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Por
Dell Freire
Sublimatio
Stephen Strange murmura
algumas palavras que o levam a um transe auto-hipnótico
e suas mãos e pernas calculadamente levam o seu corpo a
realizar a posição de flor de lótus, comumente
praticada em Yoga; vagarosamente, sua magia purifica seu corpo,
retira toda a densidade e impurezas comuns e Strange começa
a levitar em sentido vertical.
À sua frente, o Apocryphon se abre diante das intenções
mágicas do Mago Supremo. "Este livro deve ser fascinante",
reflete Strange. "Não sei até que ponto se
apresenta como perigo ou como um desafio lançado pelos
nossos Superiores Desconhecidos" (**)
O ambiente do quarto em que está hospedado ganha um natural
perfume de incenso e esferas de diversas cores começam
a levitar, cada uma representando as forças dos elementares
e os pontos cardeais. "Há uma necessidade de se conhecer
o inimigo para poder enfrentá-lo e, diante desse axioma,
não tenho mais nada a fazer a não ser procurar a
resposta, mesmo que seja sozinho."
Nesse instante, firmes e repetidas batidas na porta são
ouvidas por ele. Ele não move um músculo.
Deixa de ser maneiroso, porra! Sabe que eu quero falar
contigo!
"Constantine!" Descomposto com a interrupção
brusca, Strange relaxa os músculos e abre as mãos,
fazendo seu corpo retornar ao chão. Após encerrar
a levitação, ele se dirige até a porta para
abrí-la.
O que quer? o Doutor ajeita as mangas de seu uniforme,
virando as costas para o outro Pensei que tivéssemos
chegado ao final de nosso objetivo.
Nah... o tom de voz do britânico é um
pouco pastoso Ainda quero trocar umas idéias contigo,
velho.
Constantine, você está bêbado; não
acho que seja o melhor momento para falarmos sobre o que quer
que seja. Não jogue nossa amistosa convivência até
o momento para o alto.
Cadê o livro?
Aqui com um gesto, Strange chama o volume para suas
mãos Estava para decifrá-lo quando você
me fez o favor de interromper.
John Constantine retira o seu isqueiro Zippo, que possui a figura
da serpente Ourobouros cravado nele, e o acende, fazendo aparecer
uma pequena chama bruxuleante.
Quer ter a honra? o sorriso do inglês é
largo.
Entre e feche a porta pede o ex-médico.
Não sem antes acender um dos seus intermináveis
cigarros, Constantine atende ao pedido do outro; quando se vira,
Stephen Strange está sentado com sua habitual roupa de
Mago Supremo, olhos fixos nele. Mal contém uma gargalhada;
não seria hoje nem nunca que iria se acostumar com as roupas
carnavalescas de mais da metade de seus aliados. "E olha
que o cara está até discreto hoje..." observa
consigo mesmo o inglês.
Eu tomei uma atitude e gostaria de lhe comunicar.
as mãos de Stephen Strange estão fechadas e os dedos
indicadores um pouco abaixo dos lábios Não
irei destruir esse livro, exatamente pelo que representa para
toda a humanidade; mas também não irei expor o seu
conteúdo para ninguém. Penso que ele deve ser devidamente
estudado e catalogado para possível referência e
que essa é uma oportunidade única que me dou o direito
de ter. Minhas mãos são seguras e responsáveis
o suficiente para lê-lo.
Constantine se recosta um pouco na parede, o cigarro movendo-se
para cima e para baixo na boca.
Ah, tá! E pelo que entendi isso não foi exatamente
uma consulta; você já tomou essa decisão.
Exatamente responde Strange, impassível.
Sabe, por um minuto pensei que você fosse diferente
da maioria. O olhar do inglês o fuzila e, em seguida,
seu sorriso cínico se abre Mas é sempre a
mesma merda: mais um mago fodão pronto para colocar o mundo
sob a sua capa dizendo o que ele precisa.
Não jogue comigo. o Mago Supremo é
direto Sobre mim, a influência de sua oratória
é totalmente nula. E, pelo que pude perceber, muito das
suas experiências são mais direcionadas ao Microcosmo;
sua visão de mundo é rasa, periférica e pouco
ligada ao Macrocosmo. Alguns momentos com meus amigos da Liga
da Justiça (***) poderiam mudar isso...
Foda-se a Liga! ele passa as mãos
sobre os cabelos louros Não me venha com esse papo
protecionista de que estamos aqui para salvar a porra do mundo!
Sem querer bater de frente com a sua retórica digna
de um gentleman, o mundo oculto não é tão
simples como parece. Ele precisa de alguém que sustente
todo o seu organograma, toda a sua estrutura mágica; qualquer
coisa que escape pode ser tão perigoso quanto uma pequena
fissura em uma represa. Tudo deve ser conhecido!
O Doutor Estranho se levanta, a voz tranqüila causando uma
certa irritação em Constantine, e prossegue enquanto
caminha em direção à janela.
O Sol é umas das maiores forças da natureza
e, para que ele não destruísse nossos antepassados,
o deus Set precisou surgir de dentro dele, trazendo a inundação
das águas do Nilo para fertilizar a terra e trazer liberdade
a seu povo. ele se vira para seu interlocutor, sem perder
a calma Eu sou Set se erguendo dentro do Sol, Constantine.
Eu sou aquele que fertiliza para o plantio e sabe o que vai chegar
na colheita. E, por isso, não posso fugir às minhas
responsabilidades.
Muito conveniente. o outro balança a cabeça
tristemente Muito mesmo. A porcaria toda, Strange, é
que nem você e nem ninguém chega ao controle de tudo.
Não me importo com o poder do Apocryphon e nem vou usá-lo
em uma equação mágica que proteja o mundo;
mas não quero e nem vou deixar que a sua arrogância
traga mais destruição. Se Cristo ou o próprio
Demônio vissem o número de mortos que suas briguinhas
causaram, ficariam envergonhados!
Então, pelo que vejo, seu discurso todo é
uma fachada. Você quer, tanto quanto eu, salvar o mundo.
Mesmo que seja à sua maneira, é o que você
também deseja.
Constantine, com fúria, faz um gesto obsceno.
Foda-se o mundo, Strange! Eu não quero salvá-lo!
Eu quero salvar o homem, o indivíduo ou, como você
gosta de vomitar, a porra do Microcosmo. Eu sou a grande Babalon,
a grande puta do Novo Aeon que dança e cavalga na Besta
querendo mudança! Não tenho nenhuma virtude estéril
pra salvar essa desgraça de mundo. Se for preciso beber
o sangue dos santos pra garantir a minha sagrada Vontade de trepar
e gozar, eu o farei!
Nós somos forças antagônicas
Strange põe as duas mãos espalmadas sobre a mesa,
o livro entre os dois magos, o olhar fixo sobre Constantine.
Não tenha a mínima dúvida disso!
o inglês de sobretudo retira o cigarro da boca e, com ele
ainda aceso, o usa para queimar a mão direita do Mago Supremo.
Arghhhhhhhhh! em um ato rápido, Strange
segura a mão ferida Já domei demônios
mais fortes que você no Inferno! Não abuse de minha
paciência.
Tente me ensinar das tuas coisas, Strange... Que a vida
é séria e a guerra é dura... Mas se não
puder, cale essa boca! (****)
De repente, duas risadas sobrenaturais dominam o ambiente.
Chamando demônios do Inferno pra me pegar, Doutor
Estranho?
Não existe Inferno maior que o nosso inconsciente,
Constantine; mas essas vozes não vêm de lá.
A porta se abre, deixando os dois magos de sobreaviso para uma
eventual ameaça sobrenatural; as vozes se tornam mais próximas
e parecem conversar animadamente. O espírito do Ancião,
o velho mestre de Strange morto há anos, surge ladeado
por um jovem pré-adolescente cheio de vigor mágico
conhecido como Tim Hunter. Como espíritos traquinas, cada
um aponta para seu amigo correspondente, em meio a risadas.
O Careta. o Ancião aponta para Stephen Strange.
E o Vagabundo! aponta Tim Hunter para John Constantine
Eu não poderia perder um momento como esse.
O ego de vocês dois consegue ser maior do que a minha
paciência e do que a insegurança desse jovem promissor.
um Ancião ligeiramente preocupado resolve pôr
um pouco de ordem na situação Mas, ao menos,
esse jovem está na idade para o aprendizado; o mesmo não
digo de vocês, homens orgulhosos.
De que museu tirou essa peça, Tim? pergunta
Constantine.
Com um estalo de dedos, o corpo astral do Ancião joga o
homem de sobretudo contra a parede de forma violenta e ele, com
um palavrão, resolve não fazer novas provocações.
Basta eu te abandonar por alguns anos, Stephen, e começa
a andar com más companhias...
É um prazer revê-lo, senhor.
Apesar do momento não ser dos mais oportunos e
olhando furiosamente para Constantine as companhias não
serem das mais agradáveis, achei por bem intervir nesse
processo.
E ele? o Doutor Estranho se inquieta com a presença
de Hunter.
É um prazer também te conhecer, Doutor...
o jovem mago ajeita os óculos e depois cruza os
braços E, por favor, você e o John poderiam
parar de discutir pra gente resolver isso logo. Ainda tenho que
estudar pra uma prova de biologia e uma de ele faz uma
careta geometria...
Pitágoras era um grande mago. o Ancião
diz para o menino.
Não vem com essa! Hunter balança a
cabeça negativamente se o destino do mundo depender
de meus dons matemáticos, é bom que a gente se prepare
pro Apocalipse.
Não estamos longe disso, Tim. suspira o Ancião
Pode me explicar o que você pretendia abrindo o livro,
Stephen??!!
É minha responsabilidade...
Não recomece, por favor. o Ancião
levanta a mão direita Você e esse ser desprezível
de sobretudo ainda têm muito o que aprender em seus caminhos
e uma dessas coisas é de que o Apocryphon não é
para ser profanado com a leitura e muito menos destruído.
Ele é pra ser vivido por quem é de direito.
afirma o garoto.
Viram? Até um rapazinho como ele já entendeu
tudo...
O livro levita até as mãos do velho mago.
Eu e o jovem Hunter ainda temos muito o que conversar com
vocês dois; sabemos como são turrões e só
entenderão o que dissermos depois de muita conversa. Caso
contrário, como todos os outros amigos de vocês também
fizeram, irão se servir do livro e não serví-lo.
Conversaremos, os quatro, sobre isso no jantar de hoje à
noite. E, até lá, o livro ficará sob nossos
cuidados.
O velho e o menino vão saindo, quando o Ancião se
vira, dirigindo-se a Constantine.
E você, por favor, dê um jeito de fazer um
bom e forte gargarejo! Ao contrário do que possa pensar,
espíritos não tem o hábito de dialogar com
pessoas fedendo à álcool!
Em um pequeno restaurante
em Louisiana, John Constantine e Stephen Strange esperam seus
dois amigos.
Está inclinado a fazer o jogo deles, não
é, Stephen?
Não. Estou inclinado a respeitar o ponto de vista
de alguém que me ensinou tudo o que sei. Você deveria
fazer o mesmo.
Por quê? A única coisa que devo àquele
ectoplasma engraçadinho é uma tremenda dor nas costas.
Constantine endireita a coluna Sob hipótese
alguma vou fazer o seu jogo e de tantos outros que querem ser
os vigilantes cósmicos do Universo e que estão pouco
se fudendo pras liberdades individuais.
Se o que você chama de liberdades...
Não! De novo não! Tim Hunter aparece
dando um tapa de insatisfação na própria
testa e com o Apocryphon debaixo do braço Vocês
não cansam nunca de discutir?
Onde está o Matusalém? pergunta o
inglês.
Eu ouvi isso, Constantine! responde o Ancião
que surge de repente.
O antigo instrutor de Strange usa um pequeno feitiço que,
aos olhos dos outros, faz com que pareça um ser vivo vestindo
um terno e uma calça bem cortada; o próprio Doutor
Estranho, ainda com sua habitual vestimenta de trabalho, também
usa do mesmo feitiço. Hunter e Constantine, informais como
sempre, não usam de nenhum subterfúgio semelhante.
O que vocês dois querem tanto conversar?
Acalmem-se os dois e bebam um pouco mais desse vinho
responde um Ancião um pouco mais animado do que na noite
anterior .
Senhor, gostaria de lembrá-lo de que eu não
bebo há... a cabeça de Stephen Strange começa
a latejar um pouco Apenas pedi... um suco... e...
Algum problema, Stephen? pergunta o Ancião
Espero que sua bebida não esteja estragada.
Nesse momento, Constantine segura firmemente o braço de
Tim Hunter.
Moleque... eu tô ficando mais zonzo... do que na
minha última bebedeira... Alguém colocou drogas...
nas...
Sim. Tim Hunter sorri, travesso E foi bastante
caro subornar o cara pra fazer isso.
Filhos da ...
Pouco antes de desmaiar, o mago inglês começa a tentar
puxar o livro para si, mas seu corpo está começando
a não responder aos seus comandos; ao seu lado, Strange
está surpreso e totalmente zonzo. A última visão
de Stephen é o sorriso largo e enigmático do Ancião,
seu rosto envelhecido começando a girar diante do Mago
Supremo. Gradativamente, a perda da consciência chega para
Constantine e o Doutor Estranho tão direta e sombria como
a escuridão.
A ausência
total de luz no estábulo torna o despertar dos dois magos
um pouco menos incômodo.
Onde estamos, Constantine? o ex-médico levanta-se,
com fortes dores na cabeça.
Não sei...
Em um reflexo natural, o britânico busca seu isqueiro, mas
sem sucesso.
Mas que porra...? para sua surpresa, suas roupas
estão completamente diferentes.
Por Vishanti, não estamos mais em nossa época!
as roupas de Stephen Strange também não são
mais as mesmas, se aproximando da vestimenta do início
da Era Cristã.
O barulho fora do estábulo parece uma festa, com instrumentos
musicais, danças e cantoria; as conversas são feitas
em voz alta e as risadas demonstram puro prazer.
Vamos sair. Stephen Strange não vê
outra hipótese e seu aliado não se opõe.
Em meio às festividades que parecem ser uma mistura entre
o sagrado e o profano, os dois homens fora de sua época
caminham entre o povo. O Doutor Estranho mostra-se curioso com
relação a tudo que vê e Constantine mantém
um ar de total indiferença. Ambos parecem esperar ainda
tentando se adaptar à situação.
Trinta dinheiros... Não menos do que trinta dinheiros...
um homem sussurra para outro, enquanto os dois magos passam,
mas Constantine consegue ouví-lo perfeitamente.
Tem sempre um espírito de porco pra melar tudo,
não é, Stephen, meu velho?
Gostaria de ter o mesmo ar blasé que você,
Constantine.
Treina, meu velho, treina que um dia tu consegue.
Aparentemente percebeu onde estamos?
Num pesadelo? Ou isso ou acabaram de inventar uma Disneylândia
bíblica...
Um pequeno homem velho e sujo consegue segurar um barril de vinho
maior do que ele. Seu bigode e seus cabelos acinzentados fazem
um contraste com sua pele morena e seus traços marcadamente
árabes; parece estar agitado.
Vocês dois... forasteiros... venham comigo... Ele
quer vocês... ao seu lado...
Mas quem...?
Vamos, Stephen! O que temos a perder?
Ambos seguem o pequeno homem que se esforça para falar
e guiá-los ao mesmo tempo no meio da multidão.
Ali. Ele está logo ali... venham...
O homem apontado pelo árabe bate palmas acompanhando o
ritmo da música ao lado de uma linda mulher que possui
alguns traços da raça negra; na verdade, o tal homem
com quem Strange e Constantine deveriam se encontrar é
um judeu apenas um pouco menos moreno do que ela e possui uma
barba espessa, um nariz levemente adunco, cabelos curtos e um
pouco crespos, sombrancelhas cerradas e um olhar firme que ora
se concentra nas festividades, ora se concentra na aproximação
dos forasteiros.
Senhor, eis mais um pouco de vinho.
Ó, meu grande amigo Raful, sempre o mais atencioso
e verdadeiro dos amigos.
Bondade sua, senhor. Na verdade, esse velho árabe
não faz mais do que a obrigação em ser gentil
com os mais moços. ele se lembra dos dois homens
que o ladeiam Ah, trouxe os forasteiros com quem gostaria
de conversar.
Grato, Raful. Vamos, sentem-se. Sintam-se em casa, meus
meninos. o sorriso largo do homem que parece ser o anfitrião
logo é preenchido por um rápido beijo de sua mulher
que se afastou para deixá-lo a sós.
Maria é a mais doce das mulheres. ele enche
uma taça de vinho e pega um pedaço de carneiro assado
embebido em molho Querem vinho?
Não, obrigado... recusa Strange.
Ainda chateados com o menino? sorri o judeu, fazendo
uma referência a Tim.
Ah, mas então você está por dentro
da jogada! diante da mesa, Constantine não se faz
de rogado. Pega um pedaço de pão, uma coxa de frango
e uma taça. Ele estica o braço para que o Judeu
possa enchê-la.
Na verdade, digamos que tanto o garoto como o velho atenderam
a um pedido meu... o homem enche a taça até
a borda Parece que vocês dois querem se apropriar
de algo pelo qual sou responsável.
Por que escrever um Apocryphon? Por que não destruí-lo?
Stephen, eu pedi para que alguém o destruísse.
ele olha de lado para sua mulher que se mantém a
alguns metros dele Mas parece que não fui atendido...
Peça algo para uma mulher e ela fará justamente
o contrário, homem. Constantine parece saborear
muito o vinho e, bastante à vontade, arrota.
Por Vishanti, perdoe-o por...
Acalme-se, Stephen. sorri o Judeu O vinho
é realmente um dos melhores de toda a região.
Pegando a própria taça, o Judeu brinda com John
Constantine.
Pelo visto Stephen retoma o assunto é
de seu desejo ver o livrodestruído.
Originalmente, sim. Mas agora é tarde demais. Compreenda
que, mesmo na minha posição, ou mesmo por ela, não
haveria outra forma de guardar minhas sensações
do que em um diário. Há tradições
muito antigas que me recomendavam isso. Porém, confesso,
errei em deixá-lo em mãos erradas.
Grandes amigos meus e do Estranho queriam despertar o Outro
e obrigá-lo a servi-lo afirma Constantine.
Tolice. Esses não entenderam nada! Nada!
o Judeu fica ligeiramente furioso Não tenho
um irmão gêmeo, um Outro todo-poderoso que irá
aparecer como um djinn (*****) que irá satisfazer os desejos
de alguém. Apenas indiquei, em meu diário, que todo
homem e toda mulher, por mais humilde que seja, possui
dentro de si um Outro mais poderoso, mais forte, um verdadeiro
mago, um deus poderoso que pode e deve realizar os seus desejos
e de seus irmãos.
Não existe Deus senão o próprio homem.
afirma Constantine.
De certa forma, sim o olhar do Judeu se torna distante
Parece incrível, mas eu sabia as múltiplas
visões que todo o meu esforço iria causar. E sabia
que minha palavra seria deturpada pelas diversas religiões
fundadas em meu nome, desenvolvendo no homem a submissão
aos conceitos e às morais vigentes e à ordem política
estabelecida, matando assim o Outro que existe em cada um de nós.
A magia ficou em segundo plano. afirma Stephen,
cuidadosamente.
Definitivamente, ficou. o olhar apaixonado do Judeu
repousa sobre as formas insinuantes de Maria E sem magia
não estaríamos aqui conversando. Se cada um manifestar
o poder que existe dentro de si, isso irá salvá-los;
caso contrário, se for represado, isso os matará.
Mas Peixes e Virgem não poderão oferecer
isso; estou enganado? questiona o Doutor Estranho, referindo-se
as representações zodiacais da mitologia cristã.
Não irão. o Judeu se mostra mais tranqüilo
É hora de abandonar a velha era de Peixes e Virgem
e ver que nosso esplendor está na nossa verdadeira forma:
Aquário e Leão.
Babalon e a Besta Therion. A Bela e a Fera. Constantine
começa a ficar embriagado pela conversa e pelo vinho e
faz suas habituais intervenções Um absurdo
atrás de outro absurdo!
Sim, John. Mas a verdadeira fé é crer no
absurdo afirma o Judeu.
Então não podemos nos aprofundar nos mistérios
do livro, pois ainda não está ao nosso alcance.
afirma o Doutor Estranho Nem podemos desistir e
queimá-lo por nos acharmos diante de algo maior do que
nós.
Como disse o garoto, temos que simplesmente viver o livro
completa John.
Exatamente! com um sorriso largo, o Judeu se levanta
e abraça seus novos amigos E não deixem ninguém,
em hipótese alguma, tirar essa oportunidade de vocês!
Meus amigos... Vejo que vocês dois ainda possuem uma longa
estrada pela frente e que são meus gêmeos e meus
verdadeiros companheiros. Examinem a si mesmos para compreender
quem são. Eu sou o conhecimento da Verdade. Se me acompanharem,
ainda que não compreendam, já poderão ser
chamados de aqueles que conhecem a si mesmos. Pois quem não
se conheceu, nada conheceu; mas quem se conheceu alcançou
ao mesmo tempo conhecimento sobre as profundezas de todas as coisas.
Surge uma aura luminosa do corpo do Judeu que começa a
incomodar a vista de John Constantine e Stephen Strange e vai
se transformando em um intenso clarão. Eles se afastam
de seu novo aliado, imaginando que podem ser feridos pela força
do homem à sua frente; seus braços protegem seus
olhos, há uma forte e irresistível sensação
de tontura. Ambos desmaiam.
Quando os dois magos
acordam, estão de posse de suas vestes habituais e encontram-se
no hotel em que estão hospedados em Louisiana.
Putz, que demora! Tim Hunter dá uma risadinha,
ainda com o livro debaixo do braço Será que
exageramos na dose?
Garoto, lembre-me de em uma outra oportunidade eu te dar
o troco, OK? Constantine levanta-se, desorientado, irritado
e confuso E eu não estou brincando.
Deixe de ser rabugento, Constantine. a forma astral
do Ancião levita Certas pessoas não mudam
mesmo.
Senhor, quanto ao livro... Stephen parece um pouco
constrangido Acho que nem eu nem Constantine devemos dizer
o que deve ser feito dele.
Isso. concorda Constantine, acendendo um cigarro.
Finalmente conseguimos a compreensão de vocês.
afirma o Ancião De nada adiantaria se levássemos
o livro e ficassem a nos importunar sobre ele o tempo todo. Esqueçam-no
e jamais irão se separar dele. É a minha recomendação.
Tim Hunter abre a porta para sair, o Apocryphon em suas mãos;
tanto ele quanto o velho demonstram uma cumplicidade que antes
era insuspeitada.
Nós vamos ser os guardiões do Apocryphon
diz o garoto porque o velho e o novo, a morte e
a vida, a tradição e a revolução contêm
a Verdade.
A porta é fechada. John Constantine e o Doutor Estranho
se entreolham; cabe ao último estender a mão em
sinal de conciliação. O mago inglês aceita
o aperto de mão.
Apesar das diferenças, foi uma honra ser seu aliado,
Constantine.
OK, velho. Digo o mesmo. Mas não havia como não
termos nossas diferenças. Eu nasci em meio às ruas,
cresci em meio aos trabalhadores e vi nascer o movimento punk;
diferente de você, um ricaço, eu não nasci
com o Olho de Agamotto virado pra lua.
Nesse momento, um livro cai da estante do quarto de hotel com
as páginas viradas para cima e exibindo o horrendo Baphomet
de Mendes, uma imensa figura com pernas e cabeça de bode
que possui seios femininos. Uma das mãos simbolicamente
está virada para cima e a outra para baixo.
Havia um garoto que a Morte levou recentemente e que possuía
uma outra edição deste livro (******). É
um livro de feitiços de quinta categoria. vêm
à mente de Constantine a imagem do corpo do jovem estirado
no chão Curioso que uma cópia dele esteja
aqui e que tenha caído exatamente nessa página.
Sim, meu amigo. Talvez essa figura represente nossas vidas.
Uma apontando para cima e outra para baixo. Uma coagulando e outra
dissolvendo. Uma construindo e o outra destruindo.
Mas eu sei e você sabe que ambas vão dar no
mesmo lugar. complementa Constantine, abrindo a porta do
quarto de hotel e se despedindo do Doutor Estranho fazendo o sinal
de V com uma das mãos.
:: Notas do Autor
(*) Sublimatio, na Alquimia, é o processo transformador
de um conteúdo em imagem. Pode ser compreendido como impulso
espontâneo para dar um sentido espiritual a fatos concretos.
(**) Resgatado por McGregor Mathers, o conceito dos Superiores
Desconhecidos é algo que faz parte do imaginário
de alguns povos do Oriente e do Ocidente. Habitando debaixo da
Terra, vindo de outros planetas, do Inferno ou do Inconsciente,
esses seres seriam os governantes e instrutores do mundo através
de contatos esporádicos com alguns iniciados.
(***) Grupo ao qual o Doutor Estranho está filiado e tem
como objetivo a proteção do Universo.
(****) Essa frase é uma pequena homenagem a Raul Seixas
(in memorian) e seus aliados na construção
do Novo Aeon: Frater Parzival (in memorian), Frater Áster
(onde quer que esteja) e Frater Lúcifer (que decepcionou
a todos eles).
(*****) Gênio da lâmpada para os povos árabes.
(******) Durante
a segunda edição
desta mini-série.
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