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Por
Otávio Niewinski
Nada de Novo no Front
O homem sobe as escadas lentamente. A falta de um elevador no prédio antigo não importa para ele. Ele já viveu muito. Talvez até demais. Mas insiste em manter-se ativo. Afinal, não dizem por aí que as lendas não morrem jamais?
"Metade da vida combatendo o crime... não é uma simples escada que vai me impedir." pensa ele, enquanto pára ao perceber que chegou ao andar desejado. Percorre o corredor, olhando número por número, porta por porta. Se detém em frente a uma delas.
"Então é aqui que mora Jack Knight." o homem aperta o botão da campainha. Uma. Duas. Três vezes "Acho que não tem ninguém... ou a campainha está com defeito." ele decide bater. Quando encosta a mão na porta, ela se abre. Estava apenas encostada "Estranho. Melhor entrar e dar uma olhada."
Após chamar pelo nome de Jack Knight e verificar algumas das peças, constata que realmente não há ninguém.
"Devem ter saído com pressa. Não devia ter chegado de surpresa. Vou esperar um pouco, talvez voltem logo." pensa ele, sentando-se no sofá da sala. Olha ao redor e começa a perceber as peças que lotam as estantes próximas. Levanta-se para olhar mais de perto. E um sorriso estampa-se no seu rosto.
Nenhuma das peças é recente. Todas antigüidades. Discos de vinil dos anos 50, originais, clássicos do rock. Cards de baseball raríssimos. Uma coleção de garrafas clássicas da Coca-Cola. E revistas em quadrinhos. Várias delas. Ele toma em suas mãos uma delas. "All-Star Squadron" é o nome. Ele olha a capa atentamente.
"Jesus, como esse desenhista nos fazia mais velhos... eu não passava de um moleque na época, e pareço ter uns 50 anos nessa capa!" ele recoloca a revista na estante, e puxa mais uma. "Captain America", número 1 "Hahaha, o Capitão América esmurrando Hitler? Quisera ele ter chegado tão perto! Aliás, quiséramos todos nós..." súbito, um detalhe chama sua atenção. Na capa da revista, além da imagem do grande herói americano, há o desenho de um menino. Em sua mente, vem um dos episódios mais tristes de sua longa carreira. Um episódio que passou junto com Ted Knight, pai do dono deste mesmo apartamento. E assim, Alan Scott, o primeiro Lanterna Verde da Terra, se perde em seus pensamentos.

1942.
Lanterna Verde e Starman se apresentando, general. os dois fantasiados adentram a sala da Casa Branca, onde está reunida a cúpula militar americana. Sua presença e imponência causam um certo constrangimento até mesmo nos graduados militares que se sentam em círculo em volta da ampla mesa de reuniões.
Sejam bem-vindos, rapazes. Podem sentar-se. convida o general, que se encontra na cabeceira Primeiramente, gostaria de elogiar o trabalho que sua equipe vem fazendo em solo americano. Enfrentar os espiões e agentes do Eixo que tentam invadir nosso território e vencê-los, da maneira como têm vencido, nos enche de orgulho.
É o mínimo que podemos fazer, senhor. responde Ted Knight, o Starman Já que não é possível que entremos em território inimigo, temos que zelar com toda a nossa força por nosso próprio território.
É claro. diz o militar E é realmente uma pena que a magia nazista os impeça de chegar à Europa (*). Mas temos bons operativos que estão dando conta das missões naqueles lados. Gostaríamos de apresentá-los a dois deles. o general levanta o telefone do gancho Por favor, srta. Teschmacher, mande entrar os outros dois rapazes.
Segundos depois, a porta se abre, e uma figura interessante surge. Uma primeira olhada daria a impressão de que ele não é um homem, mas sim a encarnação da própria bandeira americana. Em seu uniforme azul, vermelho e branco, portando seu escudo, o homem entra e presta continência. Ao seu lado, um adolescente, também uniformizado e mascarado.
À vontade, Capitão. fala o general Lanterna Verde, Starman, gostaria de apresentá-los nossa mais nova arma secreta: o Capitão América.
É um prazer. Já ouvi falar muito de você. diz Alan Scott, o Lanterna Verde, estendendo a mão ao Capitão.
Bem ou mal? responde o Capitão, em tom de brincadeira Muito prazer. Também já ouvi coisas impressionantes a respeito de vocês. E este é meu parceiro, Bucky Barnes.
Sou Starman, Capitão. Ted Knight também cumprimenta o herói Espero que possamos trabalhar juntos qualquer dia.
Oh, e vão. interrompe o general Para falar a verdade, já temos uma missão para a qual vocês todos estão convocados.

Duas semanas depois.
Em um beco escuro de Opal City, um homem aguarda, impaciente. A chuva cai pesadamente sobre ele, que tenta se abrigar com seu chapéu e capote marrons, sem muito sucesso. Embaixo de uma marquise próxima, três vagabundos tentam se esquentar em torno de uma pequena fogueira feita com jornais velhos.
"Pelo menos aqueles lá não estão se molhando." pensa ele. Lentamente, um carro dobra a esquina e se aproxima do beco. Pára a poucos metros do homem. A porta se abre, três homens de preto descem e caminham até ele, parando a uma distância segura. O do meio, mais baixo, que esconde o rosto com um lenço e um chapéu, parece ser o líder. Os demais, mais altos, loiros, parecem alemães.
< Herr... James? > fala um dos homens de sobretudo que descem do carro. (**)
< Bom dia, herr Schmidt. Trouxe o dinheiro? >
O homem de preto olha de lado para um de seus colegas e ele abre uma valise, mostrando seu conteúdo: milhares de dólares.
< Pode fechar, as notas estão molhando. Herr Schmidt, trouxe os documentos para você. Aqui estão. > da mesma forma, ele mostra uma valise.
Os dois trocam suas valises.
< É um prazer fazer negócios com você. Até mais. >
O homem de sobretudo marrom vira-se para ir embora, mas escuta inesperadamente a voz de seu interlocutor.
< Diga-me, herr James... foi muito difícil conseguir esses documentos? Afinal, são parte dos projetos secretos de guerra do governo americano. >
< Ahn... > ele se vira novamente < Com certeza, sim. Mas, como um dos assistentes do projeto, tive uma oportunidade de acesso a eles e não a desperdicei. Até mais. > ele, de novo, tenta ir embora.
< Herr James... >
< Sim? >
< Quando falei com você no telefone... disse que seu nome era Jones. >
O homem de sobretudo marrom pára.
< Jones, não James. > continua o homem de preto < Creio, então, que os planos que recebi são falsos, tanto quanto seu nome. Bem, infelizmente, é chegada a sua hora de morrer. Ninguém engana o Reich. >
O homem de sobretudo marrom escuta o som de armas engatilhando. Mas, para a surpresa de seus oponentes, um grande flash explode em torno dele. Suas roupas dão lugar ao uniforme de Starman.
Diabo. Essa minha memória sempre me mete em confusão. Mas ninguém me ameaça na minha própria cidade e fica impune, herr Schmidt... ou deveria dizer Caveira Vermelha?
< Maldição! Atirem! >
Os alemães disparam várias vezes contra Starman, mas seu bastão cósmico desintegra as balas. Todavia, o Caveira entra no carro, que arranca em disparada.
Ele está fugindo! grita Ted Knight, enquanto dispara rajadas elétricas nos adversários. Na mesma hora, os três mendigos que estão na marquise tiram os trapos com que estavam vestidos, revelando o Lanterna Verde, Capitão América e Bucky.
Bucky, me siga! o Capitão América exerce sua liderança natural Lanterna, tente alcançar o carro!
Pode deixar! enquanto os outros dois se embrenham pelos becos, Alan Scott alça vôo, perseguindo o carro, mas como o veículo havia conseguido uma boa dianteira, acaba perdendo-o em meio às ruelas. Droga!
O Caveira Vermelha, dentro do carro, já se sente em segurança. Agora, pensa ele, é só questão de chegar ao hotel onde está hospedado com nome falso, e no dia seguinte deixar os EUA clandestinamente, com a ajuda dos espiões do Reich infiltrados no país. Mas seus pensamentos são interrompidos por um baque no teto do veículo.
< São Hauptmann Amerika e aquele garoto! Pularam de cima de um dos prédios! > diz o motorista.
< Derrube-os! > grita o Caveira.
O motorista faz manobras bruscas e violentas com o carro, até que o Capitão América perde o equilíbrio e é arremessado ao solo. Com um movimento impressionante, digno de um ginasta olímpico, o Capitão gira e aterrissa sobre seu escudo indestrutível, que absorve todo o impacto.
Diacho! Bucky, segure-se! Steve Rogers corre atrás do carro, mesmo sabendo que será quase impossível alcançá-lo.
Bucky, deitado de bruços no teto do carro, leva a mão até a janela aberta do motorista e, com um soco, desnorteia-o, fazendo-o perder o controle do carro, que sobe a calçada e bate em um poste. Bucky é arremessado longe, e cai de lado no chão, machucando o ombro. De dentro do carro, sai o Caveira Vermelha.
< Queria tanto me capturar, garoto? Talvez seja a hora de aprender que está em um jogo para adultos. > o Caveira tira o lenço que cobria seu rosto, revelando a horrenda máscara de caveira que lhe empresta o codinome, e saca uma pistola. Os olhos arregalados de Bucky não escondem seu pavor. Talvez pelas feições do inimigo. Talvez pela proximidade da morte < Diga suas preces, amerikaner. >
Uma rajada de energia separa o Caveira de sua provável vítima, lançando o nazista a alguns metros dali, desacordado.
Parece que cheguei bem na hora. fala Starman, que chega pairando no ar Já disse, Caveira, em Opal City não. Ted Knight vira-se para Bucky Você está bem, garoto?
S-sim! Obrigado...
Não há de quê. Me dê a mão. Ted ajuda Bucky a levantar Você é muito corajoso. Agora sei por que o Capitão deposita tanta confiança em você.
Starman! Vocês estão bem? o Lanterna Verde chega voando em uma aura verde.
Sim, tudo bem. responde Ted Apenas o braço do garoto ficou um pouco machucado.
Bucky! Capitão América chega, correndo.
Tudo bem, Capitão. responde Bucky Starman me salvou em cima da hora. E ainda neutralizou o Caveira!
Ei, o que é isso, você fez quase todo o serviço sozinho! Starman dá uma piscadela para Bucky, que sorri.
Mas... onde está o Caveira? indaga o Lanterna Verde.
Os heróis olham para onde o nazista jazia desacordado, e nada encontram. O desmaio foi apenas mais um embuste, e o inimigo se aproveitou da distração de todos para escapar. Não foi desta vez que o Caveira Vermelha foi capturado, e eles sabem que dificilmente ele se deixará enganar novamente. Pelo menos, os capangas são presos, e os heróis já consideram isso uma bela vitória, diante das circunstâncias.

1945.
Lanterna Verde e Starman se apresentando, senhor. como havia acontecido anos antes, novamente os dois membros da Sociedade da Justiça são chamados à Casa Branca. Mas desta vez, um rosto familiar os espera.
Podem poupar o "senhor". o sargento Frank Rock é quem os recebe.
Rock! exclama Starman O que faz aqui, achei que estava abatendo nazistas na Europa...
Estava. Fui chamado de volta recentemente. Como sabem, a guerra está praticamente vencida. Mas a incumbência que me deram nessa volta ao lar não é nada agradável.
O que é? pergunta Alan Scott, intrigado.
Essa notícia está sendo dada simultaneamente a todos os super-humanos que participaram do esforço de guerra. Fiquei sabendo que vocês atuaram com o Capitão América e Bucky há alguns anos, num caso em Opal City.
Isso mesmo. E daí? pergunta Starman.
Tenho uma má notícia. fala Rock.
O que foi? o Lanterna Verde demonstra impaciência.
O Capitão. Foi declarado desaparecido em combate.
Os heróis se surpreendem. Um dos maiores heróis do mundo pereceu, e sobre eles cai a sombra de um destino semelhante. De repente, Ted Knight pergunta:
E o garoto? O que aconteceu com o garoto?
Morto.
Alan Scott e Ted Knight entreolham-se e nada dizem. Uma criança foi pega no fogo cruzado da guerra, e ambos sabem que isso não poderia ter acontecido. Eles deveriam estar lá para salvá-lo. Alguém deveria estar lá para salvá-lo. Mas é tarde demais.
Também fico triste pelo garoto, mas agora já não há mais o que fazer. continua Rock E o pior é que quem está lá nas trincheiras, como eu, vê crianças morrendo a cada instante. Para mim, não há nada de novo no front. Guerra maldita.
O silêncio toma conta da sala por horas.

"A guerra me traz lembranças terríveis." pensa Alan Scott, ainda sentado no sofá da casa de Jack Knight "Tremo só de pensar que Jennie, minha filha, pode ter o mesmo destino que Bucky. Mas, por outro lado, sinto que ela está protegida. Quem diria que, um dia, o filho de meu amigo Ted Knight se tornaria meu genro... ou quase isso." (***)
Alan levanta-se do sofá e sai do apartamento, fechando a porta na saída.
"Volto aqui depois. Preciso falar com Jennie. Tenho saudades da minha filha. Tenho saudades de meus amigos. Mas a saudade faz parte da vida, não é nenhuma novidade. Nada de novo no front."
:: Notas do Autor
(*) Durante a Segunda Guerra, Hitler lançou mão da Lança do Destino, um artefato místico que impedia os heróis superpoderosos de atuarem na frente de batalha. Por isso, a Sociedade da Justiça se via obrigada a atuar apenas em território americano. Para efeitos cronológicos, no Hyperfan apenas os heróis sem superpoderes (como o Capitão América, por exemplo) e os heróis não-humanos (como Namor) puderam atuar em território inimigo. O que é, no fim das contas, mais um bom motivo para que a equipe da qual estes dois heróis participavam se chamasse "Os Invasores".
(**) Traduzido do alemão.
(***) Jennie Lynn-Hayden, filha de Alan Scott, é a super-heroína Jade, que mora com Jack Knight, o Starman. Para saber por que eles não estão em casa, leia Starman aqui no Hyperfan - o único lugar que publica Starman no Brasil! 
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