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Capitão América - Origens # 05

Por Octavio Aragão

O Resgate do Soldado Ross

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Local não especificado, junho de 1938.

Mãe, como vão todos por aí?

Estou bem, mas apenas fisicamente. Jamais pensei que veria algo parecido com o que vivencio desde que me alistei. Ontem, por exemplo, parti em missão com dois companheiros impossíveis. Eles são como água e óleo, ou melhor, como água e fogo, mas valorosos apesar de suas diferenças e idiossincrasias.

Falando em idiossincrasias, como está papai? Por favor, diga a ele que tomei a decisão correta e jamais serei como antes, indisciplinado e teimoso. A raiva, velha companheira, já me abandonou há tempos, creio que a expeli com o suor durante o treinamento e substituí por um tipo de intensidade, algo que não sei descrever, um sentimento de pertencer a algo maior que eu, como se minha pessoa não importasse, com se eu fosse muitos e não apenas um menino de New Jersey, aleijado e ressentido. Mãe, a senhora não faz idéia. Nosso país é um celeiro de talentos e armas, algumas hibernantes, outras nem tanto. Poderes além do que Hollywood é capaz de nos fazer sonhar.

Estou empolgado, falo demais. Infelizmente, não posso revelar tudo que faço por aqui, apesar de certos detalhes me preocuparem e muitas vezes servirem de inspiração para pesadelos. Uma coisa é certa: depois de ontem, não serei mais o mesmo. Deixei de ser recruta e tornei-me... não sei bem, talvez um soldado, mas intuo que sou muito mais que isso.

Beijos em todos, menos no Mike, pois já está um homenzinho e não é afeito a essas demonstrações. E, por favor, diga ao papai que o amo (mas não tanto quanto à senhora).

Steve

Os dentes do soldado alemão se confundiram com os flocos de neve enquanto as gotas de sangue criavam um contraponto. Por cima do ombro direito, Rogers viu Namor levantar dois inimigos sobre a cabeça e arremessá-los a uma distância de dez metros, de encontro a um dos pequenos e estranhos automóveis que os alemães usavam para locomoção em campo. O carrinho arredondado capotou duas vezes e seus ocupantes permaneceram imóveis por toda a refrega, assim como os projéteis humanos.

Acima, uma onda de calor varreu os últimos seis soldados, carbonizando-os. Foi tão intenso que os homens nem gritaram. Consumiram-se e pronto. A neve virou uma poça fumegante e Rogers pensou que o tal robô de Horton estava longe da perfeição.

Mas isso não importava. O principal era que apenas três deles dizimaram a tropa alemã em menos de dois minutos. Dirigiu-se àquele que havia derrubado com um murro e sacudiu até o sujeito acordar.

— Onde está o prisioneiro?

— Lá dentro.

Namor deu-lhe um tapa na nuca.

— Isso nós sabemos, verme. Lá dentro onde?

— Na solitária.

De acordo com a planta baixa que receberam de Elisabeth Ross, colega de Gale no serviço secreto, a embaixada germânica em Madri era uma versão modesta do labirinto de Creta. Fazia sentido, afinal estavam na terra das touradas. A missão é que era absolutamente sem sentido. Os três deveriam invadir a Espanha, que nem estava em guerra com os Estados Unidos, para resgatar três soldados americanos acusados de espionagem e que estariam sendo torturados pelos nazistas. De uma hora para outra, por algum motivo insondável para Rogers, aqueles rapazes tinham de ser resgatados a qualquer custo, forçando o exército a organizar uma viagem às pressas e um desembarque improvisado com a ajuda de guerrilheiros que lutaram contra Franco anos antes. A chegada a Madri só não foi um desastre porque Namor, antecipando o incêndio que aconteceria no aeroporto, deu um murro tão forte no robô de Horton que desativou alguma coisa lá dentro e deixou o andróide afásico e sem chamas por um dia inteiro. Por outro lado, manter o próprio Namor sob controle foi um desafio para Rogers, que tinha dificuldades em convencê-lo que deveria haver algum sentido em tudo aquilo. O fato de Elisabeth Ross ser irmã de um dos prisioneiros talvez tivesse algo a ver com a urgência e, de qualquer maneira, seria uma bela missão quase suicida para treinar o trio de invasores.

Mas o bom soldado não questiona, age. Em plena invasão da embaixada alemã, Rogers retirou o rádio portátil que trazia na mochila, pensando em contatar o agente que deveria tê-los recebido no alvo antes do ataque, mas foi interrompido por uma voz inesperada.

— Já estou aqui. Largue essa coisa e vamos entrar antes que outros alemães apareçam.

O sujeito ombreava com Namor, mas longe da alvura pisciana do anfíbio, o Agente Selvagem era cor de cobre, como se tivesse passado a vida sob o sol. Uma cicatriz que nascia no couro cabeludo e atravessava a testa até o supercílio esquerdo contrastava com os tons acobreados e apontava para os olhos cinza, frios como a lâmina que balançava em seu cinto de couro cru. As roupas folgadas não escondiam a musculatura e Rogers pensou que, mesmo com seu treinamento militar, teria problemas caso precisasse imobilizá-lo.

Bateu continência.

— Sou o Capitão Ro...

— Rogers, eu sei. — disse o Agente Selvagem — Esperem aqui enquanto entro e resolvo o problema.

— Ninguém diz a Namor Primeiro o que fazer.

— Eu não falava com você, mas se quiser pode tentar me acompanhar.

O estranho livrou-se da camisa cáqui e das botas para invadir a embaixada. Rogers resolveu que deveria seguir o Agente Selvagem, pois dois cabeças-quentes poriam aquele arremedo de missão a pique por maior que fosse o poder envolvido.

— Eu vou. — disse, e correu para emparelhar com o inglês. Pensar na nacionalidade do Selvagem era curioso, pois mesmo sabendo que se tratava de um agente britânico, seu sotaque afrancesado causava um certo incômodo.

Ambos entraram sorrateiros no covil do lobo, mas enquanto Steve desviava das balas, o Selvagem rosnava e corria de encontro aos disparos, sem receio de ser atingido. Alguns até rasparam seu ombro esquerdo e a perna direita, mas nada parecia frenar seu avanço. Enquanto Rogers imaginava que funcionaria melhor em campo se possuísse algum artefato que protegesse seu lado esquerdo durante um ataque frontal, o Selvagem, munido apenas de uma grande e antiga faca de caça, pulava de soldado em soldado, executando um balé onde a lâmina entrava e saía de pescoços e barrigas, desenhando um mapa do inferno nas paredes cor de marfim. Rogers parou de contabilizar as baixas inimigas quando seu colega passou de quarenta.

— Se matar a todos — gritou — como vamos localizar os prisioneiros?

O Selvagem o encarou por meio segundo, mas foi o suficiente para Rogers perceber que não estava falando com um homem naquele momento, mas com alguma coisa que, apesar de não ser mais animal, ainda não era humana. O argumento, porém, causou o efeito desejado. O Selvagem agarrou um soldado pela cabeça, apertando-a sobre o braço direito até dar a impressão que os olhos do alemão saltariam das órbitas.

Wo sind die amerikaner? — rosnou no ouvido do cativo.

Die Gefangenen sind in Zimmer 161! — respondeu o sargento, último sobrevivente da tropa de guarnição.

O Selvagem encarou Rogers e perguntou:

— Satisfeito?

E, antes que o soldado americano pudesse impedir, a lâmina afundou no pescoço do prisioneiro, manchando de sangue fresco o rosto do inglês. O olhos acinzentados, contrastando com o vermelho, pareciam brilhar como pedras de gelo sujo e, com um grunhido, o Agente Selvagem largou o corpo como quem se desfaz de um saco de lixo. Rogers não sabia o que o horrorizava mais, se a morte do soldado ou o fato do Selvagem ter, com as costas das mãos, experimentado o sangue da vítima.

Ao chegarem à porta da cela 161, o britânico colou o ouvido à porta de ferro.

— Seis soldados e três prisioneiros, — sussurrou — sendo que dois provavelmente não têm mais que um dia de vida. Recomendo que você fique aqui e me dê cobertura.

Rogers concordou com a cabeça, tirou do cinto um pouco de explosivo plástico e detonou a porta. O Selvagem aproveitou a poeira e adentrou a cela, saindo um minuto depois, carregando nos ombros dois rapazes, um desacordado, que, de acordo com o prontuário da missão, era o soldado James Barnes, e outro com os olhos arregalados, visivelmente em choque.

— E o terceiro? — perguntou Rogers.

— Não sobreviveu à explosão. — respondeu o Selvagem. Mas uma olhada para o semblante do jovem Thaddeus Ross contava outra história.

Do lado de fora da embaixada, o inferno mapeado lá dentro tomava forma. Enquanto Namor dizimava soldados alemães, o robô de Horton incendiava o entorno.

— O que diabos atrasou vocês? — gritou Namor — Esse robô idiota vai acabar matando a todos nós! Ele está evaporando toda a umidade do ar e drenando minhas forças, mas os alemães não param de chegar.

O Selvagem, ainda carregando os dois soldados, girou a cabeça, analisou o ambiente e falou:

— Ali, para o esgoto. — e, atirando longe a tampa de metal, mergulhou. O soldado Ross, saindo de sua letargia, buscou Rogers com as mãos e gritou:

— Pelo amor de Deus, não me deixe sozinho com esse monstro!

Mas as últimas sílabas se perderam na escuridão.


No próximo episódio: Os Invasores fogem do inferno, o soldado Barnes mostra serviço e a primeira aparição da arma secreta de Hitler: Johann Schmidt, o Caveira Vermelha.




 
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