levanta em direção ao copo de uísque; o líquido abandonado ainda lembrando ela, ela ainda estava ali, naquele copo abandonado com a sua mancha de batom. Observa-o por instantes: vê nitidamente a imagem de Anne no copo, a vê saindo de seu apartamento. Vê uma sombra ao lado dela. Uma sombra satânica, feminina e sensual. Apesar da nudez de sua pele acizentada, o demônio parecia uma irmã gêmea distorcida de Anne. Definitivamente, ela não era mais a mesma.

Segura fortemente o copo, apertando-o contra a mão até ele se quebrar, deixando sua mão sangrar, tal qual uma chaga nova que se abria em conseqüência do que descobriu.

Gotas de sangue, pedaços de vidro se partindo, uma fumaça começa a surgir no meio da sala. Ele sabia o que era, já estava cansado de tamanha encheção de saco. A mesma figura demoníaca que estava ao lado de Anne crescia no meio daquela pequena fumaça.

— Oh... o doce, doce amor... O amor jamais acaba; pois havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará. — Dá dois passos em direção a Constantine e complementa, falando ao pé do seu ouvido, fazendo sibilar uma língua quente, tripartida e serpentina. — Pois apenas em parte conhecemos e em parte profetizamos...

— Me diga o que quer, demônio! — Constantine empurra-a com bastante força, deixando-a desnorteada.

— Você me derrubou! — Grita ela, apontando para ele, histérica. Em segundos, se recompõe. — Pois bem... Se é objetividade que quer... Sou enviada pela sagrada Ordem da Aurora Negra para te dizer que você é detentor de uma missão. Para conhecê-la, esteja em Black Mountain. Daqui à três dias. 19 horas. Caso contrário Anne e seu lindo bebê sofrerão as conseqüências. Amém.

Ao invés da clássica explosão, o demônio em forma de mulher sai com dignidade pela porta, caminhando a passos lentos, enquanto lança um olhar de desprezo para John Constantine.

Ele observa enquanto ela sai, deixando a porta bater. Volta a olhar para sua mão sangrando. Observa as gotas de sangue caindo no chão, deixando o carpete vermelho como vinho tinto.

Londres - Dois Dias depois - 1h20 - Em um pub qualquer

— Não vai beber, John? O vinho está ótimo!

Chas está ao seu lado esquerdo, em um pub londrino de baixa fama; sentada à sua direita está uma mulher conhecida como Bobby que lhe mostrava um livro cheio de figuras demoníacas. É uma linda loira que, para espanto de John, está caidinha por seu melhor amigo, Chas. Mas ele nem ao menos percebe, como sempre.

— Em que merda andou enfiando a mão, John? — Chas aponta para sua mão enfaixada. Constantine odeia quando Chas dá esse risinho idiota, derivado do excesso de álcool. Bobby sorri junto a ele, cúmplice. Constantine quer vomitar.

"Nem caindo um pedaço do céu em sua cabeça ele se mexe! Será que vou Ter que tirar o pau das calças do Chas e colocar entre as pernas da Bobby?"

— Me dê esse livro. — Constantine pega o livro das mãos de Bobby, assustado. Reconhece a mesma figura que havia aparecido para ele há duas noites.

— É ela? — pergunta Bobby

— Sim. É ela...

Chas retira o livro da mão de John com rapidez.

— Não. Hoje nós vamos cuidar só das coisas deste mundo.

E começa a cantar uma antiga canção, acompanhado por Bobby e por um John Constantine ofuscado e confuso.

Londres - Mesmo dia - 6h50

A dor de cabeça em John Constantine é grande. Chas está a alguns degraus abaixo dele, tentando subir a escada com o auxílio da incansável Bobby. Por um momento, John olha pra trás e seus olhos se fixam no decote dela, o corpo latejando. Desde que Kit foi embora que não sentia o calor de uma mulher. Claro, havia as fodas ocasionais, mas elas não contavam para ele, um sentimental de primeira. Queria alguém que balançasse seu coração e, é claro, não seria Bobby. Principalmente com ela se jogando em cima do Chas como uma cadela no cio.

— Não precisa, Chas. Não mesmo. — diz ela, fingindo desinteresse.

— Deixa de frescura, Bobby. Te levo em casa... Depois tenho que ir levar uma surra...minha mulher odeia que eu chegue tarde...O Johnny aí conhece ela e pode confirmar como é a fera...Ei, Johhny...Johnny?

Ela está conosco. Seu tempo está acabando.

É a mensagem que John Constantine, chaves na mão, encontra pintada com sangue ainda fresco à sua porta. "Meu apartamento não é mais seguro", pensa ele, consciente do ataque mágico que está sofrendo. Abre a porta rapidamente. Um feto retorcido está colocado à sua mesa, como uma iguaria infernal, em meio a maçãs vermelhas e um delicioso creme de leite. A dor de cabeça de Constantine se torna ainda maior. Em sua mente apenas um nome: Mountain Black.

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