|
Por
Marcelo Augusto Galvão
Ti
Bon Ange
A fita
amarela, com os dizeres "cena do crime não
atravesse" em letras negras maiúsculas, demarcava
ao mundo exterior os limites do quarto onde um homicídio
fora cometido. Lá dentro, um homem grande encontrava-se
esparramado no piso do cômodo. Na verdade, o cômodo
não era exatamente um quarto, mais sim um sufocante porão
de um pequeno prédio decadente que resistira à reurbanização
no Brooklyn, e que no momento mal abrigava policiais e peritos.
Estes, tirando fotos da cena, e aqueles, preechendo formulários
e procurando por testemunhas, eram observados por um homem vestindo
máscara e uniforme justo negro e azul.
Asa Noturna escutou o detetive Jim Seymour, o responsável
pela investigação, ler em voz alta seu pequeno bloco
de anotações, conferindo a identificação
da vítima: negro, sexo masculino, 32 anos. Em seguida,
o titã mirou a vítima, dono de um musculoso corpo
e de um penteado dreadlock. O que mais chamava atenção,
no entanto, era o seu rosto, os olhos saltados e a boca aberta
em um aparente grito de horror que o rigor mortis em breve
congelaria.
Quem é ele? perguntou Asa.
Kevin Leclerc, vulgo Colisão. o policial
respondeu Quarenta e cinco minutos atrás, os policiais
do bairro escutaram gritos apavorantes vindos daqui e resolveram
verificar. Arrombaram a porta fechada e encontraram-no estirado
com essa cara feia.
Não entendo o porquê de requisitar a ajuda
dos Titãs, detetive.
Bom, Leclerc não era um homem comum. e apontou
para vítima Ele era um desses superbandidos de quinta
categoria que existem por Nova York. Você sabe, força
ampliada e invulnerabilidade, o pacote básico. E aí
que chegamos ao problema: não tenho a menor idéia
de quem o matou e de como ele morreu.
Seymour pigarreou antes de continuar.
Foi por isso que pedi a ajuda de vocês. Como o Quarteto
e os Vingadores estão fora da cidade essa noite, tive que
recorrer aos Titãs. ele completou, encolhendo os
ombros. Asa encarou o policial, pensando em como fora azarado
que seu plantão no monitor fosse justamente hoje, enquanto
o resto dos Titãs se divertia pela cidade.
Como sabe que não se trata de uma morte natural?
Eu até gostaria que fosse, pra facilitar meu trabalho.
O problema e o detetive aproximou-se com a voz sussurrante
é que Leclerc era investigado pela divisão
de Narcóticos há alguns meses, desde que saiu em
condicional e começou a se envolver em um novo grupo criminoso
que tenta se instalar na cidade.
Que grupo? Asa perguntou, sua curiosidade aguçada.
Seymour balançou a cabeça.
Ainda não sabemos. Nossa única informação
é que são de fora do estado. As investigações
nos levaram a Leclerc e esperávamos que ele por sua vez
nos levasse aos cabeças da organização. Mas
isso não é tudo: duas horas atrás, todas
as informações que tínhamos sobre o grupo,
guardadas em computadores, sumiram. Alguém invadiu nosso
servidor, protegido pelos melhores softwares, e apagou tudo.
Queima de arquivo. Asa concluiu, olhando para o
corpo no chão O que pode me dizer quanto a Colisão?
Um fracassado. o detetive respondeu Filho
de mãe solteira, uma imigrante do Haiti que tentara sorte
grande em Nova York, Leclerc começou cedo na vida criminosa,
passando boa parte da adolescência em reformatórios.
Crescido, envolveu-se em todo tipo de organização
criminosa, desde a IMA até a Colméia; era, em essência,
uma bucha-de-canhão, apanhando de quase todos os supercaras
do mundo. Cansado de entrar e sair da cadeia, investira tudo na
compra de poderes através de tratamento genético
e químico do Dr. Karl Malus, um conhecido cientista renegado.
Vestindo uma máscara de cores berrantes, ele adotou o nome
de Colisão. Foi preso quatro anos atrás durante
um assalto fracassado. Conseguiu a condicional há oito
meses e abandonou a máscara, mas logo já tava se
envolvendo com o tráfico de drogas.
Asa escutou a tudo mirando o porão que servira como derradeiro
lar de Kevin Leclerc. Olhava com atenção a cena
do crime, sabendo que esta logo seria desfeita. Não deveria
perder nenhum detalhe, pois como lhe fora ensinado pelo melhor
detetive do mundo, "um homem pode ser morto apenas uma vez,
mas uma cena do crime pode ser morta centenas de vezes."
O lugar sem ventilação cheirava a suor, além
de ser apertado, com um sofá-cama de um lado e um armário
de roupas. Perto do corpo, encontrava-se uma cadeira de plástico
e na parede, um pôster mostrando uma paradisíaca
paisagem. Abaixo dele, uma prateleira onde o titã viu diversas
pequenas bolas de pano, das mais diversas cores, e que também
estavam espalhadas pelos cantos do quarto.
São wangas e gris-gris, amuletos vodu
para se proteger do mau-olhado e dos espíritos malignos.
o policial falou O Brooklyn é lar de várias
comunidades de imigrantes caribenhos, principalmente do Haiti,
um pessoal que ainda acredita nesse papo de superstições,
como possessão por espíritos divinos, rogar praga,
etc. Achamos um desses no bolso de Leclerc, mas parece que não
funcionou pra ele hoje.
O olhar do titã continuou pelo o enorme cadáver,
procurando por algo incomum, até deter-se em um pó
branco grudado na camisa de Leclerc.
O que será? Asa Noturna recolheu uma amostra
e passou para Seymour.
Deve ser cocaína. Recolhemos um papelote jogado
no chão com o mesmo pó. Corre um boato nas ruas
que Leclerc tava consumindo sua própria mercadoria. Isso
não é nada bom pros negócios.
Asa concentrou-se na cena do crime.
A porta estava trancada por dentro e não vejo sinais
de luta. Com a densidade da epiderme, seria difícil algo
atingí-lo. Nada parece estar fora do lugar, com exceção
da cadeira de plástico. Pela posição dela
e do corpo, diria que Leclerc estava sentado nela. É apenas
uma teoria, mas talvez Leclerc tenha morrido de um ataque cardíaco,
desencadeado após um enorme estresse psicológico.
Mas estresse provocado pelo quê?
Medo. Asa respondeu, observando o rosto convulsionado
de Leclerc Alguém poderia manipular as emoções
dele, um homem supersticioso o suficiente para acreditar em mau-olhado
e amuletos, estimulando seu medo, através de meios psíquicos
ou químicos até que morresse com um fulminante ataque
do coração. concluiu, enquanto os nomes de
Angela Hawkins III, a Phobia da Irmandade Negra, e Jonathan Crane
e Ebenezer Laughton, os Espantalhos, cruzavam sua mente. Ele continuou
Existem numerosos casos documentados de pessoas condicionadas
a ter um enfarte, apenas devido à crença em algo
e seu medo decorrente. Acredito que foi esse o caso de Leclerc
que, combinado com a cocaína, provou ser uma combinação
fatal. Mas só uma autópsia poderá confirmar
minha teoria.
Isso vai demorar. O legista disse que teriam que emprestar
equipamento especial dos laboratórios S.T.A.R. pra abrir
o Sr. Colisão. Parece que não temos muito com o
que trabalhar. Seymour suspirou.
Você está esquecendo que ainda podemos analisar
os computadores invadidos.
O pessoal da Crimes Cibernéticos já começou
a trabalhar neles. Vai levar uns dias pra sabermos os resultados.
o policial falou, fazendo um sinal para que os legistas
levassem o cadáver e preparando-se para acompanhar a autópsia
de Leclerc.
Tenho a impressão que você ainda não
conhece o Vic. e com isso o titã abriu seu comunicador.

Meia
hora depois, a pele dourada de Victor Stone, o Cyborg, era banhada
pela luz do enorme monitor da sala de reuniões da Ilha
Titã. Do computador principal da base, Cyborg usava sua
ciberempatia para acessar o servidor da polícia, procurando
por alguma pista da invasão. Ao seu lado, Asa Noturna observava
seu progresso.
Nunca vi isso antes. Vic disse, mirando as centenas
de caracteres que rolavam com rapidez pela tela do monitor
Foi um serviço muito bem feito. Quem fez isso manja bastante
de cavalos-de-tróia e vírus de computadores para
passar por todos. Em compensação, ele se descuidou
ao se desconectar do sistema.
Consegue traçar a origem da invasão?
Em resposta, Cyborg fez um mapa tridimensional da cidade aparecer
na tela, com um círculo vermelho piscando no canto esquerdo.
É aqui. o titã mostrou no monitor
Foi daí que veio a transmissão.
O lugar que Cyborg apontara ficava às margens do rio Hudson,
um armazém em nome de Big Kotto Importações,
uma empresa de Nova Orleans. O depósito encontrava-se sem
qualquer sinal de atividade e, salvo os distantes típicos
sons noturnos de uma metrópole, em silêncio. Sem
dificuldade, os dois titãs pularam cercas e passaram por
trancas eletrônicas até chegarem ao portão
principal. A escuridão dominava o armazém e imediatamente
as lentes infra-vermelhas da máscara de Asa Noturna entraram
em funcionamento, o mesmo acontecendo com os olhos de Cyborg,
mostrando diversos containers e caixas de madeira por todo o lugar.
Conforme avançavam, os titãs percebiam uma tênue
claridade vindo do meio do depósito.
Aproximando-se com cautela, eles viram enormes desenhos no chão,
aparentemente pintados com tinta spray, formando uma intricada
cruz. A figura era repetida em um espaço de alguns metros,
levando-os ao centro do armazém, onde dezenas de velas
iluminavam o ambiente. No ar pairava o indefectível cheiro
de incenso queimado. Em um espaço livre de caixas e containers,
um notebook repousava numa espécie de altar, sua tela ostentando
a mesma cruz do piso. Por sua vez, o altar estava encostado na
base de uma pilastra de quase dois metros de altura, decorada
com fitas coloridas e com os desenhos de uma serpente e de um
colorido arco-íris. As velas e o incenso davam um toque
sobrenatural e sagrado ao local, como se estivessem em um templo.
Ali está o computador que procuramos. Cyborg
murmurou Vou me conectar nele. e estendeu os braços
para a frente, usando sua metamorfose para transformar seus dedos
em fios e cabos prontos para criar uma interface.
Tão logo os dedos do titã tocaram na máquina,
seu corpo se agitou de forma anormal e, com um grito, Cyborg saltou
para trás, como se uma força invisível lhe
empurrasse e fazendo-o cair com estrondo em cima de alguns caixotes
de madeira.
Vic! gritou Asa, armando-se com seus bastões
e correndo em direção do amigo. Com surpresa, o
líder dos Titãs viu o omegadromo contorcer-se, os
membros de Cyborg alongando-se e retraindo em espasmos, sua boca
e olhos abertos em uma careta de dor.
Mais uma vez nos encontramos, Titãs. disse
uma voz grave com sotaque ligeiramente caribenho.
Asa Noturna virou-se e viu, a alguns metros de distância,
um sorriso branco se destacando na penumbra e contrastando com
a pele negra de um homem alto. Ornado com braceletes metálicos,
ele usava uma máscara e um uniforme que mal cobria seus
músculos definidos, segurando em uma mão um objeto
parecido com um pequeno boneco e na outra uma espécie de
agulha.
Houngan. sussurrou Asa, observando um dos integrantes
da Legião do Mal, o novo nome da Irmandade Negra, um grupo
responsável por inúmeros crimes. Asa conhecia bem
sua ficha criminal.
Seu nome verdadeiro era Jean-Louis Droo, um especialista em informática
nascido no Haiti e que imigrou para a Califórnia para trabalhar
numa empresa no Vale do Silício, logo se destacando na
área. Sua vida, porém, mudaria radicalmente no dia
em que seu pai adoeceu e a tradicional medicina nada pôde
fazer. Impressionado quando o velho Droo foi salvo pela feitiçaria
de um houngan, como são chamados os sacerdotes da religião
vodu, Jean-Louis decidiu devotar seu tempo ao estudo do voduísmo,
tornando-se obcecado em estabelecer uma ponte entre a alta tecnologia
e a magia, dando mais ênfase ao lado maligno do culto. Tal
fixação levou o jovem haitiano a juntar-se à
temível Irmandade Negra, usando como principal arma um
fetiche computadorizado, conhecido popularmente como "boneco
vodu" que, ante uma amostra de DNA de sangue, pele ou cabelo,
criava um elo cibernético com a vítima. Assim, através
da manipulação do fetiche com uma agulha eletrônica,
Houngan podia infligir dores terríveis a longa distância
na pessoa, torturando-a e transmitindo terror como nem os houngans
originais ousariam imaginar.
Bem-vindos ao meu hounfour (*).
saudou-os, sorrindo.
Você estava preso (**).
Como conseguiu escapar? Asa Noturna perguntou, atento aos
movimentos e ruídos ao seu redor.
Houngan encolheu os ombros.
Meus novos amigos me libertaram. Decidi trilhar um caminho
mais promissor e juntar-me a uma organização criminosa
com que tivesse mais afinidade espiritual, onde posso exercer
toda a minha ciência e feitiçaria. ele abriu
um largo sorriso, ante a surpresa do titã Estou
falando do Loa.
Asa franziu a testa, tentando lembrar-se de onde já ouvira
antes o nome. Num lampejo, recordou-se que Loa era o nome de uma
organização de Nova Orleans que combinava crime
e culto vodu, baseada nas sociedades secretas do Haiti. O grupo
tentara espalhar seu domínio pela América através
do tráfico de drogas, mas uma briga interna pelo poder
matou seus principais líderes e encerrou suas atividades
(***). Pelo visto,
o grupo se reorganizara e estava voltando ao negócio. E
desta vez, com reforços.
Minha função é punir os que colocam
em risco a existência do grupo. Gente como Kevin Leclerc.
continuou Houngan Agora terei que eliminá-los,
começando pelo seu companheiro.
O que você fez com Cyborg?
Ele irritou Legba quando tentou acessar meu computador,
sem permissão.
Legba?! Do que você está falando?
O espírito guardião das encruzilhadas na
mitologia vodu. É ele quem permite a comunicação
entre os mortais e os espíritos do vodu, abrindo os portões
de acesso ao mundo invisível das divindades. Foi em sua
homenagem que escrevi um software capaz de invadir qualquer computador.
Afinal, a internet nada mais é do que um grupo de computadores
comunicando-se uns com os outros, formando encruzilhadas no ciberespaço.
Esses desenhos no chão servem para invocá-lo.
o criminoso explicou Da mesma forma que Legba possui um
mortal e faz dele sua "montaria", controlando seu corpo,
meu software torna qualquer computador minha "montaria".
É o que está acontecendo com Cyborg. e ele
apontou para a tela do notebook, onde uma barra horizontal brilhava
mostrando o desempenho da possessão cibernética,
atualmente em 20% e aumentando rapidamente.
Você está enganado se pensa que vai nos matar
como fez com Leclerc! Asa replicou, colocando-se em posição
de ataque
Matei? Houngan perguntou, antes de gargalhar ruidosamente
Eu não matei ninguém. Apenas o fiz de exemplo
para aqueles que ousarem enfrentar o Loa. e ao dizer isto,
uma enorme silhueta surgiu atrás do criminoso, aproximando-se
da claridade. Para espanto do titã, Kevin Leclerc, o mesmo
homem que havia sido dado como morto, saiu das sombras caminhando.
Seus olhos, antes esbugalhados e apavorados, estavam fixos mirando
algum ponto no infinito, enquanto sua boca encontrava-se entreaberta,
um filete de saliva escorrendo pelo canto. Aquela visão
lembrou Asa de histórias que havia ouvido sobre o vodu.
Um zumbi. Foi nisso que você o transformou.
É essa a punição para os que quebram
as regras do Loa. Ser transformado em um escravo, de acordo com
os costumes do vodu. Seu ti bon ange, a parte da alma correspondente
ao caráter e à força de vontade, está
sob meu controle. e mostrou o fetiche, aparentemente uma
versão mais atualizada de sua principal arma Nem
um gris-gris ou wanga poderia ajudá-lo. E
muito menos vocês. e com isto Houngan encostou a
agulha eletrônica no fetiche computadorizado.
Imediatamente, Leclerc correu em direção do titã,
o rosto agora frenético, em nada lembrando os zumbis lentos
e estúpidos retratados em filmes B. Asa Noturna saltou
para o lado, um segundo antes dos poderosos punhos do zumbi acertarem
um container. Por sua vez, Asa desferiu um potente golpe com o
bastão nos rins de Leclerc, sem sucesso.
Leclerc avançou novamente, aplicando uma série de
golpes. Graças aos seus conhecimentos de artes marciais
e habilidades acrobáticas, Asa conseguiu se desviar, aplicando
contragolpes. O zumbi, entretanto, continuava implacável,
tentando de todas as formas agarrar o titã. Este sabia
que, apesar de todo o seu treinamento, não poderia evitar
por muito mais tempo aquele homem invulnerável e com força
sobre-humana. Além disso, ele precisava salvar Cyborg,
cujo omegadromo mudava de forma como mercúrio, antes que
a possessão fosse concluída. A resposta para tal
solução era Houngan.
Com um salto, Asa pulou sobre o zumbi, deixando-o para trás,
e escalou a pilha de caixotes mais próxima, de onde podia
ter uma visão melhor do armazém. Com rapidez, sacou
um bumerangue e mirou em Houngan, que estava perto do altar. O
criminoso vodu jogou-se de lado, evitando a arma. Um sorriso de
desdém começou a formar-se, mas logo definhou, quando
ele viu qual o verdadeiro alvo da arma. Atrás de Houngan,
o notebook faiscava em meio à fumaça, estilhaçado
pelo bumerangue.
Asa viu que a barra de progresso na tela sumira e que Vic parara
de tremer, aparentemente livre da influência do software,
suas feições voltando ao normal, mas ainda sem dar
sinal de vida. Com seu amigo salvo, Asa precisava agora cuidar
de Colisão.
Você não pode lutar contra o Loa! gritou
furioso Houngan para em seguida, praguejando em creole
(****), encostar mais
uma vez a agulha eletrônica no fetiche. Ao seu comando,
o zumbi chutou a base da pilha de caixotes onde se encontrava
Asa. O titã se desequilibrou e caiu, sendo agarrado em
pleno ar pelas fortes mãos do zumbi, que o trouxeram de
encontro ao seu corpo, com o objetivo de quebrar seus ossos. Asa
tentava desesperadamente livrar-se do abraço mortal, mas
sua força não era comparável à de
Colisão. Sua visão começava a escurecer,
enquanto sentia suas costelas partirem lentamente.
De repente, Leclerc parou, o rosto voltando ao estado vegetativo
e deixando os braços em posição de repouso.
Asa caiu com um estrondo e viu Cyborg, cambaleante, atracado em
Houngan, os dedos do titã transformados em uma teia de
fios dourados envolvendo o fetiche computadorizado que controlava
Leclerc. Este girou o corpo, esquecendo-se de Asa Noturna, caminhando
em direção dos outros dois homens, a alguns metros
dele.
Com um soco, Houngan empurrou o debilitado Cyborg para longe.
Mas era tarde: o titã já estabelecera uma interface
com o fetiche e, portanto, assumindo o controle de Leclerc. O
zumbi aproximou-se do seu carrasco e o agarrou pelos ombros, imobilizando-o
por completo.

Horas
depois, na Ilha Titã, Dick Grayson retirou sua máscara,
enquanto bebericava uma xícara de chá e observava
Victor Stone, sentado à sua frente, na sala de reuniões:
O feitiço virou contra o feiticeiro. disse
com um sorriso, as costelas doloridas, mas felizmente sem qualquer
fratura Houngan acabou sendo vítima de sua própria
tecnologia.
Nem me diga. Nunca tinha visto algo como aquele software.
Vic revelou, um pouco apreensivo, pois não havia
sido a primeira vez que seu corpo fora controlado por terceiros.
Houngan resolveu fazer um upgrade quando juntou-se ao Loa.
Foi assim que ele desenvolveu o software e um novo método
de fazer zumbis.
Novo método?!
Sim. e ele contou como os peritos da polícia
haviam descoberto na cocaína uma substância conhecida
como tetrodotoxina, um potente veneno encontrado em plantas e
animais ao redor do mundo, especialmente em baiacus, como o fugu,
responsável por dezenas de mortes todos os anos no Japão.
No Haiti, os houngans a usam como uma forma de punir aqueles
que quebram as regras da sociedade ou cometem crimes. Na dosagem
correta, a tetrodotoxina bloqueia a condução dos
sinais nervosos, suspendendo o movimento dos íons de sódio
nas células, provocando a redução de atividades
metabólicas, como batimentos cardíacos e respiração,
e a paralisia do corpo. A vítima aparentemente morre, mas
na verdade fica consciente o tempo todo. Após seu sepultamento,
basta ministrar-lhe um antídoto para que "o morto
ressuscite". Confuso, o "zumbi" torna-se facilmente
escravo de um houngan.
Mas o nosso Houngan aprimorou a fórmula.
Dick continuou, após tomar mais um gole do chá
Junto da toxina, identificaram nanorobôs, construídos
por ele para afetar o sistema nervoso da vítima e tomar
controle dela. Através do fetiche, ele enviou um sinal
eletrônico que "reviveu" Leclerc no necrotério
e o tornou um escravo zumbi, literalmente.
O que vai acontecer com esse novo Loa?
A polícia acredita que pode conseguir informações
preciosas com Houngan e no que restou do seu notebook, o suficiente
para desbaratar o grupo ou pelo menos atrasar suas operações,
até descobrir os seus líderes.
E Leclerc?
Depois do acontecido no armazém, ele entrou em coma
profundo. A toxina, combinada com os nanorobôs, se espalhou
por todo o corpo e deteriorou quase que por completo o cérebro.
Ele teve uma parada cardíaca e os médicos não
conseguiram revivê-lo. Dick Grayson disse. Bebendo
o resto do chá e observando as folhas se juntarem no fundo
da xícara, ele completou Ironicamente, quem sabe
agora ele conheça a paz que não conheceu quando
vivo.

Epílogo
no dia seguinte.
Jean-Louis Droo observava, pelas grades da sua cela, a tempestade
cair em Nova York. Sentado no catre, ele sorria, sabendo que a
punição de Kevin Leclerc fora cumprida com sucesso.
Neste momento, o criminoso estava sendo sepultado em um cemitério
lamacento destinado a indigentes, dentro de um caixão barato
pago pelo estado, já que nenhum parente viera reclamá-lo.
Ao mesmo tempo, os nanorobôs de Houngan estavam ativos reconstituindo
o tecido celular do sistema nervoso de Leclerc, parcialmente danificado
pela autópsia. O coveiro, o único a comparecer,
era velho e tão surdo que sequer escutou os gritos abafados
que vinham do caixão; gritos desesperados de um homem paralisado
pela tetrodotoxina e que "ressuscitara" pela segunda
vez, apenas para morrer de novo, sufocado dentro de uma gelada
sepultura, vítima de uma terrível maldição
vodu.
A gargalhada ruidosa de Houngan ecoou pelos corredores da prisão,
encobrindo os trovões lá fora.
:: Notas do autor
(*) Templo vodu.
(**) Houngan e parte da nova Legião do Mal foram presos
pela Liga da Justiça em LJA # 08.
(***) Na verdade, os líderes do Loa foram executados por
Amanda Waller e o seu Esquadrão Suicida.
(****) Dialeto falado no Haiti.
|
 |