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Por
Cesar Rocha Leal
Evoluções
Parte VI Final
Sage anda a esmo
na noite das ruas de Bombaim, levando em suas mãos um misterioso
ídolo tibetano, que antes brilhava de poder enquanto estava
em posse de Ra's Al Ghul, mas que desde que foi tomado pelo Questão
ficou inerte. A perna dói intensamente, uma luxação
já se faz sentir, mas o jornalista sabe que não
deve parar, sob pena de ser alcançado.
Sua mente começa a funcionar de forma satisfatória.
Após ter conseguido resistir às pressões
hipnóticas e às drogas de Ra's, Sage mal conseguiu
escapar das garras do inimigo. A cabeça ainda vibra a cada
passo. Sage deu várias voltas nos becos apertados em torno
do hotel, com medo de que houvesse uma emboscada o esperando em
seu quarto, imaginando o que deveria fazer em seguida.
Ali! O americano!
O grito desperta Sage: dois asseclas de Ra's o encontraram. A
perseguição recomeça, mas nas ruas apinhadas
de gente e com a perna sem forças, os homens ganham terreno
facilmente.
Infiel! grita o estranho indiano, ao tentar acertar
Sage com um sabre.
Movendo-se instintivamente, Vic defende o golpe com a perna ferida
na lateral sem fio da lâmina. A dor parece correr por todo
o corpo, mas teria sido pior se tivesse usado sua perna sã
para atingir o adversário e colocado seu equilíbrio
na outra. Sem perder tempo, ele atinge com força a garganta
do homem; em condições normais não usaria
um golpe tão perigoso, mas não havia alternativa.
Com o primeiro inimigo caído no chão, Sage procura
o outro adversário e nota pela primeira vez as pessoas
ao seu redor. Mesmo antes da luta ter começado, muita gente
já apontava para seu rosto, ou para a falta deste, achando
que o Questão seria mais um dos muitos indianos que usam
truques para ganhar dinheiro nas quentes noites de Bombaim, como
faquires e encantadores de serpentes.
Sem conseguir definir onde está o outro homem, Questão
tenta se distanciar de qualquer ataque. Saltando sobre uma cama
de pregos e seu assustado ocupante, se joga entre as pessoas,
mas antes derruba um cesto de onde sai uma serpente. A confusão
é geral. Com a correria dos transeuntes, ele consegue subir
em um toldo que o leva para o telhado da casa adjacente. No final
de suas forças, percebe que existe alguém esperando
por ele.
Me entregue o ídolo.
Mesmo antes de reconhecer seu interlocutor, Vic sabe que não
tem condições para outro combate, mas ainda assim
diz para si mesmo que nunca devolverá para um assecla de
Ghul o que tem em suas mãos...
Batman?
Sim, você sabia que estava trabalhando para mim.
Agora acabou, me entregue o ídolo. O tom de voz
do homem-morcego deixa claro que ele não está acostumado
a repetir um pedido. Nesse momento, o outro homem que perseguia
o Questão alcança o telhado por trás do herói
e saca um revólver, mas Batman o desarma com um golpe de
cotovelo sem sequer olhar para trás.
Ou eu ainda estou meio ruim da vista ou você é
melhor do que me lembrava. Acho que não preciso contar
o que ocorreu, pois dependendo de quanto tempo faz que você
chegou em Bombaim, já deve saber até mais do que
eu mesmo.
Com essas palavras, Sage se senta nas telhas para recuperar o
fôlego.
Talvez, mas eu acredito que já pedi para você
me entregar o que está carregando.
Não.
O quê? Olhe, homem, não sei o que está
pensando, mas...
Nada de mais depois de interromper o cavaleiro das
trevas, Sage continua a falar rápido para impedir que ele
se recuse a ouví-lo Desde que toda essa confusão
começou, eu me sinto "levado" por circunstâncias
além do meu controle. Enfrentei pessoas que deveriam ter
sido minhas amigas desde o início, viajei para vários
lugares pelo globo, ouvi uma "palestra" sobre os poderes
da sincronia e fiz um pouco do trabalho que deveria ser seu. E
agora você fica na minha frente e exige que eu lhe entregue
a peça. Claro que tive alguma ajuda, mas me sinto ligado
a esse ídolo. Você pode não acreditar, mas
eu tinha que tirá-lo das garras de Ra's Al Ghul. Não
você ou o Tigre de Bronze. EU. E serei eu que irei levá-lo
de volta para o Tibet. De uma forma ou de outra, fico neste caso
até o fim. Claro que você pode tirar ele de mim,
poderia mesmo que eu estivesse em melhores condições
de luta. Mas saiba que não vencerá sem me matar.
Batman fica sem ação. Poucas vezes alguém
discordou dele com tanta veemência e paixão. Mas
algo parece estar ocorrendo, um fato com o qual o homem-morcego
já se deparou várias vezes... Determinação.
Por um momento, uma certa promessa de um jovem órfão
volta à sua lembrança.
Certo. Imagino que terá que ser como você
quer... Desta vez. Vamos para o hotel então, o local está
seguro por enquanto. Veremos como iremos fazer para manda-lo para
o Tibet. Nesse meio tempo eu sei de alguém que também
acredita estar cumprindo parte de seu destino, e que, com certeza,
vai querer falar com você.

Tibet
Foi muito difícil passar pelas fronteiras da China, mesmo
com todo o aparato colocado à disposição
de Sage pelo homem-morcego, mas depois de três dias o Questão
se encontra montado em um lhama, seguindo dois guias em direção
ao templo de Lukhang. Uma das maiores dificuldades foi determinar
a localização do lendário lar do espírito
feminino das águas. Mas, Sage acredita, o Batman deve ter
usado contatos místicos na própria Liga da Justiça,
além de seus próprios meios, para desencorajar uma
perseguição por parte de Ra's Al Ghul.
A seu lado o jovem Zack também enfrenta o frio e o desconforto
da viagem. O garoto acredita ser o culpado pelo que aconteceu
ao herói, que nunca teria se envolvido nisso tudo se não
estivesse disposto a salvar a sua vida, o que o levou a exigir
que pudesse acompanhar Sage na fase final de sua jornada. Ao encarar
a forma com que enfrentou seu vício e se sentiu responsável
por outra pessoa, pode-se notar o grande amadurecimento pelo qual
o rapaz passou.
A perna de Vic ainda dói intensamente, mas se tornou apenas
um dos problemas que pairam na cabeça do jornalista. A
decisão de expor sua identidade secreta para o garoto,
o compromisso de cumprir a missão de devolver o estranho
ídolo, a preocupação com uma boa desculpa
para dar a seus chefes pela sua ausência no emprego e até
mesmo a penosa situação do povo tibetano são
prioridades em seus pensamentos no presente momento.
O ídolo não mais apresentou qualquer alteração
como o brilho que o circundava enquanto estava nas mãos
de Ra's. O mais estranho é que, apesar de Vic ter visto
que o objeto é indestrutível quando este deixou
uma mesa em pedaços, o ídolo não parece nada
mais do que madeira ao toque. Esses fatos, aliados à descrença
de Sage na origem dos fantásticos poderes do ídolo,
o deixaram muito mais curioso e decidido a encerrar sua missão.
Um dos guias desce de sua montaria e começa a falar de
forma rápida; tentar definir o que ele diz em uma língua
que pouco domina faz com que Sage perca o outro homem de vista.
Apenas nota o que está ocorrendo quando se vê desviando
de um golpe de uma espada a apenas centímetros de seu pescoço.
A lâmina corta fundo sua face e o sangue quente começa
a escorrer, afastando o frio. Preparado para enfrentar os guias,
Vic desce do lhama, mas acaba pisando em falso com a perna machucada
e escorrega por um barranco de neve.
O medo de morrer "afogado" em água sólida
faz com que a adrenalina jorre por suas veias. Mas sem sequer
ter consciência de que lado seria "em cima", pouco
Sage pode fazer para impedir sua queda, que termina com uma pancada
na cabeça e a subseqüente inconsciência.

Sage abre os olhos.
Ele se encontra deitado em uma cama de madeira. Sua mente começa
a despertar quando nota um homem oriental e velho sentado a seu
lado.
Você já está melhor, viajante?
Eu... Acho que sim... ao tocar no ferimento em seu
rosto, ele vê que o mesmo está quase sarado. Um pedaço
de sua própria máscara encobre um emplastro de alguma
coisa malcheirosa.
Não se assuste ao ver que usamos sua pele falsa
para curá-lo, afinal o projeto inicial se destinava a isso,
não?
Sim, mas Tot descobriu que era perigoso para pessoas que
tivessem reações adversas... Mas como você
sabe?
O velho apenas sorri.
Aqui se sabe pouco, ou até nada, eu diria, mas se
pondera muito sobre várias coisas.
A memória retorna a Sage e ele lembra dos fatos que o fizeram
ficar desacordado.
Onde estou? Eu estava viajando com um garoto... Ele...
Não se preocupe, o rapaz está bem. Os guias
quiseram roubá-los ao descobrir exatamente onde pretendiam
ir, mas o rapaz se livrou. No final, seus guias levaram apenas
os lhamas que haviam vendido a vocês.
Quer dizer que este é o Templo de...
Só o que posso afirmar é que este é
o fim de sua jornada.
Sem mais palavras, o homem sai do quarto. Sage investiga o ferimento
e nota que mesmo com a pele sintética deveria haver uma
cicatriz em seu rosto, mas não encontra sequer uma laceração
na pele por baixo do emplastro.
Vic se levanta, decidido a procurar Zack, e encontra suas roupas
e o ídolo em cima de uma cadeira, mas quando tenta sair
do aposento o velho retorna.
Percebo que já se sente melhor. Se você não
se importa, o levarei até a presença do Lama.
Sage segue o velho por suntuosos corredores, mas nota que a riqueza
está muito mais nos detalhes e na beleza das gravuras das
paredes do que propriamente no material em que foram entalhadas.
Alguns monges passam por ele sem sequer perderem tempo observando
o recém-chegado; é como se estivessem tão
concentrados em uma tarefa que não faria sentido que se
desviassem da mesma.
Entrando em outro aposento, ele se vê diante de outro monge,
mais novo do que aquele que o havia guiado até o primeiro
quarto. No centro, almofadas estão à disposição
do jornalista, e ao fundo colunas de pedra parecem encobrir alguma
passagem.
Então finalmente chegou até nós, senhor
Sage.
Vocês sabiam que eu viria?
Oh, nós sabemos muito pouco...
Sei, mas ponderam bastante, já ouvi isso.
A impaciência ainda o domina. Sua estrada ainda é
longa. Não espere chegar ao final sem ter desfrutado todo
o percurso. Mas nós tínhamos consciência de
que viria, fazia parte de seu carma nos fazer duas tarefas. Tudo
dentro da "sincronia", se preferir.
Eu ouvi algo sobre isso também, da fonte mais inesperada
possível...
O Garoto Demônio? Ele também tem uma estrada
longa, muito o que descobrir ainda, mas está melhor hoje
do que na época em que esteve conosco.
Vocês hospedaram Hellboy? Que mundo pequeno.
Não, o mundo é grande. O carma que une algumas
pessoas é o que faz ficar pequeno. Veja o caso do garoto
que você trouxe para cá.
Zack?
Sim, você tinha uma dívida com o espírito
dele, um débito de outras vidas. Mas acredito que tenha
pago essa dívida ao se preocupar com o futuro do menino
e acabar fazendo com que ele se reunisse de novo conosco.
Reunir? Eu não entendo?
Bom. Aceitar que não entende é o primeiro
passo na busca da compreensão. Na verdade Zack é
a reencarnação de um dos mestres do próprio
Dalai Lama. Há algum tempo, o destino o levou para longe
em busca de iluminação, em outras vidas, outras
terras. Mas você o trouxe de volta até nós.
Ele é demasiado velho para se iniciar nos mistérios
da ordem, mas terá um treinamento adequado, lembrando-se
de muitas coisas "esquecidas", e poderá retornar
para nós mais facilmente em sua próxima encarnação.
Essa foi a primeira das tarefas que você acabou executando
para nós.
Isso é muito estranho, mas acho que Zack sempre
esteve perdido em sua vida, talvez isso tenha feito com que eu
ficasse tão interessado em poder proporcionar uma chance
dele se reabilitar...
Evoluir.
Talvez, nunca pude determinar o que fazia com que eu fosse
impelido a ajudá-lo, mas se for da vontade dele permanecer
com vocês...
Acredito que será, por algum tempo pelo menos. Mas
como eu disse, essa foi uma das missões que você
cumpriu para a ordem. Zack acabaria achando seu caminho até
nós, ainda nesta encarnação, mais cedo ou
mais tarde. Mas, ao trazê-lo, você adiantou a vinda
dele, além de ter saldado uma dívida antiga.
A mente de Sage não consegue processar tudo que o velho
mestre diz. Parece fazer sentido, porém de uma forma estranhamente
ilógica. Mas ao contrário de quando conversou com
Ra's, não pode detectar nenhum tipo de manipulação.
Se eram duas missões que eu teria que cumprir, e
encaminhar Zack foi uma delas, acredito que esta seja a outra.
Sage entrega o ídolo ao homem, este agradece cerimoniosamente.
Por um instante, analisa o ídolo e depois o bate contra
o chão, quebrando-o em vários pedaços.
Mas... O que você fez... Ele não era poderoso...
Indestrutível?
Um sorriso se forma no rosto do Lama.
Meu caro Sage. Os objetos têm as funções
que os homens os dão. E têm o poder que as pessoas
acreditam que tenham. Homens gananciosos como Ra's Al Ghul acreditavam
neste poder, e assim era perigosamente real para eles. Outros
acreditavam estar em posição de proteger a humanidade
deste perigo, para eles a capacidade do ídolo também
é real. Mas você nunca acreditou neste poder, por
isso ele nunca se manifestou em suas mãos. Dentro destas
paredes, nós sabemos que os objetos também têm
missões e nunca creditamos a esta figura as propriedades
que você presenciou, por isso, nada mais fácil do
que quebrar o ídolo, como um pedaço de madeira velha
de que é feito.
Mesmo nunca tendo acreditado nas propriedades místicas
do ídolo, Sage ainda se encontra abismado. Ele presenciou
Ra's usar o poder, mas nas mãos do monge o objeto é
completamente inócuo.
Mas se ele não tem poderes reais para vocês,
por que foi criada a lenda de sua existência? Por que se
deixou que o roubassem daqui? Ele afetou tantas vidas em sua passagem
fora destas paredes, desde o homem que o roubou até Ra's,
envolvendo o Tigre de Bronze, além de Hellboy e do Batman...
Apesar de não ter poderes em nossa concepção,
o objeto tinha uma missão. Ele tinha que afetar todas as
pessoas que você mencionou, além de várias
outras. E tinha que ser o pivô de outro acontecimento.
A missão do ídolo era trazer Zack de novo
até vocês?
Como eu disse, amigo Sage, o garoto acharia seu caminho
cedo ou tarde. Sua missão era nos trazer outra pessoa.
Com essas palavras, o homem se levanta e deixa Sage sozinho na
sala. O jornalista se encontra meditando no que lhe foi revelado.
Por sua vez, ele é observado por duas outras pessoas que
conversam.
O caminho para a iluminação dele foi reaberto.
Sim. responde Shiva Mas agora cabe a ele
seguí-lo. Não haverá novas chances, caso
ele se perca novamente...
Isso não cabe a nós questionar. a
voz de Richard Dragon é calma e compenetrada O potencial
de auto-destruição de Sage é alto, mas fiz
o que podia enquanto fui seu mestre e agora sua iluminação
foi iniciada novamente; o destino do seu futuro está nas
mãos dele mesmo. Como já esteve nas mãos
de cada um de nós...
Shiva sorri. Ela sabe que Richard está questionando as
motivações dela muito mais do que as de Sage. Mas
deixando o parceiro ainda nas sombras ela sai para falar com Vic.
Shiva? Por que será que me surpreendo em vê-la
aqui? Foi sua aparição em Hub City que iniciou toda
esta peregrinação, inclusive ao induzir Turner a
lutar comigo.
Talvez. Mas nunca se tem certeza, não é mesmo?
Vamos, você precisa conversar com o garoto. Se despedir
talvez seja o termo correto, eu acredito que ele ficará.
Depois pode me acompanhar de volta aos EUA.

Mais tarde, dois
cavalos partem do templo. Vic Sage e Lady Shiva iniciam sua viagem
de volta.
Sabe, ainda me pergunto o quanto disto tudo foi planejado
por você.
A mulher não responde, mas um brilho estranho passa por
seus olhos orientais.
Algum tempo atrás, você disse que eu não
era merecedor de lutar definitivamente contra você. Tudo
isso me fez mais apto agora?
Você se acha merecedor? pergunta a mulher.
Não, você ainda limparia o chão com
a minha cara no terceiro ou quarto golpe. Acredito que quando
finalmente me achar merecedor terei evoluído ao ponto de
não estar mais lutando. Acho que me recusarei a praticar
qualquer violência por estar com outro tipo de visão
de vida, ou algo assim.
Sério? E o que fará então com sua
visão de não-violência se eu o atacar assim
mesmo?
Shiva, por enquanto esta é uma "questão"
sem resposta.
:: Notas do Autor
Assim termina a saga Evoluções. Há
muito tempo que queria ter contado esta história com aquele
que é um dos meus personagens ficcionais favoritos. Agradeço
a todos que me acompanharam, em especial ao nosso ex-editor-chefe
Fernando Lopes e ao resto da equipe do Hyperfan.

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