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Por
Otávio Niewinski
Liga
a lanterna.
Peraí, não tô achando.
Como assim, não tá achando? Vai dizer que tu esqueceu
a porra da lanterna?
Não, cara. Tá aqui. Tô ligando.
Acho bom.
Alma
Penada
Não
enche o saco, Tucão. Tu nem taria aqui se não fosse
eu.
Não fala besteira, seu mula. Eu podia ter arrombado
a porta dessa casa e chegado nesse cofre sem a ajuda de ninguém.
Muito menos a tua.
Ah, isso é verdade. Mas como será que tu
ia saber que o velho rico que mora nessa mansão teve um
troço e foi pro hospital, e que a casa tava vazia e prontinha
pra ser assaltada?
Humpf. Tá bom. Vira a lanterna pra cá, não
tô nem enxergando o cofre. Tá, assim tá bom.
Ei, cadê o Jota?
Sei lá. Ah, ele tá chegando ali. Onde é
que tu tava, Jota?
Fui na cozinha fazer uma boquinha.
Puta merda. Vai me dizer que tu foi na cozinha, acendeu
a luz, abriu a geladeira e faz um lanche?
Claro, Tuc. Se eu não acendesse a luz, não
enxergava um palmo na frente do nariz. E boca livre não
é todo dia. Por que essa pergunta?
Por quê? POR QUÊ? Seu besta, toda a vizinhança
tá sabendo que não tem ninguém nessa casa!
Se alguém vê luz na cozinha, vai estar na cara que
tem gente na casa fazendo uma limpeza! Puta que pariu, como é
que eu arrumo parceiro tão imbecil assim?
Pô, Tuc, manera aí... de qualquer forma, agora
é tarde, já voltei e tá tudo bem.
Tá. Só uma coisa... tu apagou a luz, né?
Hã... güenta aí que eu já volto.
ARGH. Eu mereço. Tá, vamo voltar pro batente
antes que alguém apareça mesmo. Mongol, vira a lanterna
pra cá de novo.
Esquenta não, Tuc. Não vai aparecer ninguém.
Eu tô sempre assaltando nessa vizinhança, e é
difícil passar alguém na rua. Quem poderia aparecer?
Só se fosse algum daqueles fantasiados.
Cara, nem
fala. Esses putos SEMPRE aparecem pra acabar com a minha alegria.
Tô ligado. É muito azar. Mas me diz uma coisa,
Tuc. Tu já viu o Demolidor uma pá de vezes... mais
que qualquer um de nós... é verdade o que dizem
por aí? Que ele escuta tão bem que pode ouvir até
as batidas do coração? Que o olfato dele é
tão bom que ele pode sentir o cheiro do peido que alguém
deu lá no Bronx?
Que nada, meu. Quem conhece aquele demo tão bem
quanto eu sabe que o poder dele é a visão. Visão
telescópica, raio-x, visão de calor, tudo o que
tu pode imaginar! Mas é só a visão mesmo
que ele tem de especial, nada dessas merdas de audição,
olfato e o escambau.
Ah, então é isso... é bom falar com
quem sabe. Porra, essa casa velha, nessa escuridão, fica
muito sinistra. Dá até calafrio!
Huahuahua... vai dizer que tu tá com medo que apareça
um fantasma? Passa o maçarico.
Já que tu falou... tô mesmo. Toma aqui o maçarico.
Tá brincando? Um cara dessa idade com medo de fantasma?
Não acredito.
É sério, Tuc. Olha, cara, eu só acredito
em fantasma porque já vi um.
Bwa-ha-ha-haaaa! Tá bom, tu conseguiu. Vou até
parar de cortar essa merda. Agora tu vai ter que contar que raio
de fantasma foi esse que tu viu.
Bom, foi assim...
Foi uns anos atrás. Eu tinha feito um serviço
aqui em NY e os tiras tavam meio que me procurando. Então
fui dar um tempo em Central City até a poeira baixar. Mas
sabe como é, eu não ia ficar lá um tempão
sem nem bater uma carteira, né? Pois foi o que eu fiz:
fui no centro tirar grana duns otários.
Peguei umas três carteiras em meia hora, tava muito
fácil. Se eu tivesse parado por ali, ia ficar tudo beleza.
O problema foi quando eu bati a quarta...
Tinha um velho passando por ali, distraído. Peguei
a carteira dele, mas ele notou, gritou, uns tiras olharam e eu
saí correndo. Quando eu entrei num beco pra escapar, apareceu
a alma penada.
Parecia com um cara normal, com roupa normal e tudo, mas
a cara dele ficava dum jeito que eu não conseguia ver,
parecia fora de foco. Ele tava lá, na minha frente, e me
mandou parar. Eu virei pro outro lado e corri pruma ruazinha lateral.
De repente ele tava lá de novo: na minha frente! Quase
que eu me cago de medo. Corri pro outro lado, pulei três
muros e parei só a cinco quarteirões dali. Achei
que tava livre, e me encostei numa parede. Quando eu olhei pro
lado, o desgraçado apareceu, atravessando a parede. Atravessando
a parede!! Tomei um susto tão grande que eu desmaiei,
e só acordei no outro dia, na delegacia...
Bwaaaaaa-ha-ha-ha-haaaaaa!!! Hehehe! Cara, tu é
muito otário mesmo. Tu tá até hoje achando
que isso daí era um fantasma?
Porra, Tuc! Pára com isso, meu! Tá na cara
que era fantasma! Se não era alma penada, o que era então?
Tsc. Tu tava em Central City, né? Pô, é
óbvio que era o Flash, cara!
Flash? Ah, não, Tuc. O Flash tem cara, esse aí
só tinha um borrão no lugar da cabeça.
Mongol, pensa um pouco. Era o Flash sem uniforme! Ele viu
que tu roubou a carteira, saiu atrás e, pra não
ser reconhecido, ficou vibrando a cara em supervelocidade!
Sei não... como é que ele aparecia sempre
na minha frente?
Putz, esse negócio de o ladrão sair correndo
e o tira chegar sempre na frente me lembra os desenhos do Tenente
Rabugento que eu via quando era guri. Mas é fácil
de explicar: dizem que o Flash é tão rápido
que tu nem vê ele passar. Quando vê, ele já
tá na tua frente!
Tá, mas e como é que ele saiu de dentro da
parede??? O Flash não faz isso!
Tu não disse que isso aconteceu uns anos atrás?
Então devia ser o Flash antigo, aquele que morreu. Esse
guri que tá no lugar dele agora não faz isso mesmo,
mas o antigo fazia. Deixa de ser mané, era o Flash, sim!
Fantasma não existe! E me passa o pé-de-cabra aí.
Humpf. Toma.
O que é que cês tão conversando?
Ah, voltou, animal? Apagou a luz? Acho bom mesmo. O nosso
amigo Mongol aqui tava contando que acredita em fantasma... coisa
mais ridícula! Hehehe!
Hã, desculpa, Tuc, mas eu não acho ridículo,
não... eu também acredito.
Ah, não. Puta que pariu, tu também? Desse
jeito eu não vou conseguir arrombar esse troço nunca!
Conta aí a tua lorota que eu tô curioso.
É o seguinte...
Tava eu e o Lopez...
Bwa-ha-ha-haaaaa!!! Hehehehe!!!
Pô, Tucão! Tá rindo do quê? Mal
comecei a falar!
Eu sei, mas esse começo já foi de morte.
Tu foi fazer um serviço com aquele meio-quilo do Lopez?
Só podia dar merda. Mas segue o baile aí...
Como eu ia dizendo...
Tava eu e o Lopez sem grana, sem trampo e sem cerveja. Aí
ele teve a idéia da gente arrombar aquela mansão
grandona que tem lá em Westchester. E foi o que a gente
fez.
A gente chegou lá e conseguiu entrar fácil
por uma janela. Achamos umas quinquilharias na sala que já
iam valer uma grana boa num antiquário. Mas aí apareceu...
a mina fantasma!
Era uma guria, com cara de novinha. Só que ela apareceu
do nada, do teto, e nos pegou no flagra. A gente tomou o maior
cagaço, claro. A gente saiu correndo pra fugir pela mesma
janela que tinha entrado. E ela vinha atrás, atravessando
as paredes, as cadeiras e as mesas! E quando a gente chegou na
janela, achando que tava salvo, apareceu... o diabo alemão!
Era um diabo mesmo, cara! Tinha pêlos, uns dentes
pontudos, três dedos nas mãos e nos pés, um
rabo pontudo e apareceu no meio de uma nuvem fedorenta, saído
direto do inferno! E falou uns troços em alemão!
Sei lá, pelo menos parecia alemão. Sorte que a gente
conseguiu pular a janela e sair correndo. E ainda ouvimos, de
longe, o diabo e a mina fantasma rindo da nossa cara. Na pressa,
deixamos o saco com o roubo lá dentro da casa. Mas pelo
menos a gente não morreu.
Huahuahua! Valha-me, minha santa aquerupita. Nunca ouvi
tanta besteira. Mina fantasma? Diabo alemão? Puta merda...
Tô te dizendo, cara. Juro por Deus.
Eu não tô duvidando, coió. Mas eu sei
quem são esses dois aí que tu e o Lopez viram. Vi
eles esses dias no programa do Vic Sage na TV. São dois
daqueles mutunas, os X-Men.
Mutunas?
É, meu. Tem uma guria que pode atravessar as paredes.
E um cara azul que leva um jeitão de diabo e aparece e
desaparece quando quer. Na certa eles viram vocês entrando
e foram atrás pra dar um susto. E pelo visto, conseguiram,
né, bocó? Ou vai ver que já tavam dentro
da casa. Ó, vou dizer pela última vez: fantasma
não existe! <Gasp>
Que foi, Tucão? Engasgou?
Não, tá tudo legal. Me passa o batom.
Quê? Tu não quer dizer maçarico, ou
pé-de-cabra, ou...
É isso mesmo que tu ouviu, me passa o batom! E o
rímel!
O que que é isso, cara? Tu tá arrombando
um cofre, e não se maquiando num salão de beleza!
É mesmo, Tuc. Nem sabia que tu era chegado...
Caretice da parte de vocês. Vou cantar uma musiquinha
pra alegrar o ambiente, então.
Ih, Mongol, olha a cara dele! O cara tá com os olhos
vidrados! Tuc, tu tomou alguma coisa antes de vir pra cá?
Come mister tally man, tally me banana (Till I come
and me wanna go home)...
Hã? Pára com isso, Tuc, tá me assustando!
Come mister tally man, tally me banana (Till I come
and me wanna go home). Day is a day-o (Till I come and me wanna
go home). Day is a day, is a day, is a day (Till I come and me
wanna go home)... (*)
Caceta, Jota! O Tucão tá dançando
que nem um caribenho! Que doideira!
Eu vou é embora daqui, do jeito que esse maluco
tá cantando alto, daqui a pouco aparece alguém e...
GAAAAAHHHHHHHH!
O que é que... GAAAAAAHHHHHH! D-daonde saiu e-esse
cara de capa preta, Jota?
Day is a day, is a day, is a day (Till I come and me
wanna go home)...
Eu sou o Vingador Fantasma, mortais. Perdoem os modos de
meu amigo. Nós estávamos passando pelo plano terreno,
por acaso ele ouviu sua conversa e resolveu pregar uma peça
em vocês. Mas não há tempo para isso. Há
assuntos de relevância cósmica e kármica que
devemos tratar. Abandone já esse corpo mortal, Boston Brand!!
Assim é melhor. Perdoem a confusão. Adeus.
Tu o-ouviu isso, Mongol? E-ele disse... fantasma!
E sumiu!
Hã... onde é que eu tô, hein?
Ih, o Tuc voltou ao normal. Xi... sirenes. Fudeu.
Bar do Lou. Depois de paga a fiança...
Tô dizendo, Tuc! Tu tava cantando e dançando
que nem um jamaicano! Aí o cara de preto disse que ele
era um fantasma, e que o outro fantasma, amigo dele, tinha te
possuído!
É! E ainda te chamou de bosta! Bosta
branca! E, por causa da tua gritaria, a polícia chegou
e levou a gente.
Tá bom. Eu fiz gritaria, né? Então
como é que eu não me lembro? Vai ver que os fantasmas
apagaram a minha memória também! Mongol, vai se
catar, já provei que fantasma não existe! E tu,
Jota, vê se dá próxima vez deixa a luz da
cozinha apagada, porque assim a polícia não aparece.
E me passa uma cerva. Cambada de mané.
:: Notas do autor
* Caso vocês não lembrem, essa é aquela musiquinha
jamaicana hilária da cena em que os fantasmas possuem a
família inteira na hora do jantar, no filme Os Fantasmas
se Divertem (Beetlejuice), do Tim Burton. Ela
se chama Banana Boat (Day-O) e o cantor é Harry
Belafonte.

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