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Demolidor # 06

Por Conrad Pichler

Sultans of Swing

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Duas semanas atrás, uma batida na porta. Ela abre. É Franklin "Foggy" Nelson, o advogado, talvez um dos caras mais sem sorte de Manhattan. Quem abre a porta é Fiona Lions, que já o espera. Seus olhos se cruzam e se desviam. Eles se cumprimentam friamente, a porta se fecha. Uma hora e meia depois, o advogado sai frustrado.

Uma semana atrás, uma batida na porta. Ela abre. É Nelson, o advogado sem sorte de Manhattan. Lions o cumprimenta rapidamente, seus olhos se cruzam por um minuto, desviam-se, a porta se fecha. Duas horas depois, ele sai; ela o acompanha até a porta.

Há dois dias. À porta, Franklin. Fiona o cumprimenta por um tempo e o olha nos olhos. Os olhos mantêm-se fixos uns nos outros, a porta é fechada. Duas horas e meia depois, ele sai sorrindo, enquanto ela o observa entrar no elevador.

Nelson & Murdock, escritório de advocacia. Manhattan, à noite

Ele é Matthew Murdock, advogado cego e também o Demolidor, super-herói sombrio da Cozinha do Inferno, bairro onde tanto o homem como o mito urbano nasceram, cresceram e... não vamos falar em morte... ainda.

Toca o telefone. Matt, sentado na poltrona, lendo alguns relatórios em braille, faz um sinal para Foggy: "é para você".

O chiado é forte no aparelho. Uma voz feminina recita um endereço. Matt ouve o coração rechonchudo do amigo badalando um "AlI You Need Is Love"; a voz dele sai sem articulação. Seus lábios estavam dilatados de orelha a orelha. Para terminar, com ouvidos aguçados, Matt escuta um sussurrado "Tchau, Fiona!".

Girando a cadeira, ele fica de frente para o amigo Foggy, o outrora advogado sem sorte de Nova York.

— Que foi? — perguntou o sorridente advogado ao desligar o aparelho, percebendo a preocupação nos movimentos do amigo.

— Fiona? — questiona Matt.

— Ah! Ela?! — ele se esquiva — Quer discutir um tópico do acordo... — conclui.

— Espera, espera... Pereba Patterson assedia Fiona Lions e ela, supostamente violentada, abre um processo que pode pôr o cara atrás das grades por décadas. — o advogado cego respira e em seguida continua — Ele pede ajuda para você, seu velho amigo de faculdade. Começa uma batalha em busca de um acordo... isso dura dois meses, sem que nada seja conseguido... e então o sr. Foggy se encontra quatro vezes com Fiona Lions e... temos um 'acordo'?!

— Sim e não. — ri Foggy, malicioso — Sim, eu me encontrei com ela três, não, quatro vezes e usei todos os argumentos e aparatos legais... — Matt ouve uma respiração profunda, sentindo de longe o aumento da temperatura corporal — E não, não é "um acordo", é "o acordo", Matt.

— OK. Você é "o advogado"... — responde Matt, irônico, medindo a pulsação do amigo.

"Foggy deve ter algo em mente que realmente configure um acordo." — pensa Matt — "Ele é muito competente, mas é facilmente fisgável em questões amorosas. Lembro de sua primeira esposa, Debbie, que fazia com ele o que bem entendia."

Matt fica preocupado. Ele não sabe o que 1,80m de mulher, perfume envolvente, voz melodiosa, provavelmente bela — afinal, todos viram o pescoço para vê-la passar — pode fazer com Foggy.

Neste exato momento. Motel Yes!, Brooklyn

À porta do apartamento está Foggy. Ninguém vem atender. Ele ouve uma voz, pedindo que entre; quase não pode escutar, de tão distante que soa.

O ambiente está escuro. Um néon avermelhado ilumina o interior, permitindo que Foggy vislumbre o chão, a cama e um casaco sobre ela. Mais ao canto, no fundo do quarto, uma porta entreaberta deixa escapar um pouco de vapor, que gera um efeito estranho e místico sobre aquele ambiente... o perfume marcante torna o cômodo ainda mais envolvente e velado.

— Fiona, por que nos encontramos aqui? — Foggy senta na beira da cama, olhando por sobre o ombro a porta do banheiro — Seu apartamento em Manhattan seria... mais... — não consegue terminar a frase ao divisar, nas brumas refletidas num espelho, as voluptuosas formas de mulher.

— Você vai gostar, dr. Nelson.

— Doutor? Fiona, eu... o que....

Embebida em uma nuvem úmida e quente, ela surge; uma mulher, uma belíssima mulher; mas não Fiona — ou seria?

— Boa noite, doutor...

Ela o abraça, o envolve, o umedece ao tocá-lo com seu corpo quente.

— Não! Sua louca... o que é isso!!!

Ele raciocina e a ação o desagrada, mas a imagem, o toque voluptuoso, úmido e quente, o entorpece e embriaga o corpo. Se suas pernas o respondessem, ele correria, mas seu cérebro está ocupado em conter outras partes de seu corpo.

— Calma, doutor... aproveite... sinta...

Ela desce a mão pelo dorso dele e toca-lhe a pele, um arrepio frio e elétrico, respondidos por ondas quentes. E seu corpo úmido pesa sobre o dele.

— Quem sai na chuva precisa se molhar, doutor... — diz ela, sorrindo e preparando os lábios para beijar seu peito.

Apartamento de Matt Murdock. Manhattan, agora

"Fechar a janela. Esse foi meu primeiro passo para entrar numa verdadeira escuridão, acionar o isolamento acústico do apartamento, fechar a persiana, tirar a máscara escarlate e depositar minha paga aos cofres da noite... eu estava pronto para tomar um banho quando percebi que não me importava... meu suor, o sangue que um bandido tirou do canto da minha boca... eu não sei... só queria deitar na cama e escutar o silêncio, nem era preciso me concentrar para que as paredes falassem, ouvir através delas... mas eu ignorei as vozes da noite, queria o silêncio... mas é nessa hora que a gente se trai, só poder ouvir seu próprio coração noite adentro. Não é fácil, um coração batendo sozinho. Droga!"

O advogado fica deitado nos pés da cama com o tronco nu e de calças vermelhas, as tiras de luz da persiana o cobrem. Fechar os olhos é ação natural para quem dorme, mas a escuridão é sempre a mesma sempre, mesmo de olhos abertos.

Um coração batendo só... esse pensamento entra fundo no subconsciente de Matt e lá do fundo ele ouve vozes conhecidas respondendo. A primeira que lhe vem visitar é Heather Glenn. No sonho, eles caminham por ruas sinuosas e ele parece beber dela; embriagado por Heather. Em seguida está em seu apartamento, aquele mesmo quarto estende-se diante deles e o casal se envolve e cresce. Assim, horas se passam no interior de apenas alguns minutos e ela pega em um sono profundo. Ele sorri; a sensação tátil do amor multiplicado é ainda mais empolgante com a pessoa que se ama, mas no fim é o som tranqüilo do sono dela que o faz mais feliz. Mas ela se vai...

Logo vem Karen Page, das brumas de um passado muito mais remoto que Heather Glenn. É tudo tão dolorido, talvez por que seja a primeira vez... a primeira vez que a olha assim. Não é mais uma menina, mas também não é uma mulher completa; é uma mulher despedaçada, perdida. Mas é ela que mexe com ele. Um estranho sentimento de dor lhe comove, empurrando um para o outro. É a primeira vez que ela, também, sente uma dor que a prende, é um prazer estar ali, mas é um prazer que ela sente ali? Ou é dor?

E, depois, quando ela dorme nos seus braços, Matt enxuga as lágrimas no rosto dela, e deixa escorrer as que molham o seu; por tudo o que eles passam, ele já não sente a dor dele, mas a dela. Mas ela se vai...

Matt abre os olhos; instintivamente, conduz um mantra que guarda no peito apertado. Pensa em como é possível reviver em uma noite antigas paixões e mesmo assim olhar em volta e ver que nada havia sobrado.

Mas o sonho vem. Sim, desta vez um sonho. Sal e oliva, um rústico e denso algodão cru. Mas é, sobretudo, macio e sedoso, um perfume de cerejeiras e incenso. Um mantra que percorre em vibrações exatas, intermitentes, o corpo equilibrado de formas e texturas, de contraste definido em sombras e sons... um hálito doce de morango vermelho, cor percebida sem luzes.

Foi só com ela que ele sentiu aquilo... o corpo tomado numa mesma freqüência de movimentos e um arrepio elétrico, sua mente em cada parte do corpo, não divisando espaço com o coração, mas completando-o... eram um só calor e uma só sombra, eram apenas a indivisível figura de uma só pessoa, coração, mente e sentidos... aromas, toques e sons.

E foi só com ela que ele sentiu isso. O ápice a que ele foi elevado, permanece elevado e o faz permanecer acordado por horas e horas e horas. Foi só ela, Elektra, que permaneceu.

Agora. Motel Yes!, Brooklyn

— Moça... pára!

Foggy tenta desvencilhar-se da mulher loira e quente. Mas naquela escuridão ligeiramente rubra, ela se desvencilha do cinto dele, o tocando profundamente. Ele se rende, mas não antes de perceber mais dois corpos abrindo espaço nas sombras. São outras loiras e morenas, cinco no total, num escuro, úmido e quente toque... e assim, tão inesperadamente nu e tocado na escuridão, vem um flash.

Uma máquina digital. A entrega de Foggy está registrada. As moças se levantam secamente. Ele recobra a consciência e se enxuga do suor. Não tem como agir. Fica à míngua de uma ação interrompida e à mercê do que pode vir. Elas saem, vestindo somente seus sobretudos. Ele se rende ao frio da escuridão, às dúvidas e ao medo. E percebe sua própria estupidez.

Murdock. Manhattan, agora

A janela se abre e invade seu pensamento, com toda uma confusão. Mas é o coração dela que o faz se concentrar. É Natasha Romanova, espiã, a Viúva-Negra, em carne e osso. Ele senta-se na cama, ela também. De cabeça baixa, Matt tenta ouvir a pulsação dela, tão delicada quanto veloz.

— Natasha, nós... você...

— Matt, eu sei, às vezes eu entro aqui e te vejo distante... sei que sempre posso contar com você. Acho que não existe pessoa mais parecida comigo. Mas é difícil te ver tão longe. — ela pára e olha para ele.

— Sabe, Natasha... — diz ele — Se hoje tem uma pessoa que eu queria ter do meu lado, esse alguém é você.

Ela o vê completamente entregue, tão próximo.

— Matt, me beija....

Eles se beijam e vivem um agora, um aqui. E amanhã, não vão ter que se perguntar o que foi, o que passou. Mas isso não responde as perguntas desses dois corações.

Na manhã seguinte, o céu azul sobre as ruas de Manhattan

Os velhinhos caminham pelas calçadas com seus pães sob o braço, as mulheres puxam cães e as crianças buscam forças para alçar suas mochilas. E Foggy, o advogado sem sorte, numa ressaca moral, desvia-se de todos os olhares. Parece que todos estão olhando para ele; sua moral estaria balançada ao ponto de ver... coisas...

— Meu Deus!

Ele pára em uma banca de jornal.

— Deus, sou eu!

Todos à sua volta param e desta vez realmente o observam. O Globo Diário reproduz na primeira página uma foto dele deitado com cinco mulheres num motel do Brooklyn. Ele até pensaria ser outra pessoa, se ele mesmo não tivesse estado lá.

Nelson & Murdock, escritório de advocacia

— Matt, meu Deus! Matt!!!

Ele procura o amigo, mas nada.

— Onde ele se meteu?

É quando percebe que a secretária eletrônica está recheada de mensagens; ele toca o botão e a bomba explode:

— Senhores Nelson e Murdock, eu não quero mais sua representação. Que diabos é isso? Cinco garotas! Você enlouqueceu, moleque? — é a voz raivosa de Nick Fury, seguida por um "Biiip!".

— Por Deus, isso não pode estar acontecendo... — diz ele, mas seu pensamento é invadido por outra mensagem:

— Foggy, é Pereba Patterson. Eu não sei, mas a promotora vai usar... isso... você sabe... contra mim, cara, acho que vocês vão ter que sair... quer saber, cara, pensa no que dá pra fazer e me liga...

— Pereba, pelamordedeus, eu não sou um pervertido!

Foggy pensa que tudo que não pode acontecer, aconteceu... ou nem tudo:

— Eles podem ferrar com o Pereba agora...

A mensagem seguinte:

— Franklin, eu não quero mais acordo nenhum, esse deve ser um caso patológico dos advogados... todos são uns... se você não sair do caso, a promotora vai usar isso contra você e Patterson... eu nem devia ter dito isso... o juiz, você sabe como ele é...

Se já não bastasse a vergonha pessoal, agora existe a pública. Mas o pior talvez seja Fiona. Foggy não sabe o que aconteceu, mas alguém está usando o nome dela. Talvez até ela mesma.

"Isso ela pode ter armado." — pensa Foggy, tentando se apegar a alguma coisa para poder lutar — "Mas e se isso prejudicar Patterson? Ou Matt?" — ele pára e tenta ordenar a mente — "Acho que vou ter que deixar Pereba na mão. E Matt... onde diabos você se meteu?"


Na próxima edição: "O que é real?" O Demolidor enfrenta um inimigo imperceptível, e fica à beira da loucura. Sem o amigo e a ajuda do mascarado vigilante da Cozinha do Inferno, Foggy tenta revidar a armação que sofreu, mas talvez ele descubra mais do que gostaria.




 
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