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Homem-Aranha # 48

Por Eduardo Regis, sobre um plot de Eduardo Regis e Conrad Pichler

Alívio

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Otto Octavius olha compenetrado para a televisão à sua frente. Ele toma um gole de Bourbon e coça a barba mal-feita.

— Ahgh... — ele regurgita sua reprovação.

A imagem do Homem-Aranha aparece em destaque e uma jornalista extremamente maquiada relata o encontro do aracnídeo com o Homem-Hídrico na costa oeste.

— Notícias da semana... que porcaria.

Um dos tentáculos desliga a pequena televisão.

Peter chega a sua casa no Queens com uma mochila nas costas e uma tipóia no braço. Ao ouvir o barulho na porta, Tia May desce as escadas apenas para encontrar o sobrinho jogando as chaves na mesinha de centro.

— Oi, tia. Tudo bem? — Peter desaba no sofá.

— Peter. Uma tipóia? E onde está sua mala? — fala a preocupada May Parker.

— Ah, tia. Tudo culpa do Homem-Hídrico, me deu a maior surra e fissurou minha tíbia. Ainda por cima esqueci minha mala no táxi e o cara nem teve a decência de me devolver. Coisas que só acontecem comigo mesmo. — ele tira os sapatos com os próprios pés.

— Peter, meu querido. Você realmente dá muito azar. Não é possível que com tantas cidades nesse país você tenha ido visitar a mesma que o Homem-Hídrico. — May dá uma risadinha.

— Ah, não, tia. Até a senhora? — Peter se levanta — Vou jogar essas coisas no meu quarto. A MJ ligou?

— Sim. Disse que já está instalada com a pequena May. Ela me contou que vocês combinaram um encontro. É verdade?

Peter para e se apóia ao corrimão da escada.

— É. Eu vou dar um pulo na casa nova dela nesse fim de semana, provavelmente. Eu não posso tirar a razão dela de não querer mais viver comigo, mas também não é justo que ela me prive da minha filha. Vamos ter que entrar em algum tipo de acordo.

— São os tempos modernos, Peter. Muitos casais estão separados e entram em acordos sobre os filhos. Não vejo razão para que vocês também não se acertem. — Tia May senta-se ao sofá.

— A coisinha vai precisar muito de mim. Eu sou o pai, poxa. Sem falar que eu ainda acho que mesmo que MJ vá morar no Japão ela não ficará totalmente a salvo do maluco do Duende. Melhor que ela esteja a um pulo de distância. Eu tenho amigos por toda essa cidade. Gente que poderia ajudá-la mesmo que eu não possa.

— Vai tentar convencê-la a voltar para Nova York então?

— Acho que é a melhor coisa a ser feita. Ela vai pra um outro bairro. A menina cresce comigo presente, mas sem ter que esbarrar em lançadores de teia pela casa. Se algum demente aprontar alguma gracinha, eu estarei por perto.

— Peter, eu nunca poderia imaginar que as coisas seriam tão difíceis pra você. Nunca. Quero que saiba que eu me orgulho muito do homem que você se tornou. Tentando sempre fazer o que acha que é certo, mas talvez você esteja realmente levando isso tudo um pouco a ferro e fogo demais...

— Ah, tia. Eu já tentei parar de ser o Homem-Aranha antes. Simplesmente não dá certo. Sempre vai ter algum acidente, algum supervilão, alguma coisa. Eu não consigo ficar só olhando. Sempre que isso me aconteceu, voltei pra casa com um nó na garganta.

— Eu não tenho medo de ficar aqui com você.

Peter anda até sua tia, se agacha e a abraça.

— Eu sei, tia. Valeu.

— Quer que eu prepare algo para o jantar?

— Não, obrigado. Eu vou sair assim que anoitecer pra resolver uns problemas.

Quando a noite cai, Peter veste seu uniforme e, mesmo com uma suave dor no braço esquerdo, se balança pela cidade. Sua teia o leva por lugares conhecidos, bares e lojas, todos freqüentados por bandidos que já passaram pelo caminho do Aranha. Em todos os lugares, a pergunta é sempre a mesma, e depois de horas um receptador de objetos roubados finalmente tem a resposta.

A janela da casa se estilhaça. O Homem-Aranha invade a sala que, embora iluminada apenas por uma pequena televisão, não consegue esconder a bagunça e um ocupante caído sobre um sofá rasgado.

A mão direita do aracnídeo se adere ao peito do homem e o levanta até ficarem cara a cara. Sua mão esquerda preparando um soco. Ao invés de se assustar, no entanto, o ocupante daquele ambiente caótico dorme serenamente.

— Acorda! — o Aranha grita.

Nada acontece.

O aracnídeo arrasta o homem pela casa e o joga debaixo do chuveiro ligado na água gelada, depois de prendê-lo do pescoço aos pés num casulo de teia.

Após alguns segundos de água fria jorrando na cabeça, finalmente o Doutor Octopus desperta.

— O quê?! — ele engole um pouco da água e cospe.

— Vim pra ter uma conversinha com você.

— Como me achou aqui, seu verme? — Octopus desvia o rosto da queda d'água vinda do chuveiro.

— Deu trabalho, mas aí eu me lembrei do seu gosto por charutos cubanos e voilá!

— Traído pelo vício. Nada mais mundano e medíocre.

— Dá até pena vê-lo assim. Bêbado, jogado num muquifo desses. O homem que já foi o maior especialista em radiação desse país.

— Otto Octavius era, de fato, um homem notável, mas o Doutor Octopus é muito mais. O Doutor Octopus não se restringe pela moral.

— O Doutor Octopus é uma piada, Otto. Muito pior do que as que eu conto.

— Você não veio até aqui só para me insultar. Você não sente prazer em humilhar ninguém, muito menos aquele que bem poderia ter sido e pode vir a ser você.

— Eu?

— Você. Peter Parker é uma das maiores mentes científicas da nova geração. O polímero adesivo que você criou é uma obra-prima da química. Tivesse você levado uma vida normal, poderia chegar a ser o que Otto Octavius foi, mas a verdade é que aquela aranha radioativa mudou tudo. Agora você está muito mais para Doutor Octopus do que outra coisa.

— Você bebeu demais, Oquinho.

— Rá. Um apelido. Está começando a ficar desconfortável? Seu futuro bem pode ser este, meu caro Parker. Jogado numa casa imunda, sonhando com a vida que poderia ter sido e não foi. Tudo por causa de um maldito acidente envolvendo radioatividade.

— Eu não me afastei da minha humanidade.

— Ainda não, mas ainda é cedo. Quando Mary Jane não aguentar mais, quando a criança sofrer preconceito e culpá-lo ou quando sua adorável tia cair no doce sono eterno, quando um desses ou mais de um desses gatilhos forem apertados, tudo estará perdido. Sua sanidade não resistirá.

— Cale-se! — o Homem-aranha dá as costas para Otto.

— Desligue a água!

— O quê? — o aracnídeo se desconcerta.

— A água. Acho que já estou bem desperto.

O Homem-Aranha desliga a água.

— Melhor. Bem melhor. Aquele barulho infernal da água batendo no azulejo. — Otto se alegra.

— Eu vim aqui para lhe dizer que se você aprontar qualquer gracinha pra cima da minha família, eu juro que...

— Perdeu seu tempo! — o vilão grita.

— Eu mato você, Otto! Eu mato!

— Mesmo que eu acreditasse nessas palavras vazias, elas não seriam assustadoras. Já lhe disse no nosso último encontro que não quero nada com sua família. Eles não me interessam. Não sou um sádico que nem Osborn.

— E aquela história de doença degenerativa? Vírus legado?

— Já disse! Coisas do Osborn. Ele queria vê-lo sofrendo pelo resto da vida. Eu só o quero morto. Uma morte eficiente.

— Você acha que eu sou idiota de acreditar nisso?

— Acho que você é um idiota de não acreditar. Fosse você outra pessoa que não Peter Parker, eu não me importaria de esfolar Mary Jane ou estripar sua filha, se eu achasse que isso levaria à sua morte.

— Eu não estou te entendendo...

— Pense, Parker! Pense! A equação é simples: Peter Parker é sobrinho de May Parker, e eu jamais magoaria aquela adorável mulher com a morte de seu tão querido parente.

— Você está me dizendo que... por respeito a minha tia...

— May Parker foi a única pessoa que sempre me tratou com respeito! (*) Eu não vou fazê-la chorar mortes desnecessárias, nem manchar sua família com tragédias sem sentido. Você é o único Parker que morrerá pelas minhas mãos, Peter. Esteja certo disso.

— Mas e os planos de Osborn? Você estava desenvolvendo tudo com ele...

— Uma farsa. Eu só estava interessado na máquina. Naquela maravilhosa máquina. Todas as construções genéticas que eu desenvolvi eram inertes. Quanto menos tempo eu gastava no trabalho genético, mais rápido eu me aproximava de ver a máquina.

— Mentira. Mentira! — o Aranha soca o box, quebrando-o em milhares de pedaços — Eu mesmo seqüenciei aquele vírus da vacina que seria aplicada na minha filha! Era o vírus Legado!

— Uma construção interessante, porém inofensiva. A menina desenvolveria sintomas de mal-estar e febre por alguns dias. Era o que Norman precisava para acreditar que tudo corria de acordo com o plano. O retrovírus ainda iria inserir uma seqüência que deixaria uma "marca" em todos os genes envolvidos com sua fisiologia mutante. Uma análise de sangue posterior da menina revelaria detalhes impressionantes de seus poderes, e eu esperava poder usar este conhecimento contra você!

— Por isso meu sentido de aranha disparou... eu achava que tinha sido por ela estar em perigo. O perigo era para mim.

— Aquilo foi interessante, não foi? Norman jurava que a menina o tinha avisado do perigo que pairava sobre ela também. No fundo, só eu sabia que aquilo tinha sido um exemplo raro do seu sentido de aranha e do sentido de aranha da menina trabalhando em conjunto. Filha avisando o pai. Não se engane, tenho convicção de que a fisiologia dela entendeu aquele vírus como um perigo aos dois.

— Sentido de aranha dela? O que você sabe dela?

— Não muito, mas essa foi uma forte evidência de que ela possui um sentido de aranha igual ao seu. Latente, ainda, mas presente. Se o vírus tivesse sido injetado, eu teria uma idéia quase completa das capacidades dela.

— Osborn não tem nada, então. Não tem gene duende... nada.

— Nada daquilo, mas ele é obcecado o suficiente para tentar alguma coisa quando sair do Arkham.

— Estou tomando providências para que ele fique lá para sempre.

— Ora, você não acredita realmente nisso. O Coringa já fugiu de lá mais vezes do que podemos nos lembrar. Acha que Osborn não conseguirá?

— Ele virá direto procurar você. — o Aranha aponta para Otto.

— Deixe que venha. Eu estou preparado. Eu sempre estive dez passos à frente dele.

— Falando nisso, eu devia levá-lo agora mesmo para a prisão, doutor.

— Você sabe que eu posso rasgar essa teia quando quiser. Estava tentando manter uma conversa, devo pelo menos isso a May. Além do mais você está sentindo um estranho sentimento de gratidão em relação à minha pessoa, agora que sabe de tudo que eu não fiz para o Osborn. Isso tornará tudo muito mais divertido.

— Melhor que não sejam mentiras.

— Você tem o vírus, tire suas conclusões, sr. bioquímico.

O Homem-Aranha salta em direção à janela quebrada.


:: Notas do Autor


(*) Vocês sabem da relação entre o Doutor Octopus e May Parker, né? Claro que sabem! voltar ao texto




 
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