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Miles # 04

Por Matheus Pacheco

Dançando Com Bolas de Neve Em Um Half-Pipe

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"Puta que o pariu!

É muito estranho descobrir que um monte de conceitos predefinidos que eu tinha sobre o assunto que mais adoro na vida estavam completamente errados. Depois de 21 anos crendo em um tipo de som como puro e perfeito e negando — ou relegando a segundo plano — qualquer outra forma de expressão, acabo descobrindo que os limites do bom senso e do bom gosto não são assim tão rígidos e podem, sim, esticar ou encolher ao bel-prazer de quem cria ou consome.

A Aretha e o Andrew acabam de me dar um show de musicalidade e sensibilidade artística ao mesmo tempo em que me mostraram que o sentimento vale mais que técnica na ampla maioria das vezes. O guri mata a pau na composição e execução de sons que, apesar de sintetizados, expressam sentimentos reais de gente real. E a Aretha simplesmente me deixou de boca aberta com o tesão que ela tem em cantar.

Fomos até as 2 da manhã gravando. Acho que algo deve sair de hoje, uma ou duas faixas. O guri é ambicioso, está a fim de gravar pelo menos 20 faixas para poder divulgar na internet sem comprometer o conteúdo e a vendagem do disco. Esperto...

Agora estou aqui na Broadway rolando meio sem rumo, decidindo algo pra fazer na vida...

Tenho uma banda, algo fixo em que trabalhar. Sei que a aretha está bem encaminhada, com um cara legal. Sei lá... Por que diabos parece que falta algo? E o que é este algo?

Merda..."

— Oi, pai.

— Oi, filha! Tem notícia do Miles?

— Não sei onde ele tá agora. Mas adivinha só...

— Fala, pequena.

— Ele tá gravando comigo e com o Andrew. Aceitou fazer o baixo do projeto.

O velho negro de traços marcados pela idade e pelas preocupações abre um sorriso. ele sabe que o melhor aconteceu... Para todos.

— Ei, Earl! Como é que é?

— Na boa, Smiley! Quais as novas?

— Tudo na mesma, só tou com uma banda nova.

— Ah é? Quem é?

— É um pessoal novo aí, tu não conhece. E fazendo um som novo. Quero ver se falo com o Synch pra gente fazer um barulho aqui qualquer hora.

— Beleza! Vai ser um prazer.

— Legal. Quem tá aí hoje?

— Uma banda de rock, uns tais de Strokes. Mas vale entrar só pra ver o tanto de gatinha que rola.

— Opa, tou nessa! Posso dar uma furada na fila e no ingresso?

— Meu amigo, pra ti sempre!

— Valeu, rapaz!

"Grande Earl, sempre foi gente boa comigo, mesmo depois que eu larguei a vagaba da irmã dele. Aliás, talvez ele tenha ficado ainda mais faixa meu depois que eu dei o pé na bunda dela. Ela não merecia o quanto eu gostava dela. Vaca... Aliás, falando em vaca..."

— Smiley! Não acredito que te encontrei aqui. gostei muito da nossa última noite... Bem que a gente poderia repetir a dose, né?

— Hã... É claro, June... Qualquer hora destas...

— E que tal hoje, grandão?

— Eu... hã...

"Porra, como eu me livro dela? A guria é muito querida, mas hoje não é dia pra putaria descompromissada ou coisa do tipo. Hoje é dia pra música, uísque e amigos. Como diabos eu vou me livrar desta bom..."

Usted por aqui?

— Hã?

Miles vira o rosto na direção de uma voz tão inédita quanto inconfundível. Novamente sua vida entra em uma espiral de cores e sombras...

— Quem dira, hein? Achei que usted era um ortodoxo do jazz...

— Pois é, Maria... A vida costuma derrubar nossas convicções. Tem feito isso comigo sistematicamente.

— Estou atrapalhando a conversa com sua amiga?

— Amiga? Hã...

Viro para onde estava June e vejo apenas um buraco cheio de desconhecidos.

— Bem... Não importa. Se estava já não é mais de nossa alçada. Uísque?

— Não, obrigada. Prefiro uma tequila.

— Garçom! Um Black e uma Cuervo Gold pra moça!

— É pra já, guri.

"Olho para Maria. A mesma visão de algumas semanas atrás. A estranha sensação de um incômodo ineditismo que só pode significar uma coisa: confusão."

— Sabe, fiquei impressionada com aquele dia no metrô. Não são muitos os que largariam uma apresentação para correr atrás de uma estranha.

— É... Vendo deste jeito. Mas também não é qualquer estranha que teria a capacidade de me fazer largar minha música e minha vida apenas em um cruzar de olhares.

— Oi, nós somos os Strokes. Este é o nosso som.

"Os caras começam com um som pesado, baseado em guitarras e vocais melódicos e rascantes. Legal, bom para o momento. Viro ao lado apenas para ver Maria, em transe, movendo-se lascivamente ao som da música. Como bom troglodita que sou, só consigo bater o pé, improvisar uma air drum e balançar a cabeça ignorantemente. Como uma deusa destas poderia querer algo comigo? A resposta..."

— Qual é o seu nome mesmo?

— Hã... Miles. Desculpe pela falta de educação...

— Sabe, Miles. Eu adoro tipos como você, sem a menor capacidade de agir sensualmente sem se achar um idiota. É muito hermoso!

"Beleza, agora eu sou "ermoço" ou seja lá o que for e eu não consigo pronunciar direito. Só consigo olhar pra ela, sorrir e abaixar a cabeça pra fixar no copo de uísque. uma mão segura meu queixo."

— Quer tequila?

— Eu... não sei se devo misturar. além do mais teu copo está vazio...

— Copo?

"E de novo eu beijo/sou beijado pela mais incrível mulher que já vi ou concebi ou seja lá o que for. Ah, a vida..."



 
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