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Tucão # 07

Por Otávio Niewinski

— Liga a lanterna.

— Peraí, não tô achando.

— Como assim, não tá achando? Vai dizer que tu esqueceu a porra da lanterna?

— Não, cara. Tá aqui. Tô ligando.

— Acho bom.

Alma Penada

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— Não enche o saco, Tucão. Tu nem taria aqui se não fosse eu.

— Não fala besteira, seu mula. Eu podia ter arrombado a porta dessa casa e chegado nesse cofre sem a ajuda de ninguém. Muito menos a tua.

— Ah, isso é verdade. Mas como será que tu ia saber que o velho rico que mora nessa mansão teve um troço e foi pro hospital, e que a casa tava vazia e prontinha pra ser assaltada?

— Humpf. Tá bom. Vira a lanterna pra cá, não tô nem enxergando o cofre. Tá, assim tá bom. Ei, cadê o Jota?

— Sei lá. Ah, ele tá chegando ali. Onde é que tu tava, Jota?

— Fui na cozinha fazer uma boquinha.

— Puta merda. Vai me dizer que tu foi na cozinha, acendeu a luz, abriu a geladeira e faz um lanche?

— Claro, Tuc. Se eu não acendesse a luz, não enxergava um palmo na frente do nariz. E boca livre não é todo dia. Por que essa pergunta?

— Por quê? POR QUÊ? Seu besta, toda a vizinhança tá sabendo que não tem ninguém nessa casa! Se alguém vê luz na cozinha, vai estar na cara que tem gente na casa fazendo uma limpeza! Puta que pariu, como é que eu arrumo parceiro tão imbecil assim?

— Pô, Tuc, manera aí... de qualquer forma, agora é tarde, já voltei e tá tudo bem.

— Tá. Só uma coisa... tu apagou a luz, né?

— Hã... güenta aí que eu já volto.

— ARGH. Eu mereço. Tá, vamo voltar pro batente antes que alguém apareça mesmo. Mongol, vira a lanterna pra cá de novo.

— Esquenta não, Tuc. Não vai aparecer ninguém. Eu tô sempre assaltando nessa vizinhança, e é difícil passar alguém na rua. Quem poderia aparecer? Só se fosse algum daqueles fantasiados.

— Cara, nem fala. Esses putos SEMPRE aparecem pra acabar com a minha alegria.

— Tô ligado. É muito azar. Mas me diz uma coisa, Tuc. Tu já viu o Demolidor uma pá de vezes... mais que qualquer um de nós... é verdade o que dizem por aí? Que ele escuta tão bem que pode ouvir até as batidas do coração? Que o olfato dele é tão bom que ele pode sentir o cheiro do peido que alguém deu lá no Bronx?

— Que nada, meu. Quem conhece aquele demo tão bem quanto eu sabe que o poder dele é a visão. Visão telescópica, raio-x, visão de calor, tudo o que tu pode imaginar! Mas é só a visão mesmo que ele tem de especial, nada dessas merdas de audição, olfato e o escambau.

— Ah, então é isso... é bom falar com quem sabe. Porra, essa casa velha, nessa escuridão, fica muito sinistra. Dá até calafrio!

— Huahuahua... vai dizer que tu tá com medo que apareça um fantasma? Passa o maçarico.

— Já que tu falou... tô mesmo. Toma aqui o maçarico.

— Tá brincando? Um cara dessa idade com medo de fantasma? Não acredito.

— É sério, Tuc. Olha, cara, eu só acredito em fantasma porque já vi um.

— Bwa-ha-ha-haaaa! Tá bom, tu conseguiu. Vou até parar de cortar essa merda. Agora tu vai ter que contar que raio de fantasma foi esse que tu viu.

— Bom, foi assim...

“Foi uns anos atrás. Eu tinha feito um serviço aqui em NY e os tiras tavam meio que me procurando. Então fui dar um tempo em Central City até a poeira baixar. Mas sabe como é, eu não ia ficar lá um tempão sem nem bater uma carteira, né? Pois foi o que eu fiz: fui no centro tirar grana duns otários.”

“Peguei umas três carteiras em meia hora, tava muito fácil. Se eu tivesse parado por ali, ia ficar tudo beleza. O problema foi quando eu bati a quarta...”

“Tinha um velho passando por ali, distraído. Peguei a carteira dele, mas ele notou, gritou, uns tiras olharam e eu saí correndo. Quando eu entrei num beco pra escapar, apareceu a alma penada.”

“Parecia com um cara normal, com roupa normal e tudo, mas a cara dele ficava dum jeito que eu não conseguia ver, parecia fora de foco. Ele tava lá, na minha frente, e me mandou parar. Eu virei pro outro lado e corri pruma ruazinha lateral. De repente ele tava lá de novo: na minha frente! Quase que eu me cago de medo. Corri pro outro lado, pulei três muros e parei só a cinco quarteirões dali. Achei que tava livre, e me encostei numa parede. Quando eu olhei pro lado, o desgraçado apareceu, atravessando a parede. Atravessando a parede!! Tomei um susto tão grande que eu desmaiei, e só acordei no outro dia, na delegacia...”

— Bwaaaaaa-ha-ha-ha-haaaaaa!!! Hehehe! Cara, tu é muito otário mesmo. Tu tá até hoje achando que isso daí era um fantasma?

— Porra, Tuc! Pára com isso, meu! Tá na cara que era fantasma! Se não era alma penada, o que era então?

— Tsc. Tu tava em Central City, né? Pô, é óbvio que era o Flash, cara!

— Flash? Ah, não, Tuc. O Flash tem cara, esse aí só tinha um borrão no lugar da cabeça.

— Mongol, pensa um pouco. Era o Flash sem uniforme! Ele viu que tu roubou a carteira, saiu atrás e, pra não ser reconhecido, ficou vibrando a cara em supervelocidade!

— Sei não... como é que ele aparecia sempre na minha frente?

— Putz, esse negócio de o ladrão sair correndo e o tira chegar sempre na frente me lembra os desenhos do Tenente Rabugento que eu via quando era guri. Mas é fácil de explicar: dizem que o Flash é tão rápido que tu nem vê ele passar. Quando vê, ele já tá na tua frente!

— Tá, mas e como é que ele saiu de dentro da parede??? O Flash não faz isso!

— Tu não disse que isso aconteceu uns anos atrás? Então devia ser o Flash antigo, aquele que morreu. Esse guri que tá no lugar dele agora não faz isso mesmo, mas o antigo fazia. Deixa de ser mané, era o Flash, sim! Fantasma não existe! E me passa o pé-de-cabra aí.

— Humpf. Toma.

— O que é que cês tão conversando?

— Ah, voltou, animal? Apagou a luz? Acho bom mesmo. O nosso amigo Mongol aqui tava contando que acredita em fantasma... coisa mais ridícula! Hehehe!

— Hã, desculpa, Tuc, mas eu não acho ridículo, não... eu também acredito.

— Ah, não. Puta que pariu, tu também? Desse jeito eu não vou conseguir arrombar esse troço nunca! Conta aí a tua lorota que eu tô curioso.

— É o seguinte...

“Tava eu e o Lopez...”

— Bwa-ha-ha-haaaaa!!! Hehehehe!!!

— Pô, Tucão! Tá rindo do quê? Mal comecei a falar!

— Eu sei, mas esse começo já foi de morte. Tu foi fazer um serviço com aquele meio-quilo do Lopez? Só podia dar merda. Mas segue o baile aí...

— Como eu ia dizendo...

“Tava eu e o Lopez sem grana, sem trampo e sem cerveja. Aí ele teve a idéia da gente arrombar aquela mansão grandona que tem lá em Westchester. E foi o que a gente fez.”

“A gente chegou lá e conseguiu entrar fácil por uma janela. Achamos umas quinquilharias na sala que já iam valer uma grana boa num antiquário. Mas aí apareceu... a mina fantasma!

“Era uma guria, com cara de novinha. Só que ela apareceu do nada, do teto, e nos pegou no flagra. A gente tomou o maior cagaço, claro. A gente saiu correndo pra fugir pela mesma janela que tinha entrado. E ela vinha atrás, atravessando as paredes, as cadeiras e as mesas! E quando a gente chegou na janela, achando que tava salvo, apareceu... o diabo alemão!

“Era um diabo mesmo, cara! Tinha pêlos, uns dentes pontudos, três dedos nas mãos e nos pés, um rabo pontudo e apareceu no meio de uma nuvem fedorenta, saído direto do inferno! E falou uns troços em alemão! Sei lá, pelo menos parecia alemão. Sorte que a gente conseguiu pular a janela e sair correndo. E ainda ouvimos, de longe, o diabo e a mina fantasma rindo da nossa cara. Na pressa, deixamos o saco com o roubo lá dentro da casa. Mas pelo menos a gente não morreu.”

— Huahuahua! Valha-me, minha santa aquerupita. Nunca ouvi tanta besteira. Mina fantasma? Diabo alemão? Puta merda...

— Tô te dizendo, cara. Juro por Deus.

— Eu não tô duvidando, coió. Mas eu sei quem são esses dois aí que tu e o Lopez viram. Vi eles esses dias no programa do Vic Sage na TV. São dois daqueles mutunas, os X-Men.

— Mutunas?

— É, meu. Tem uma guria que pode atravessar as paredes. E um cara azul que leva um jeitão de diabo e aparece e desaparece quando quer. Na certa eles viram vocês entrando e foram atrás pra dar um susto. E pelo visto, conseguiram, né, bocó? Ou vai ver que já tavam dentro da casa. Ó, vou dizer pela última vez: fantasma não existe! <Gasp>

— Que foi, Tucão? Engasgou?

— Não, tá tudo legal. Me passa o batom.

— Quê? Tu não quer dizer maçarico, ou pé-de-cabra, ou...

— É isso mesmo que tu ouviu, me passa o batom! E o rímel!

— O que que é isso, cara? Tu tá arrombando um cofre, e não se maquiando num salão de beleza!

— É mesmo, Tuc. Nem sabia que tu era chegado...

— Caretice da parte de vocês. Vou cantar uma musiquinha pra alegrar o ambiente, então.

— Ih, Mongol, olha a cara dele! O cara tá com os olhos vidrados! Tuc, tu tomou alguma coisa antes de vir pra cá?

— Come mister tally man, tally me banana (Till I come and me wanna go home)...

— Hã? Pára com isso, Tuc, tá me assustando!

— Come mister tally man, tally me banana (Till I come and me wanna go home). Day is a day-o (Till I come and me wanna go home). Day is a day, is a day, is a day (Till I come and me wanna go home)... (*)

— Caceta, Jota! O Tucão tá dançando que nem um caribenho! Que doideira!

— Eu vou é embora daqui, do jeito que esse maluco tá cantando alto, daqui a pouco aparece alguém e... GAAAAAHHHHHHHH!

— O que é que... GAAAAAAHHHHHH! D-daonde saiu e-esse cara de capa preta, Jota?

— Day is a day, is a day, is a day (Till I come and me wanna go home)...

— Eu sou o Vingador Fantasma, mortais. Perdoem os modos de meu amigo. Nós estávamos passando pelo plano terreno, por acaso ele ouviu sua conversa e resolveu pregar uma peça em vocês. Mas não há tempo para isso. Há assuntos de relevância cósmica e kármica que devemos tratar. Abandone já esse corpo mortal, Boston Brand!! Assim é melhor. Perdoem a confusão. Adeus.

— Tu o-ouviu isso, Mongol? E-ele disse... “fantasma”! E sumiu!

— Hã... onde é que eu tô, hein?

— Ih, o Tuc voltou ao normal. Xi... sirenes. Fudeu.

Bar do Lou. Depois de paga a fiança...

— Tô dizendo, Tuc! Tu tava cantando e dançando que nem um jamaicano! Aí o cara de preto disse que ele era um fantasma, e que o outro fantasma, amigo dele, tinha te possuído!

— É! E ainda te chamou de “bosta”! “Bosta branca”! E, por causa da tua gritaria, a polícia chegou e levou a gente.

— Tá bom. Eu fiz gritaria, né? Então como é que eu não me lembro? Vai ver que os “fantasmas” apagaram a minha memória também! Mongol, vai se catar, já provei que fantasma não existe! E tu, Jota, vê se dá próxima vez deixa a luz da cozinha apagada, porque assim a polícia não aparece. E me passa uma cerva. Cambada de mané.

:: Notas do autor

* Caso vocês não lembrem, essa é aquela musiquinha jamaicana hilária da cena em que os fantasmas possuem a família inteira na hora do jantar, no filme “Os Fantasmas se Divertem” (“Beetlejuice”), do Tim Burton. Ela se chama “Banana Boat (Day-O)” e o cantor é Harry Belafonte.



 
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