hyperfan  
 

Starman # 01

Por Matheus Pacheco

:: Sobre o Autor

:: Próxima Edição
:: Voltar a Starman
::
Outros Títulos

Prólogo

"Às vezes eu odeio ser filho de quem sou.

O manto de herói não me cai muito bem, eu acho. Não nasci pra estar no centro das atenções. Não nasci pra que os outros depositassem em mim sua confiança.

Pois bem, aqui estou eu. O herói de Opal City...

Título incômodo...

Na minha infância eu sempre imaginava Dave seguindo a carreira de papai e eu tocando numa banda de rock.

Na minha adolescência, enquanto Dave estava jogando beisebol com os amigos, eu estava ouvindo Velvet Underground e fumando maconha escondido no meu próprio mundo. Não imaginava um dia ser um exemplo.

Não queria que as mães apontassem para mim e dissessem para seus garotos: "Este sim é um homem em que você deve se mirar!"

Homem...

Quem diria. Eu que nunca me vi como sendo um homem formado. Não consigo olhar no espelho e ver nada além de um garoto. Um pobre garoto assustado que não pode mais seguir seus instintos.

Até mesmo a minha vida social foi deixada de lado. Há quanto tempo eu não tenho uma garota em meus braços? As pessoas esperam muito dos heróis que escolhem para idolatrar. Mesmo querendo, minha consciência não me deixa mais ficar com uma garota apenas para transar, sem compromisso. Bons tempos aqueles em que eu ia aos ensaios da banda de meus amigos e tudo acabava em sexo e drogas (o rock'n'roll vinha antes...).

Por mais que eu tente, hoje em dia não consigo andar entre as pessoas como um cidadão comum. Em Metrópolis, Gotham ou Nova Iorque deve ser normal você encontrar um maluco superpoderoso comprando alfaces no armazém da esquina.

Não em Opal...

Aqui quando alguém me vê comprando uma Newsweek na banca logo vem me pedir a opinião sobre o último assunto. Se o dono da mercearia me reconhece, minhas cervejas ficam pela metade do preço. Eu devo ser, juntamente com papai, o único cara da cidade que ainda pode comprar fiado em qualquer loja.
Há pessoas que adorariam ter a vida que eu tenho. Adorariam ser adulados por onde quer que passassem. Adorariam ser apontados quando estivessem atravessando a rua. Adorariam ficar a tarde toda dando autógrafos e palestrando para um bando de moleques irritantes numa escola pública.

Mas não esta pessoa aqui.

Tudo o que eu queria é poder desfrutar novamente dos simples prazeres de uma vida comum.

Acordar, tomar leite direto da caixa no café da manhã, andar de cueca no apartamento dia todo, juntar lixo de uma semana pra jogar fora.

Sair à noite, tomar litros de cerveja, ficar muito louco, pegar umas garotas e fazer uma festinha privê no apartamento de um amigo.

Quando muito bêbado, urinar na parede da delegacia de polícia. Quando muito sóbrio passar horas e horas discutindo com aquele babaca que diz que o rock morreu. Quando triste ficar em casa e esquecer que o mundo existe. Ficar sem dar satisfação a absolutamente ninguém por uma semana.

Malditas rondas noturnas.
Maldita obrigação de dizer pro papai que estou vivo diariamente.
Maldito impulso de ajudar um estranho em apuros.
Maldita humanidade...

É...

Deus dá asas pra quem não sabe voar mesmo..."

Pretérito Imperfeito

Apartamento de Jack Knight - 10:00

"Tenho urgentemente que encontrar lugar pra abrir de novo a loja. Não vou conseguir ficar sem trabalhar por muito mais tempo. Até porque a grana já está acabando. Merda.", pensa Jack Knight com seus botões enquanto acaba o enorme pote de sucrilhos que preparou para si mesmo de café da manhã.

No meio do caminho entre colocar o pote plástico na pia da cozinha e se arrastar até o banheiro para escovar os dentes, Jack consegue — debilmente — esticar o braço até a aparelhagem de som e ligar o que estiver na agulha.

Ground control to Major Tom. Commencing countdown, engine's on. É o som que sai.

"Ótimo. Tudo o que eu precisava agora é ouvir um som depressivo com aquela voz de locutor de aeroporto que só o Bowie consegue fazer. Além do mais, eu tenho me sentido meio Major Tom. Eu odeio este tipo de metáfora barata, mas não posso deixar de imaginar meu velho como o Controle de Terra.", divaga Jack enquanto escova os dentes, com uma disposição nada invejável.

Meia hora após, Jack está pronto para mais uma busca interminável pelas ruas de Opal, tentando encontrar um lugar adequado para (re)montar sua loja de artigos usados (ou quinquilharias, como diz seu pai), a Knight's Past. Está trancando sua porta pelo lado de fora quando o telefone toca.

"Bosta. Porque as coisas são sempre assim? Porque o telefone toca justamente quando eu já estou fora do apartamento? Eu deveria elaborar uma teoria científica em cima disto."

— Alô? Jack Knight falando.

— Jackie? Beleza cara? Aqui quem fala é Tom, se lembra de mim?

— Porra, só conheci um Tom na vida, e a última vez que nos falamos foi em...

— 1992. Giants Stadium em NY, show dos Stones. Grande porre tomamos aquela noite.

Tom! Tommy, meu velho! Porra, você sumiu depois daquilo! Nem pra ligar, cara!

— Não deu, bicho. Mas antes que você comece a perguntar non-stop como sempre, quero dizer que estou a cidade. Que tal uma cervejinha?

— Meu amigo. Falou as palavras mágicas. Só se for agora, e já almoçamos juntos, então!

— Fechado, que tal o Huxley's?

— Ih, cara! O Huxley's fechou há anos. Vamos no Orwell que está excelente.

— Okay, estou indo.

Opal Towers - 10:00

— Ora, Sr. Connor! Como você pode sequer imaginar que eu poderia enganá-lo? Nós dois sabemos que o 'negócio' só florescerá se colaborarmos mutuamente.

— Sei, mesmo assim, é regra básica de nosso negócio não confiar em ninguém, você bem sabe. Ainda assim, você tem razão. Se um ganha sozinho, ambos perdem. E isso me acalma por hora.

— Excelente! Então continuemos nosso pequeno negócio..."

Restaurante Orwell - 12:30

— Porra, cara! Que saudade daqueles tempos de drogas e rock and roll!

— E bem raramente algum sexo.

Ambos riem à exaustão. É assim quando velhos amigos se encontram. Qualquer piada pré-cambriana é motivo para urinar nas calças. Qualquer recordação obscura faz dois marmanjos chorarem como criança quando quebra um brinquedo.

— E aí, Tommy? Que ventos o trazem a Opal City?

— Porra, bicho. Eu estava com um puta emprego de consultor de segurança em uma grande empresa de e-business, mas aconteceram umas coisas recentemente — você deve ter lido sobre o mega-ataque hacker do fim de 2000 — e eu acabei sendo chutado. E você sabe, né? Assim como criança quando perde o bico corre pro colo da mãe, eu quando perdi tudo corri para as ruas do único lugar em que me sinto seguro.

— E está fazendo o que agora?

— Nem sei direito o que vou fazer. Tenho um pouco de grana sobrando e quero entrar de sócio em alguma coisa que me deixe livre pra desenvolver software que é minha verdadeira paixão. Pra te falar a verdade, eu sou um verdadeiro cyber-cidadão.

"Taí! Tommy pode me ajudar bastante com esta disposição", pensa Jack. "Ele entra com grana na loja e me ajuda a tocá-la."

— Tommy, eu tava pensando... Minha loja passou por maus bocados recentemente e eu estou repovoando de itens e procurando um novo lugar pra reabrir. Tás a fim de entrar nessa?

— Jacky, meu velho! Era tudo o que eu precisava ouvir. Mas o que aconteceu?

— Ihhh... — e Jack conta toda a história recente* para seu amigo e atual sócio enquanto saboreiam um delicioso almoço executivo a preços módicos.

Hotel Morello - 16:15

Tom deita em sua cama e liga a televisão. Há mais de 2 meses ele não pára nem para ver um jornal. Liga na MTV e descansa um pouco. Finalmente ele conseguiu algum emprego para poder fixar-se em Opal. Na tevê um clip de Christina Aguillera.

"Por Deus, que coisa horrível! Uma mulher incrivelmente maravilhosa e uma música deploravelmente horrorosa. A que ponto chegou o gosto popular hoje em dia?"

Enquanto divaga sobre a qualidade da produção cultural (cultural?) atual, ouve seu notebook emitir um som conhecido. 'Incoming mail', diz a voz do computador, desenvolvida para ser sensual, mas com um efeito risível, tal como um filme pornô de quinta categoria.

'Olá, senhor colega-do-Starman. Fique sabendo que está chegando a hora do pagamento. Você terá de acertar suas contas conosco.'

Taquicardia é a denominação técnica para 'batedeira no coração'. Uma descarga qualquer de adrenalina pode fazer este efeito, com subidas até 120 batimentos por minuto. Imagine a descarga de adrenalina necessária para subir a pulsação de um indivíduo a 160 batimentos por minuto. Imagine o quanto uma pessoa tem de ficar nervosa para ter febre (literalmente) ao ler uma simples frase.

Tom nem tenta rastrear a fonte do e-mail. Ele sabe quem é o remetente. Ele sabe o que quis dizer. Ele sabe que a hora está chegando, e salve-se quem puder…

Observatório Knight - 17:30

Jack Knight não costuma fazer muitas visitas a seu pai, o gênio da física quântica Theodore (Ted) Knight. Principalmente depois de se tornar Starman, Jack costuma associar seu pai à imagem do herói à moda antiga, algo que ele não quer se tornar.

Hoje é diferente. A conversa com Tom, as lembranças do passado, o fato de repassar todos os eventos recentes para seu amigo, fizeram com que Jack sinta uma espécie de compulsão em rever seu pai e seu recentemente adquirido 'irmão', um alienígena de pele azul que atende pelo nome de Mikaal (ou Michael, como preferir).

Ele só não esperava encontrar um terceiro morador no observatório.

— Ahnnn. Olá, pai. Tudo bem? Quem é esse cara?

— Hehehe. Olá, filho. Este é Jim Robinson, pós-doutorando em física quântica que está fazendo um estágio comigo. Jim chegou nesta tarde em Opal.

— Olá, Jack. Prazer.

— Com prazer é mais caro, meu amigo. Mas o senhor vai dividir todas as suas fórmulas, suas equações, seus segredos com um… estranho?

— Bom, pra começar ele não é exatamente um estranho. Jim é filho de um grande amigo meu dos tempos de universidade e, como se não bastasse, vem altamente recomendado por Reed Richards, que foi seu preceptor no mestrado. Depois, já está mais do que na hora de alguém mais jovem ter acesso a meu banco de dados. Eu já estou ficando velho e as idéias não fluem mais como fluíam antigamente. Jim vem trazer novas idéias às minhas pesquisas.

— Tá bom. E Mikaal, como vai?

— Vai muito bem! Ele deve estar em seu quarto agora. Está fascinado pela internet, e já vem conseguindo proferir algumas palavras. Infelizmente ainda não recuperou sua memória e nem seus poderes. E Solomon vem se adaptando muito bem aqui também, acho que morar com Mikaal fez desaparecer aquela auto-percepção de aberração que ele tinha.

— Maravilha, é assim que eu gosto de ver as coisas. Tranqüilas e no caminho certo.

— Oi, Mikaal! Tudo bem contigo? Está entendendo o que eu digo?

— Djác… Oi… Entende… Pouco…

— Que bom, já é um avanço. Escuta, cara, quando lembrar de algo, me diga, certo? Pede pro meu pai me dizer.

— Sim… Diz… Ted… Avisa Djác…

— Beleza. Eu vou indo. Se cuida!

— Cuida… Adeus Djác…

Enquanto sai do quarto, Jack Knight cruza no corredor com o grandalhão Solomon Grundy.

— Olá, Grundy!

— Oi, Estrela. Solomon feliz com Ted e Mikaal.

— Muito bem. É assim que as coisas devem ficar. Eu espero…

Solomon dá um grande sorriso para Jack e entra no quarto de seu novo amigo, Mikaal. "Isto aqui está parecendo uma família de novo", pensa Jack.

— Vou indo, pai. Tenho uma janta marcada com os amigos de infância. Eu estou meio saudosista ultimamente.

— Pois bem, filho. Boa noite, boa janta. Depois de tantas mudanças vai ser bom para você rever o que passou para digerir melhor o que está por vir.

"Odeio quando meu pai fala como a Charity. Aliás, eu tenho que ir vê-la qualquer hora", pensa o Starman, cada vez mais confuso com sua vida atual.

Boteco do Moe - 23:00

— Porra, Tommy. Você tem certeza que ligou pro Arty? Ele não costuma atrasar.

— Liguei sim. Ele disse que até meia-noite era pra esperar que ele estava vindo.

— Merda. Porque o cara é um grande chapa, senão eu saía daqui só pra sacanear com ele.

— Hehehehe. Você nunca faria isso com o Artie. Ele sempre foi o cara que você mais deu crédito.

— Também, éramos só nós quatro. Eu, você, Arty e o Ian. Você e o escocês sempre foram gente da pior espécie. Só sobrava o Arty pra conversar coisas a sério.

— Ah, Jacky. Pára com isso! Só porque o Ian e eu não suportávamos suas queixas adolescentes? Porra, a cada dois dias você se apaixonava de morrer por uma mulher diferente! E completamente diferente da anterior!

— Hahahahahaha. É verdade! Mas todas passaram e não ficou nada delas. Exceto, talvez, pela Jenny. Aquilo sim era mulher.

— É. Justamente a única que nem um beijinho te deu.

— Precisa me lembrar disto?

— Ah, qualé? Você era o maior don Juan. A única mulher que você quis e não teve foi a Jenny. E ela virou o teu fraco.

— Ela já passou, cara. Depois que você foi embora surgiram mais duas. Uma por um ano. E outra que durou até um pouco antes da morte do Dave. Depois disto eu não vi mais mulher nem em revista de putaria. Ser super-herói é foda, mermão!

— Porque acabou com esta última?

— Você vai se mijar de rir. Ela acabou comigo porque achava que eu era injusto quando gozava da cara do Dave por ele ser o Starman. Ela deve estar morrendo de rir de mim agora.

C'est la vie!

— Você e o seu francês mal pronunciado. Nunca vai fazer um cursinho, não?

— Pra falar a mesma frase? Tás louco? Olha o Arty aí, cara!

— Arty, irmão velho! Já fazem uns bons 6 meses! Como você tá, cara?

— Encrencado, cara. Completamente encrencado…


:: Notas do Autor

* (Starman - Magnum 1-4; Starman - TEQ 1-4)



 
[ topo ]
 
Todos os nomes, conceitos e personagens são © e ® de seus proprietários. Todo o resto é propriedade hyperfan.