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Por
Lucio Luiz
Go To Work, Bum!
O desemprego assola o país. Até para se conseguir uma vaga de gari, há filas com centenas de candidatos. Mesmo uma mulher bonita como Beatriz da Costa, a ex-heroína Fogo, encontra alguns obstáculos pelo caminho.
Após recusar um alto cargo na Asigob (Agência Secreta de Informações do Governo Brasileiro) (*), Fogo se vê às voltas com enormes problemas. Sua entrada nos Estados Unidos foi proibida (**) e todo seu dinheiro acabou (***).
Com ajuda de alguns amigos, Fogo conseguiu algumas "boquinhas", mas nada que garantisse carteira assinada e um salário certo no fim do mês. De qualquer forma, o jeito era tentar fazer o que aparecesse pela frente.

Um Big Mac com Coca-Cola e McFritas, dois McLanche Feliz, um com guaraná e outro com Fanta, e três McTortas de maçã. na fila da lanchonete (cujo nome não citaremos para não fazer propaganda gratuita), uma senhora de idade acompanhada por duas crianças remelentas solicita um lanche à atendente.
Tá... um minuto que eu vou digitar... er, um BigMac? Fogo responde. É seu primeiro dia como atendente da lanchonete e ela ainda não está familiarizada com o caixa.
Minha filha, não dá pra ir mais rápido? Eu estou com pressa. Isso é que dá entrar na fila dos "em treinamento".
Calma, minha senhora.
Calma, nada! Cadê o gerente? Quero falar com o gerente!
Pois não? uma jovem vestida diferente dos demais atendentes e com um coque horrível no cabelo surge.
Minha filha, essa moça aqui a coroa aponta para Fogo é uma incompetente. Faz um tempo enorme que eu pedi o lanche de meus netinhos e até agora nada!
Beatriz! a gerente, cujo maior orgulho é estar na foto de "funcionário do mês", vira-se para Fogo Assim não é possível! Você já está com uma longa carreira aqui...
Mas eu entrei hoje...
Entrou há três horas. Isso já é o equivalente a um quarto do período de avaliação para a gerência. Eu me tornei gerente ontem, depois de dois dias de trabalho e já me convidaram para visitar a presidência da empresa amanhã. Isso não é desculpa!
Puxa, quando me falaram do plano de carreira daqui achei que estavam brincando...
Sai do caixa. Eu mesma atenderei essa senhora. Fica lá na frente anotando os pedidos de quem está na fila.
Fogo sai de trás do balcão e assume o posto de uma mulher idosa, anotando os pedidos de quem ainda está na fila. Ela sabe que esse é o último passo antes da demissão, pois não há utilidade alguma nisso, já que todos fazem seus pedidos novamente quando chegam no caixa, ignorando o papelzinho.
O senhor deseja o quê? pergunta Fogo a um senhor de cerca de quarenta anos vestido de maneira formal.
Desejo você.
Desculpe... não entendi.
Uma moça tão bonita como você aqui nessa lanchonete... sabia que poderia ganhar muito mais se viesse trabalhar comigo?
Trabalhar com você? Fogo, desconfiada, tenta entender o que acontece.
Sim. o homem estende um cartão no qual está escrito "Fabbulosy Girl's / as maiores gatas do Centro do Rio / atendimento completo 24 horas / precisa-se de garotas" Por que não me procura depois do expediente?
Após ler o cartão, Fogo irrita-se profundamente e lança um raio de fogo verde exatamente no traseiro do homem. Todas crianças que estavam numa festinha na lanchonete começam a chorar ao ver uma pessoa pegando fogo e correndo de um lado para o outro.
Beatriz! Você está demitida! grita a nova gerente da lanchonete (a anterior acabara de se aposentar por tempo de serviço).

Todos vieram a essa reunião com o propósito de ganhar muito dinheiro. começa a falar um rapaz muito simpático para uma platéia de interessados, entre os quais, Fogo Todos vocês foram convidados por alguém para fazerem parte desse maravilhoso sistema de vendas de porta em porta em forma de pirâmide.
Por favor... Fogo levanta os braços pedindo a palavra.
Perguntas só no final da palestra, tudo bem?
OK, desculpe...
Nesse slide, vocês vêem o senhor Conrado Picles tomando sol na piscina de sua mansão em Alphaville. Ele tornou-se milionário após conquistar muitos pontos em nosso incrível sistema de pirâmide. Nesse outro slide temos o famoso caçador Paulo, cuidando de seu rebanho de morsas selvagens lisboetas. Ele também tornou-se milionário graças...
Peraí! intervém novamente Fogo.
Já vi que a senhorita é impaciente. Pode fazer sua pergunta, então.
Você está dizendo que vamos ficar milionários vendendo esses produtos, correto?
Corretíssimo.
Mas como? O preço desses produtos é gigantesco, o que afasta os consumidores, e, de qualquer forma, a comissão é de menos de 1%!
É simples: após venderem 725 unidades de produtos, vocês ganham uma estrelinha dourada. Após cinco estrelinhas douradas, a pessoa que lhe indicou ganha uma estrelinha prateada. Após dez estrelinhas prateadas, a pessoa que indiciou a pessoa que lhe indicou ganha uma estrelinha adiamantada. Depois de sete estrelinhas adiamantadas, a pessoa que ganhou essa "constelação" começa a receber 5% de tudo que você vender. Depois de mais catorze estrelinhas adiamantadas, essa pessoa ganha uma estrelinha de bronze. Juntando vinte estrelinhas de bronze, ele começa a receber 10% de tudo que você e as pessoas que você convidou para o sistema venderem. Após um curto período de tempo, se você vender duas vezes elevado à sexagésima potência de produtos da classe A e 250 produtos da classe B, você ganha um diploma que lhe garante o recebimento de 15% de todos que você indicar após atingir as estrelinhas azul-cobalto, que vêm na seqüência das estrelinhas de bronz... ei, senhorita! Senhorita! Aonde você está indo tão irritada? Não vá! Volte! Volte!

Tia, posso passar por baixo? um rapaz muito magro, de cerca de 16 anos, tenta viajar no ônibus intermunicipal sem pagar.
Desculpa, colega. responde a nova cobradora, Beatriz da Costa Comecei hoje no emprego e me falaram para não deixar ninguém passar sem pagar.
Pô, tia, mó vacilona! Aí, vou passar e quero ver tu me impedir!
Ai, ai... passa logo, moleque.
Valeu, tia!
E tia é a %$ que te pariu!
A senhorita tem troca pra cinqüenta? fala num tom quase inaudível uma senhora grávida.
Desculpa, amiga, mas não tenho troca pra cin... antes que Fogo concluísse a frase, a mulher tapa sua boca.
Tá maluca, garota? Fala baixo! Num ônibus só se entra com vale-transporte e olhe lá! Se eu estou com essa nota é porque não tive escolha!
Desculpe... mas eu realmente não tenho troco.
Então me deixa passar sem pagar.
Mas aí sai do meu bolso...
Obrigada!
Minha filha... um senhor de 80 anos se aproxima de Fogo antes que ela pudesse reclamar da mulher que acabara de passar sem pagar Me ajuda a contar meu dinheiro, por favor.
Mas, meu senhor, o senhor pode viajar de graça entrando pela porta da frente...
É que eu esqueci meu cartão do idoso, minha filha...
Mas logo se vê que o senhor tem mais de 65 anos. E, além disso, é só mostrar a identidade...
O motorista não deixa, criança. Ele diz que vai perder o emprego se me deixar entrar.
Oras! Um minutinho, meu senhor! Ô motorista! Fogo sai de sua bancadinha e vai ate o motorista, que, distraído, dá a partida sem nem ver que ainda tem gente em pé e entrando.
Após se levantar, Fogo caminha entre os 72 passageiros que se acotovelam em pé no ônibus e se encaminha ao motorista.
Ei, amigo!
Pssssss! o motorista pede silêncio e aponta para a placa "fale ao motorista somente o indispensável".
Você não deixou aquele velho entrar! Isso é sacanagem!
Pssssss!
"Psssss" o cacete! Fogo lança um raio flamejante no assento do motorista, que dá uma freiada brusca, fazendo mais pessoas caírem.
Tá maluca? Tu quase queima meu rabo!
Aquele senhor deveria entrar pela frente!
Que senhor?
Aquel... Fogo olha pra trás a tempo de ver que todas as pessoas que esperavam para pagar passaram pela catraca de graça. Além disso, alguém roubou o dinheiro das passagens já pagas.
Nesse exato momento, o garoto que passou por baixo da roleta saca uma arma e grita:
Todo mundo passa a grana!
Ei, garoto! Fogo chama sua atenção Pára com isso ou te mando pra cadeia!
Qualé, tia? Sou de menor, valeu? O tio Siro Darlan não deixa ninguém me prender!
Deixa o moleque trabalhar em paz! comenta uma senhora nos últimos bancos.
Ele é só uma vítima inocente da sociedade! repreende uma jovem intelectual.
Vamos dar logo o dinheiro antes que ele mate todo mundo! complementa um policial à paisana que está rezando para que o garoto não descubra que ele é policial.
Desisto...

Quanto é o DVD do Garfield? pergunta um adolescente que acabara de sair da faculdade de Direito e passa na frente de uma camelô.
Desculpe, amigo, mas ainda não saiu o DVD desse filme. Acabou de estreiar. Fogo responde amigavelmente diante de sua barraquinha no meio da rua do Ouvidor Na verdade, nem vendo DVD aqui, essas são fitas de vídeo.
Vídeo? Credo... pelo menos tem aí o Shrek 2?
O filme ainda está em cartaz. Não tem em vídeo.
Mas na barraca ali atrás tem até filme que nem chegou no Brasil.
É que é tudo pirata. Eu só vendo aqui fitas verdadeiras.
Interessante... e quanto custa essa aqui da Central do Brasil?
30 reais.
Pô! Eu compro um DVD ali por cinco!
Mas é pirata!
E daí?
Daí que é ilegal!
Ei, dona! intervém o dono da barraca de DVDs piratas, que acabou ouvindo a conversa É pirata, mas de alta qualidade. Tem até som histérico, aí.
É estéreo. E claro que não tem. É só uma cópia vagabunda...
Vagabunda é tu! Tá sacaneando minha mercadoria?
Em primeiro lugar, vagabunda é a senhora sua mãe! Em segundo lugar, tua barraca nem é legalizada. Já eu, fiz um acordo com o dono dessa aqui, que é legalizada na prefeitura, para vender os produt...
O rapa! O rapa! a discussão é interrompida por gritos que informam da presença da polícia.
Tu não vai correr, dona? pergunta o adolescente antes de sair correndo com medo da numerosa força policial.
Mas essa barraca é legalizad...
Antes de terminar a frase, um policial usando um escudo protetor gigantesco e um cassetete também grande derruba as fitas de Fogo no chão.
Ei, cara! Essa barraca é legalizada! Fogo tenta argumentar com o policial.
Tu me chamou de "cara", piranha? responde de forma simpática o oficial da lei, que não deve ter mais do que vinte anos.
Piranha é a mãe!
Tu tá presa por desacato à otoridade!

Depois de passar a noite na delegacia, tentando se enturmar com as demais detentas, Bia é solta. A detenção está superlotada, com 30 presas por metro quadrado, mas ela consegue levar o delegado na conversa. Graças aos poucos reais que ainda restavam em seu bolso, é claro.
Sem dinheiro, sem destino e sem vontade de continuar trabalhando, Fogo senta-se num banco na praça mais próxima e observa as pessoas. Depois de algum tempo, um homem alto, vestido com terno e gravata, aproxima-se dela e diz:
A senhorita conhece Jesus?
Hã?
Jesus lhe ama.
Ah, tá, sei.
Regozije-se da vontade de Jesus, que Ele tudo pode por vós.
Amigo, não leva a mal, respeito tua crença, mas eu quero ficar sozinha.
Mas Jesus nunca a deixará sozinha. Ele sempre caminha a seu lado. Venha, irmã...
Não sou tua irmã. Nem te conheço!
Somos todos irmãos perante Jesus. Pois conforme diz no Livro Sagrado o irmão abre a esmo sua Bíblia "Então sete trombetas soaram"... não era bem isso, mas....
Amém.
Isso, irmã! Dê graças aos céus! o irmão começa a gritar e gesticular Jesus é o nosso salvador! Nos momentos de maior desespero, ele não nos abandona! Nos momentos de martírio, ele está ao nosso lado! Nos momentos de desgr... o jovem rapaz ladrão do ônibus passa correndo e pega a carteira do irmão, que estava no bolso de sua calça Ei, volta aqui, pivete! Devolve minha carteira, seu filho de sat... e vai embora correndo.
Valeu, Jesus. Realmente tu não me abandonaste. conclui Fogo.

Com um caderno de classificados do dia anterior que conseguiu ganhar em uma banca de jornal, Fogo entra na fila do restaurante popular de um real. É certamente o ponto mais baixo de sua carreira de heroína.
Assim que o restaurante abre as portas, as pessoas nos primeiros lugares da fila começam a colocar as mãos nos ouvidos. Fogo observa, uma a uma, as pessoas desmaiando. Correndo para o início da fila, sob protestos de ser "fura-fila", Fogo começa a ouvir uma voz conhecida.
Aí, merrrmão. É isso mêrrrmu, valeu? Ach côisach num pódim piorar, aí.
Fogo sente suas pernas bambas e rapidamente tapa os ouvidos com as mãos. De joelhos, vê três pessoas mascaradas e com tampões de ouvido, mas que ela reconheceria de qualquer maneira: Zé Piolho, Maria Antonieta e Ghybsuino, os três paus-mandados do general Guilherme Kabikituz. Ela os reconhece porque Ghybsuin é um ET todo rosa mas usou uma máscara apenas para esconder os olhos.
Foguinhúúú, quiridha. Num echtá güentandú minha vóchhhh?
Desesperada, Fogo lembra-se do poder mutante de Zé Piolho: derrotar seus adversários graças ao sotaque mortal proferido por suas cordas vocais mutantes e por muito treino para imitar Dado Dollabella e Paulinho Vilhena.
Maria Antonieta, a mutante cearense capaz de cortar cabeças usando a ponta dos dedos, se aproxima de Fogo e a ameaça:
Môn cherrí... força um sotaque francês misturado com seu sotaque nordestino Tu pensou mêmu que a rênti ia te deixar viva depois de ameaçá le grrân general? Tu é uma ameaça.
Eu?... Fogo se esforça para falar Tá doida? Eu nem lembrava... mais de vocês, pô... e não ameacei ninguém...
Vixi... e não é que tu tá certa? Acho que a rênti se confundiu. Mas, quesquê lê fazê, num é? Vamos te matar assim mêmu pra não perder a viagem.
Fogo vê os dedos de Maria Antonieta se aproximarem de sua jugular e tenta uma medida desesperada. Com o pouco de força que lhe resta, lança um raio de fogo verde nas partes baixas de Zé Piolho, que de repente fica com a voz fina e não consegue mais afetar ninguém.
Jogando-se para o lado, Fogo escapa dos dedos de Maria, mas ainda está fraca e não consegue correr muito. Fugindo para dentro do restaurante de um real, onde as pessoas começam a se servir, pouco se importando com a confusão, Bia se apóia na bancada onde a comida é servida e sorri ao ler o cardápio do dia: como a governadora visitará o restaurante com a imprensa mais tarde, prepararam brioches para a sobremesa da peãozada.
Sabendo que o ponto fraco de Maria Antonieta é sua compulsão por brioches, Fogo pega um punhado deles e os joga em cima da mutante, que começa a chorar:
Môn Diê! Não! Não consigo arresistir! Vou engordar!!! Nhac, nhac, nhac...
Fogo nem tem tempo de respirar quando olha para trás e vê Ghybsuin. O alienígena invade a mente da heroína com sua telepatia limitada e a ameaça:
Não adianta lutar comigo. Suas chamas não fazem efeito contra mim e eu sei que essa é a única saída na qual você consegue pensar. Hahahahahaha!
Ô, cara! A parada gay já passou! grita do fundo do restaurante um caminhoneiro.
Como? Ghybsuin pára de avançar contra Fogo e vira-se na direção dos insultos.
É mermo! complementa um adolescente A bichinha aí toda rosa não errou de lugar? Tu tem é que ir lá pra perto da Cruz Vermelha bater ponto!
Gente! Fogo percebe uma chance de escapar e fala a todos Meu amigo aqui não é gay. Não é porque ele é todo rosa que vai ser boiola, né? Coitado. Já não basta ele se chamar Gybsuin?
Todos no restaurante começam a gargalhar. Do meio da multidão, diversas vozes se levantam:
"Gay e suíno"?
Ih, a boneca vai chorar, gente!
Que desperdício! Se não fosse todo rosa até que dava um caldo!
Aí, "rosinha", tu é suíno de mãe ou de pai?
Ghybsuino fica extremamente irritado quando sacaneiam sua cor rosa e seu nome. Pego de surpresa, não consegue ter outra reação a não ser gritar para a multidão parar. Aproveitando a distração conseguida, Fogo pega um pedaço de paralelepípedo que servia de escora para uma coluna e, com a ajuda de duas outras pessoas, acerta a cabeça de Ghybsuin, que ouve passarinhos cantando e cai no chão.
Contudo, a coluna que estava escorada pelo paralelepípedo desmorona e, em poucos minutos, o restaurante vem ao chão. Todas as pessoas conseguem escapar a tempo de ver a governadora chegando com a imprensa e, desesperada, tentando explicar que o fato do restaurante ter tombado fora culpa da administração anterior e do governo federal.

Fogo, após ter certeza de que ninguém estava ferido (com exceção de seus inimigos, é claro), respira fundo e pensa:
Agora eu faço questão absoluta de ferrar com o "esqueminha" desse general Kabiku-sei-lá-o-quê! Deixe-me ver por onde posso começar...
No próximo capítulo:
Missão do FBI indica novos caminhos para a economia.
Investigações no Congresso abalam interesses poderosos.
Presidente garante que o Brasil "está indo muito bem, obrigado".
:: Notas do autor
(*) Na última edição. 
(**) Na última edição, também. 
(***) Acho melhor ler a última edição antes dessa, tudo bem? 
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