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Quarteto Fantástico # 12

Por Conrad Pichler, sobre um plot de Rafael 'Lupo' Monteiro

A Chama da Intolerância

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"Mãe, liguei para te dizer que não consigo parar... acho que não posso mais... mãe, me tire desse lugar... eu não consigo mais pisar esse chão..." — um sinal seguiu e foi o fim da mensagem na secretária eletrônica.

— Eu disse, Jim... ele queria sair... ele já não agüentava mais... — a mulher chorava copiosamente ao lado do telefone.

— Me perdoe, Gil. Eu não sabia que ele... — aproximou-se o homem alto.

— Mataram meu filho, Jim, mataram ele... — seu rosto de 35 anos envelheceu uns dez.

— E-eu... e-e-eu vou fazer alguma coisa, Gil... não posso mais seguir admitindo isso... olhar para mim mesmo e... seguir admitindo que mães como você... percam seus filhos. — os olhos azuis se pudessem chorariam.

— Nã... não, Jim, se tem alguma coisa que devemos fazer é... não lutar desse jeito... mais violência. Meu Deus, Jim... gente como nós tem que ter fé... e... — ela encolheu-se no sofá.

— Gil, tenho uma coisa para te contar... — levantou e deu as costas, coçando nos cabelos dourados.

— O que, Jim?! — espantou-se.

— Eu não sou Jim Hammond. Na verdade ele morreu já tem muito tempo... e-eu nem sou humano, Gil, eu sei que você vai compreender... eu sou o Tocha Humana... — disse ele, abrindo a camisa, mostrando-lhe o uniforme vermelho e dourado.

— Oh, não, Jim! Você mentiu... agora... você mentiu... — ela continuou a chorar.

— Não. Jim foi meu amigo, meu parceiro, ele me deixava usar seu nome, eu nem tinha um... eu sou um robô, um organismo sintético, que superou as expectativas de seu criador, eu sei tudo que um humano sente, eu sinto, mas é diferente... quando seu pai ainda lutava na Segunda Guerra, como você me contou, eu fui o Tocha, que lutou ao lado do Príncipe Namor e do Capitão América... fui destruído e reconstruído duas vezes depois... e ainda estou aqui... tentando levar uma vida comum... ser um filho de Deus... mas não sou... — aproximou-se da mulher.

— Mas o que isso tem a ver com meu filho? Jim, eu não sei... nem sei o que dizer... o que fizeram, Jim, mataram... meu filho não agüentava mais fazer parte daquela gangue... acho que ele nem sabia por que entrou nisso... — ela mostrou-lhe uma foto dos amigos de seu filho.

— Eles só querem sentir que fazem parte de alguma coisa... que lutam por algo... mas esses Filhos do Monge, uns skinheads, que são tão piores quanto os nazistas que eu e seu pai enfrentamos... eles transformam sentimentos genuínos em genocídio... crianças que sonham em ter um lugar decente para morar, emprego, estudar e se divertir um pouco... viver. Vimos isso na guerra, menina, vimos crianças lutarem como soldados e venerar o genocídio, sem terem a oportunidade de conhecer o outro lado, eu vi e não posso seguir admitindo que isso se repita.

— Faça o que fizer, você não vai trazer Alvim de volta... mas não deixe mais nenhuma mãe chorar por causa deles, Jim... Tocha Humana! — ele a abraçou.

O telefone toca na casa da jovem Marion Alison, é seu amigo Johnny Storm.

— Marion. — disse a jovem desconcentrada, pintando as unhas.

— Sou eu... Storm! — disse uma voz suave do outro lado da linha.

— Oi! — ela saltou na cama, deixando cair o esmalte — O que você manda, carinha?

— Me chamaram para ir à uma rave, quer ir, Alie?

— Espera! — disse a menina que estava perdida pensando e limpando os lençóis — Espera! Johnny Storm, o Tocha, membro oficial do Quarteto Bacaninha me chamando pra sair? — diz incrédula a menina, Alie — "Quase astro de Hollywood e mais: loiro, olhos azuis, me chamando para ir à uma rave?" — pensa.

— É, Alie, não me faz passar vergonha, vai?! Vem comigo, por favor?!

"Se não bastasse ser um gato, o cara pede com esse dengo todo... quem vai resistir!?" — pensa Alie — "Eu é que não resisto!" — conclui.

— Tô dentro, Johnny! — diz a exacerbada menina — Me pega às dez, tá bom?

— Ótimo, às dez.

Na noite, a rave, a música techno se espalha pelo ambiente, tudo brilha com a luz intermitente, que segue o ritmo frenético do som, os corpos se movimentam loucos e os braços no ar não param. Muitos risos, calor e sensualidade crua. Num sofá de canto, Johnny e Alie se aproximam para conversar e sentir o calor um do outro, o hálito fresco de Alie é convidativo para Johnny... desviando-se dos lábios do parceiro:

— Johnny, você pode pegar um refri pra mim? — diz a menina, no ouvido dele.

— Tá... cê não bebe álcool? — o Tocha perguntou, espantado.

— Não hoje, Johnny! — ele acaricia o rosto da menina e levanta.

"Não hoje, Johnny, quero valorizar cada momento, por que amanhã já será tarde..." — pensou Alie, menina que sempre foi preterida, porque tinha uns "quilinhos" a mais, ela ainda não teve tempo de saber porque Johnny a convidou para esta festa, mas tem certeza que deve aproveitar ao máximo.

Súbito: uma explosão dilacera uma parede. A parede que estava atrás do sofá da acompanhante do Tocha Humana, outras pessoas também foram soterradas por pó e entulho, a multidão começa a gritar e especular o acontecido: "Meu Deus!"/"Tudo explodiu!"/"Acho que foi no banheiro!"/"Uma bomba!"

— Calma gente, todos para a saída! — disse o Tocha, com relativa calma, mas não menos preocupado com sua companhia — Vocês três! — apontou para alguns jovens — Me ajudem, vamos tirar os entulhos e alguém chame o resgate! — mas todos parecem parados e descrentes do jovem, então...

Em chamas! — diante dos olhos de todos o uniforme do Quarteto Fantástico substitui as roupas que vestia, e todos parecem prestar a atenção nele, ele repete todas as ordens, a multidão começa a sair, ele e os jovens que selecionou começam a tirar os entulhos...

Três horas depois, no hospital Saint Paul. Johnny Storm está desolado num banco dos corredores, sozinho, falando ao seu comunicador de pulso.

— Não, maninha. Está tudo bem, a menina já está fora de perigo, mas eu vou ficar aqui até ter mais notícias, teve mais uns quatro soterrados, mas eles já devem estar em casa.

Fique tranqüilo, Johnny, tenho certeza que ela vai ficar bem! Um beijo! — disse Sue, desligando o comunicador.

— Johnny? Tocha? — perguntou uma figura alta e loira, cabeça raspada, roupas negras.

— Sim, quem é o senhor? — perguntou hesitante o jovem.

— Eu sou o Tocha Humana... o original! Mas meus amigos me chamam de Jim Hammond. — disse o homem, estendendo sua mão para Johnny.

— Meu Deus, eu me lembro do senhor, lutou na Segunda Guerra, foi destruído e reconstruído pelo Pensador Louco, lutou contra o Quarteto e fez parte dos Vingadores... achei que tinha se aposentado... mas o que faz aqui?

— Vim ver o estrago que os Filhos do Monge fizeram...

— Quem?

— Um grupo de neonazistas que estão se agrupando em torno de um cara que eles chamam de "nosso Monge"... eles dominam a mente de jovens da periferia, os enchem de ódio... eles fizeram o atentado... eu vou me infiltrar, Johnny, vou implodir esse bando e achar esse "Monge", eu prometi que vou acabar com isso... eles mataram o filho de minha melhor amiga, por que ele queria sair, ele não agüentava mais... o Monge é implacável com a deserção... — disse sério o homem.

— Monge. Neonazistas. Você vai precisar de ajuda, Tocha, e eu vou te ajudar...

Pela manhã, dia seguinte, num prédio de luxo, em Wall Street, dois rapazes saem do elevador, cabeças raspadas, roupas negras. Um parece mais velho e vai na frente, o mais jovem o segue olhando tudo em volta.

— É aqui que ele mora? — perguntou o jovem.

— Que cê achava? Que ele morava no esgoto? — ele faz um sinal de "você é maluco" para o outro — O cara é o topo da raça, alugou todo o andar, mais a cobertura, ele não aceita o que todo lixo de gente diz para ele, ele manda ver, ele deixa o tipo de lixo que você vive pros pretos, pros "latinlixos" e pras bichas! Cê não sabe, mas ele vai te ensinar a ser o "cara"!

— Vamos entrar então... — disse entusiasmado o mais novo.

— Espera! Cê fez a tattoo? — o que parecia mais velho pôs o outro contra a parede.

— É cara a cruz! — o menino acuado mostrou o antebraço, onde estava desenhado a suástica nazista banhada de sangue.

O mais velho bateu a porta de um jeito diferente e quem abriu o reconheceu, os que estavam do lado de fora fizeram uma saudação nazista, correspondido pelo porteiro.

— Cê chegou numa boa hora! Hoje o Monge tá feliz com o trabalho que a gente fez! — disse o porteiro, enquanto os dois entraram e a porta se fechou.

No elevador, os dois Tochas desceram do alçapão, vestidos como os skinheads, eles espreitam e caminham até a porta, batem a porta da mesma forma que viram, fazem o sinal, o porteiro não os reconhece, mas sem questionar, deixa-os entrar.

O interior é grandioso, aristocrático, há uma escada no lado direito que termina num mezanino, e dele cai uma grande flâmula vermelha com a suástica, no fundo uma grande janela, fechada atrás de uma cortina grossa e também vermelha, não há muitos móveis, mas os poucos que há, estão tomados por velas e candelabros, que são as únicas fontes de luz daquele interior.

Há muita gente dentro do apartamento e também sobre o mezanino. Há grupos distintos, com cabeças raspadas, com cabelos moicanos e pele claríssima. Há os que se vestem com trajes típicos dos nazistas da década de quarenta, inclusive portando suas armas, mas a maioria vestida de couro negro e empunhando tacos de beisebol. Alguns estão encostados nas paredes usando drogas, num canto esquerdo tem um aparelho de TV enorme, passando filmes de execuções e torturas, os homens que os assistem riem. Há pouquíssimas mulheres. Johnny viu apenas uma; mas Jim já contou seis, todas vestindo saias e sempre aparecem servindo algo. Para completar o ambiente, um rock pesado, um gênero chamado "oi!", cantado em alemão. A voz dos discursos de Hitler é ouvida em todo canto, paralelamente.

Subitamente, a música cessa, e uma sirene soa baixo, todos em silêncio formam filas indianas no centro da grande sala, Jim e Johnny entram em fila também. Eis que surge um homem vestido de sobretudo nazista, com muitas medalhas no peito e a suástica no braço, do sobretudo sai um capuz que lhe cobre a cabeça e deixa uma sombra sobre o rosto.

Hail, Monge! Hail, Hitler! — gritam todos em coro, todos erguem os braços direitos, menos os Tochas.

Salve o povo ariano! Salve a limpeza genética! Salve o sonho de um país limpo e livre! — a cada invocação do Monge, o grupo respondia "salve!" — Esta noite libertamos nossa cidade de parte do lixo homossexual! Mas ainda falta muito!

Destruam os negros! Destruam os latinos! Morte aos mutantes! — todos berravam, num grito hediondo!

Eu conheço seus desejos, jovens! Queremos oportunidades! Queremos ter um país só para americanos, um país limpo do entulho que estende-se em nossos quintais, escolas e casas!!! — os olhos do Monge brilhavam, mesmo por debaixo do capuz.

Todos os jovens o saudavam freneticamente. Os Tochas fizeram um sinal de cabeça e saíram da formação. Em êxtase ninguém percebeu, até que eles estavam ladeando o Monge. O Tocha original, do lado direito, embaixo do mezanino, e o jovem Tocha, a esquerda, onde há o grande aparelho de TV.

— Cale essa boca imunda, Monge! — gritou Johnny — Em chamas! — inflamou-se Johnny.

Jim sentia uma grande pressão na cabeça. Ele não podia ter seus sentimentos manipulados, pois era um robô. Mas Johnny já parecia descontrolado.

— Liberte essas crianças, Monge! — Jim tentou adiantar o serviço — Sua sugestão ao ódio, acaba aqui!

Hahaha! Tolo! Eu não dou-lhes ódio! Eu apenas faço crescer dentro deles o que eles tem de mais horrível! Hahaha! Eu me fortaleço! Olhe a sua volta, Tocha, eu tenho todo o poder, e agora sou rico! Eles me dão tudo e até o que nem eles tem! Hehe! Eu sou o mais forte Tocha! — ouvindo isso, o Tocha mais jovem voou sobre o Monge e ao mesmo tempo uma dezena de neonazistas saltaram sobre Jim.

— Tocha! Tira o Monge daqui! — gritou o mais velho, mas o outro não o ouviu.

— Venha Tocha, me dê seu ódio! Me faça feliz como meus sectários! — disse o Monge livrando-se de Johnny e do sobretudo incendiado.

— Você não vai ter nada de mim! Seu monstro! — gritou o Tocha circulando o Monge com fogo.

— Johnny, tome cuidado! O lugar pode pegar fogo e o prédio também! — gritou o Tocha original, aplicando golpes de luta romana nos neonazistas — "Minha sorte é que eu treino luta desde a Segunda Guerra." — registrou mentalmente o velho sintozóide.

Nisso Johnny Storm recebe um golpe de taco de beisebol nas costas, de um jovem skinhead, libertando o Monge de seus laços de fogo. Cercados por um numeroso e beligerante grupo de jovens, Johnny e Jim ficam sem o que fazer. Com a confusão os candelabros caem no chão e juntamente com as labaredas do Tocha espalham calor e fogo por todo o lado. Os jovens nem percebem o que acontece, apenas empunham suas armas e gritam: "morram!", "vermes!" e "lixo genético!". Tudo se incendeia ao fundo o Monge sorri feliz, pois o ódio, a raiva, o medo flui no ar como as chamas na sala.

— Mate-os, meus filhos! Mate-os! — incita-os o Monge, sorridente.

— Johnny... — sussurrou Jim — Queima as armas e eu cuido do fogo! — nisso, o jovem Tocha derrete as pistolas e queima até o toco cada taco, espantando os jovens.

Concentrando-se, o Tocha da Segunda Guerra consegue controlar as chamas telecineticamente. Logo ele as extingue, o Monge para de rir e corre escada acima.

Pega ele, Jim, eu cuido dos moleques! — grita o Tocha, socando a cara de um rapaz que se aproximava.

No andar superior, o Monge tenta, mentalmente, encontrar algum sentimento que possa usar contra o Tocha original, mas não encontra um traço sequer na mente sintética do herói. Mais rápido que o vilão, Jim acerta um golpe de karatê nas costas dele, derrubando-o, mas rastejando ele aproxima-se da janela...

Vou pular!!

Pule, então! Seu tipo de gente não tem conserto. — o Monge não encontrando alternativas, pois não tinha controle sobre a mente do velho Tocha, nem teria coragem de pular, tomou a única decisão cabível. Se rendeu.

— Ótimo. — quando o Monge se aproximou, o Tocha lhe aplicou um golpe certeiro no pescoço, fazendo-o desmaiar, para que não pudesse usar seus dons novamente.

Nos minutos seguintes, cada um dos jovens voltavam a si e iam embora. Era estranho, cada um tinha uma história, mas no fundo todas eram muito similares. A do filho falecido da amiga de Jim: um jovem sem perspectiva, que estudava numa escola ruim, num bairro maltrapilho, tinha pais e mães que ralavam muito mas que ganhavam uma mixaria, tinham amigos fúteis... Nenhum daqueles jovens tinham sonhos, nem futuro. Ou pior não tinham futuro com que sonhar.

Horas depois, no corredor do hospital Saint Paul, Johnny e Jim esperam Alie receber alta.

— O Monge foi para Arkham. — disse o Tocha mais jovem.

— Os garotos foram para casa... espero que decidam guardar o ódio e fomentar a coragem e esperança. — disse o mais velho.

— Teve um momento em que achei que ele ia me vencer, mas então busquei lá no fundo um de compaixão. E no fim acho que eles me ouviram, se não teriam me matado.

— É... tem muito sobre a natureza humana para a gente descobrir... imagine para mim, Johnny. — disse sorridente o sintozóide — Ei, guri, lá vem ela. — apontou.

— Alie! Você está bem? — perguntou, Johnny, abraçando-a.

— Um braço quebrado e uns arranhões... nem parece que fiquei duas horas me arrumando para te ver! — disse a sorridente menina — No fim achei que você ia me deixar aqui, quando acordei e você não estava.

— Nós estávamos acabando com o cara que fez tudo isso... — disse Johnny apontando para o amigo, Jim.

— Eu sei, uma amiga de vocês me disse tudinho... — apontou para Gil, amiga de Jim, que viera visitar a amiga de Johnny — Ela me contou do filho dela, do monge e que Jim é o herói da Segunda Guerra, o Tocha original... que barato os dois Tochas juntos! — disse esfuziante.

— É! Ele é o cara... chegou um momento que ele controlou as chamas do apartamento com a mente, dá para acreditar!? — disse Johnny abraçando a amiga, caminhando para a porta de saída. — você ainda vai ter que me ensinar, Jim!

— Pode deixar, tem muita coisa que você precisa aprender... — disse Jim, orgulhoso.

— É você tem que aprender a fazer os bolinhos de chuva que ele faz. — Gil disse sorrindo.

— É Johnny! Você faz os bolinhos e me convida para ir comer, lá no Four Freedoms! — disse Alie.

— Jim, que tal enfrentar o Monge de novo, porque essas duas são fogo!



 
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