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Por
Matheus Pacheco
Escalpos Secando
ao Vento na Noite Fria do Texas
Parte IV (ou Senoidais)
"Faz mais ou
menos uma hora que saí da aldeia Lakota. Estive andando
neste tempo todo, pensando na vida. Tive alguns dias malucos recentemente,
mas parece que agora passou. Ainda não entendi o que aconteceu
lá atrás. Na verdade, nem sei se quero entender.
Foi bom falar com a minha mãe. Se bem que falar não
é bem o termo pra delírio químico. Acho que
foi tudo coisa da minha cabeça, não sei. Daquela
vez com o Dave foi tudo muito real e há anos eu não
usava nenhuma droga pesada. Falando em droga pesada, o que será
que esses índios me deram? Provavelmente algum daqueles
chás alucinógenos rituais deles. Será que
vai dar alguma merda mais pra frente por isso?"
Mãe? Você pode me ouvir?
"Óbvio, óbvio que não. E mesmo que pudesse...
Não teria chazinho nenhum pra eu lhe ouvir, né?
Eu só quero te dizer obrigado. Pode ter sido coisa da minha
cabeça mas, sim, era você falando, nem que apenas
baseado no que eu me lembro que você falava. Sempre se preocupou
conosco, né? Eu, Dave e papai. Mas sempre dava um jeito
de puxar pro meu lado. Eu te amo, mãe. Te amo muito e prometo
que vou tentar fazer jus ao carinho que você sempre me deu.
Aqui estou eu, no meio do deserto do Texas, quatro e pouco da
tarde de algum dia qualquer (que eu não faço a menor
idéia), delirando, conversando com mortos. E estou adorando
isso"

Seus olhos não
enxergam muita coisa, borrados por lágrimas. Voando a uma
velocidade espantosa, Jade não deixa de pensar em Jack,
em Cindy, em Kyle, em sua vida e como tudo está de ponta-cabeça.
Seu corpo exala uma aura esverdeada, que emite de tentáculos
de luz em todas as direções. Normalmente Jade controla
inconscientemente suas emissões de radiação,
mas não hoje. Hoje ela faz questão de que o mundo
a veja e sinta sua tristeza. Ela faz questão de que, ao
menos uma vez na vida, quem quer que ela salve padeça de
seu tormento.
Abaixo dela, centenas de pessoas em cada rua erguem seus narizes
em direção ao céu, buscando entender o que
é aquela estrutura que passa a toda velocidade sobre eles.
Não conseguem compreender, mas de alguma forma conseguem
sentir as manifestações do desespero de Jade.

Areia por todos os
lados. E, no meio de um nada opressor, está Jack
Knight, um herói, um artista, um obscuro iluminado. Andando
a esmo, dirigindo-se a lugar algum, ele mantém seu passo
firme como o de alguém decidido a viver.
Em um dado momento ele pára, olhando à sua volta,
só vendo areia por todos os lados; mas há uma exceção...
No topo de uma colina, um coiote solitário observa aquela
estranha criatura que parece sem rumo. Jack se vira e o encara
firmemente, sendo confrontado prontamente. Alguns minutos se passam
até que, como um psicótico descompassado, desaba
em uma profunda gargalhada. Olhando para cima, começa a
esbravejar.
Então é isso? É isso o que está
acontecendo? Não parece, não mesmo. Fodam-se todos
vocês, malditos espectadores da tragédia de uma vida.
Foda-se você! E saiba que, na medida do possível,
vou fazer de tudo pra escapar dos teus desígnios. Deus...
Ah, que piada! Maldito voyeur sádico!
Neste momento, o animal que até então observava
a tudo atentamente vira-se calmamente para o outro lado e passa
a andar. Ele sabe para onde vai; mas e quanto ao andarilho?
"O que é que estou fazendo? Isto tudo está
parecendo algum filme francês da nouvelle vague.
Nada faz sentido pra mim, nem as minhas próprias atitudes!
Pra onde eu vou? Será que um dia este areal vai acabar?"

Em uma sala escura
está sentado um senhor claro. Sua alma cinza não
permite classificá-lo segundo a pálida escala moral
dos homens.
Abre sua cortina parda e observa por alguns instantes o céu
azul que cobre o seu mundo. Súbito, um flash amarelado
surge em sua mente, até então transparente, vazia
como a de um iogue.
Não é hoje que o verde deve ver o vermelho.
Talvez nunca. Devo intervir.
Rapidamente, o sujeito pega sua cartola, seu guarda-chuva (as
nuvens estão claramente escuras no horizonte, um cavalheiro
deve saber se proteger das intempéries) e se dirige à
porta, que está fechada. Bate rapidamente em seus bolsos
à procura de uma chave. Como não encontra coisa
alguma passa a fitar a porta.
Timidamente, um sorriso começa a surgir em sua mente. Todas
as graduações possíveis surgem até
uma gargalhada insana que dispara. Forma-se, nesta hora, um portal
de sombras no meio da sala, que rapidamente acaba por encobrir
seu mestre e levá-lo ao palco principal.

Ao sair do perímetro
urbano de Opal, Jade pára no ar e, flutuando como se a
natureza do homem fosse flutuar, abre um sorriso tímido.
"Onde diabos estou indo? Não
faço idéia de quem é esta tal Névoa.
Como vou achá-la? Pare de se lamentar, idiota, e aja como
uma adulta que você é."
Rapidamente, a moça desce até a frente de um bar.
Um telefone público jaz ali, em estado deplorável,
como se sua única função fosse servir de
alvo para competições de arremesso de pedra pelos
garotos da região, e Jade vai até ele.
Oa! Uma moça verde usando um tepê. Taí
uma coisa que não se vê todo dia, ainda mais com
uma roupinha tão apertada!
Que lugar é este, senhor?
Finn Bar, condado de Duke, moça. Eu sou o Humphrey.
Escuta, você é chegada em uma cerveja?
Não com trogloditas, obrigada.
E seriamente se volta para o telefone, invoca algumas moedas verdes
e passa a discar.
Alô?
Alô, Jim? É Jennie.
Oi Jennie. Onde você está? Mikaal está
voando por aí, tentando encontrar Névoa e seu bando.
Eu... Eu saí voando sem destino
e acabei em Duke.
Duke? Por Deus, Jennie, volte aqui para eu te passar algum
equipamento que arranjei com um amigo.
Equipamento?
É. Venha aqui logo, por favor.
Certo.
Ô, moça! Falou com o namorado?
Ah, cale a boca!
Dizendo isso, uma máscara de hóquei esmeralda surge
no rosto do velho dono do bar, abafando sua voz.
Logo só resta uma névoa esverdeada no lugar onde
estava a mulher.

"Merda. Pra
onde diabos eu estou indo? Já nem sei mais o lado pro qual
aquele coiote foi. Aliás, nem sei que hora do dia é
ou pra que lado estou virado. Merda de novo, devia ter sido escoteiro
como o Dave.
Estranho... Como eu saí da aldeia? Como eu entrei? Não
me lembro... Pensando bem agora, de nenhuma estrada ou coisa do
gênero. Aliás, nem lembro muito da distribuição
geográfica da coisa. Quem era aquela gente?
E mais estranho ainda, eu devo estar há umas quatro ou
cinco horas andando direto e não estou cansado nem tenho
fome ou sede.
Que diabos está acontecendo?

Oi, Jim. Desculpe
minha desorientação. O que você queria me
entregar?
Tome, é um comunicador por microondas. Com isto
você poderá se comunicar tranqüilamente com
Mikaal.
Comunicador? Não sabia que
você é um gênio da eletrônica além
de doutor em física.
E não sou. Peguei este projeto com Henry McCoy em
algumas aulas de astrofísica que ele freqüentou comigo.
Ele adora demonstrar seu gênio científico e distribuir
patentes como presente.
Patentes de invenções?
Isso. Nosso preceptor no pós-doutorado, professor
Stephen Hawking, ganhou uma espécie de mouse ocular para
aquele computador que tem adaptado à cadeira. Hank é
um gênio desperdiçado em meio à intolerância.
Nem me fale em intolerância.
Se eu não fosse modelo famosa, seria impossível
conviver nas ruas.
Sei sim. Mas vamos ao que interessa.
Claro! Alguma idéia de para
onde foi a tal de Névoa?
Vagas suposições, apenas. Parece que um Audi
A3 foi visto em alta velocidade nos limites da cidade, indo em
direção ao Norte, segundo um hacker amigo de Jack
que está dando uma força.
Pulk. Cheio de fazendas, né?
Pelo pouco que ainda conheço da cidade sim. Bem,
Mikaal já está na região...
Estou indo direto pra lá.
Espere, Jennie. Mais duas coisas...
Diga logo, Jim!
Primeiro, o Audi é vermelho sangue, não deve
ser difícil de encontrar. E segundo...
James Robinson hesita por um instante.
Segundo, Jim?
Bem... Eu não deveria me meter, mas dá pra
ver nitidamente que você não está bem. Não
vá fazer nada para se arrepender depois, certo?
Tá, pai. Pode deixar.
Certo, então. Boa sorte.
Jade nada responde. Apenas estala um beijo na bochecha de James,
olha-o por um instante como que agradecendo-o e parte pela janela.
"Garotas, bah!"
:: Notas do Autor
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