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Imagine Mulher-Hulk

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

Toda Estupidez Será Castigada

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— Adeus Greg. Boa sorte em sua nova vida!

Estas foram as últimas palavras que Greg Salinger ouviu ao sair do hospital Mitchell State, uma instituição para doentes mentais localizada em Nova York. Depois de anos internado, devido a um distúrbio mental que o levou a matar pessoas utilizando a alcunha de "Matador de Idiotas", Greg finalmente recebeu alta, e agora está livre para começar uma nova vida. (*)

Alguns passos fora da instituição, e o ar parece outro. É o ar de Nova York, pesado, altamente poluído, mas ainda assim, é o ar da liberdade. Greg se delicia em poder andar pela cidade, ver as pessoas circulando pelas ruas, tudo isso é tão excitante para ele... De tão entretido em redescobrir os prazeres de uma vida normal, ele esquece que as ruas de Nova York normalmente estão cheias de pessoas apressadas, apesar de não terem motivo para tal, e esbarra em uma delas, justo em um cidadão negro que carregava seu cachorro-quente e refrigerante. Com o esbarrão, a refeição agora se encontra espalhada nas roupas de Greg.

— Se liga, mano, olha pra onde anda! — esbraveja o homem.

— Você vem reclamar comigo? — responde Greg — Olha pra minha roupa, toda suja. Que droga!

— Tá ligado que você vai me pagar outro almoço, certo?

— Claro que não!

— Mano, anda logo que tô com pressa e não quero arrumar treta contigo!

— Pra que a pressa?

— Ora, aqui é Nova York! Todo mundo tem pressa sempre! E o meu almoço, caramba?!!

— Todos têm pressa sem motivo?!?! Mas que coisa idio... — Greg começa a ficar nervoso, mas respira fundo e se acalma. Vasculhando seu bolso, ele encontra o dinheiro que recebeu na saída da prisão, e acha que é suficiente para pagar seu almoço e o do homem com quem discute — OK, vamos lá, eu pago essa porcaria!

Ao chegar no restaurante, um fast-food da pior qualidade, ele vê que estão oferecendo uma vaga de emprego para atendente. Dois dias depois, Greg começa a trabalhar lá.

Um mês depois...

Greg já voltou a ter uma vida relativamente normal. O problema é que, por ter sempre sido um pouco tímido, ele praticamente não tem vida social fora do trabalho. Sua vida se resume a acordar, caminhar pelo Central Park de manhã cedo, ir ao trabalho, e assistir a muita, muita televisão. Seu fim de semana se resume à leitura dos guias de TV e o zapping no controle remoto.

— Por que aqui nós mostramos a realidade! — diz o apresentador na televisão — Aqui não tem maquiagem não, é a novela da vida real...

"Meu Deus, que apelação! É muita mediocridade! Pra assistir a isso tem que ser muito idio... droga, vou mudar de canal!"

Greg pára em um canal de telenovelas.

— Oh, Natânia Alice, eu te amo, mas não posso ficar com você.

— E por que não, Otávio Cesar, se esse sentimento que nos une é mais forte que tudo na vida?

— Porque recebi esse exame de DNA, e ele revela... Que nós somos irmãos!!!!

— Mas como? Não, não é possível!

— O seu pai não é o seu pai de verdade... Na verdade o meu pai é o seu pai!

— Mas se seu pai é meu pai, então quem é meu pai?

— Seu pai era o amante da sua mãe, que era amante do meu pai.

— Meu Deus, e como nunca ninguém me contou nada? Ó vida injusta, ó vida cruel... Snif!

"Mas a Natânia Alice não era namorada do Alexandre Lopes? Não estou entendendo mais nada. Desisto!"

Greg zapeia novamente e se detêm em um canal de música.

— E agora, a banda revelação, os músicos que mais venderam discos nas últimas semanas e são a melhor no gênero new-metal-funk-ragga-hardcore-que-pula-grita-e-faz-cara-feia-e-ninguém-entende-as-letras... Os Radicais!!!!!

— É isso aí, tamos aí procurando nosso espaço e detonando todas. Muita paz pra todos!

— Olha como a platéia delira com os caras... Eles mandam muito bem, são a nova energia que o rock tá precisando... — a platéia pula ao comando do animador de palco com cara de babaca — O que vocês vão tocar hoje?

— Nossa nova música de trabalho, "Eu atirei na mamãe". Inclusive tão pegando no nosso pé por causa dela, por causa das crianças e tal, mas queria dizer quem fala mal de nós é um bando de cuzão, e que essa é uma música de amor, é só prestar atenção na letra que isso fica claro.

— Então, manda! Oooooooooooooos Radicais!!!

Eu atirei na mamãe!
E seus miolos estão espalhados pelo chão!
Eu atirei na mamãe!
E guardei seus olhos lá embaixo no porão!
Yeah!

"É isso que se ouve hoje? Mas essa música é muito idio... Chega! Vou assinar a TV a cabo! Esses canais abertos são impossíveis de assistir!"

Mais um mês depois...

Greg ainda não conseguiu se adaptar à vida em liberdade. No trabalho até que vai bem, mas sua timidez o está tornando uma pessoa anti-social. Ele só consegue ver os defeitos das pessoas, dos colegas e clientes, e para não perder a calma, prefere ficar quieto. Por isso, entra mudo e sai calado do emprego, não cumprimenta os vizinhos, enfim, quase não é notado por ninguém. O que, obviamente, não o torna uma pessoa feliz.

Com isso, sua vida se resume a assistir cada vez mais televisão. Ele instala a TV a cabo, e no início parece uma maravilha com a quantidade imensa de canais. No entanto, em pouco tempo tudo vai caindo na mesmice, o que só aumenta sua amargura.

— OH! OH! OH! OH... Papai?!?!

— Filho? O que você está fazendo com essa torta?

— Er... Nada do que você está pensando!

"Um garoto transando com uma torta? Esse é o padrão das comédias de hoje? Mas que coisa idio... Esquece! Ei! Não é hoje aquela luta do Maguyla Tyson' versus Popó Holyfield? Vou dar uma olhada!"

Na tela, aparece a mensagem: "Essa luta será exibida apenas pelo sistema pay-per-view. Entre em contato com sua operadora local para saber como adquirir este evento."

"Como é que é? Eu já pago uma baba de assinatura, e pra ver o programa que eu quero ainda tenho que pagar mais? Quem eles pensam que eu sou, algum idio... M&%#@! Já tô perdendo a paciência! Vou voltar pra TV aberta."

— E agora... — fala o locutor na televisão — O Programa do Jôusa!

— Boa noite a todos. — o apresentador entra no palco ovacionado pela platéia e, com um gesto, manda parar o som que a banda ao vivo tocava para marcar sua aparição — Vocês estão sabendo que o Gilmar foi promovido? Sabia, Jerico?

— Não, Jôusa. — responde o saxofonista da banda.

— Pois é, agora ele é um Gilceano. Entenderam? Mar... Oceano... Entenderam? Hein? Hein? Essa foi péssima! — a platéia cai na gargalhada — Mas vamos trabalhar! Hoje entrevistaremos a modelo internacional Mary Ann. Conta pra nós como foi trabalhar pro estilista Marcel Galvan nesse último desfile em Nova York?

— Foi ótimo, o Galvan...

— Sem querer te interromper, mas já interrompendo, mas eu sei que o Galvan vai lançar na próxima temporada uma coleção inspirada nos meninos da África. Você não acha que isso é uma forma de exploração da fome de maneira indevida?

— Claro, que não, é só uma homenagem que...

— Porque convenhamos, quem vai querer se vestir igual aos miseráveis?

— Realmente, a miséria não é fashion, mas...

— Mas falar dela com pena com certeza é!

"Quem é que responde as perguntas, o entrevistado ou o entrevistador? Além do mais, esse é o melhor talk show da TV? O cara se acha o máximo, só conta piada sem graça e ainda traz convidados inexpressivos? Tem que ser muito idio... Não! Chega! Tem que ser muito idiota pra gostar de uma coisa dessas. Mas alguém tem que dar um fim a tanta mediocridade que existe no mundo. É por isso que amanhã estará de volta... O Matador de Idiotas!!"

No dia seguinte...

Jennifer Walters entra no banho. Ela ensaboa seu corpo verde de 2,30m, passa lentamente a esponja em seu lindo pescoço, nos ombros, desce para os seios fartos, a barriguinha malhada e finalmente chega a...

Ei!!! Pode ir parando por aí, Rafael! — fala a Mulher-Hulk — É a sua primeira história, tá aqui só porque o Josa deu uma saída, e já tá apelando?

( — Só estou dando ao povo o que ele quer... Sexo, muito sexo! É a chave pro sucesso! )

— Sei! Agora eu tenho um escritor tarado! Deve passar as madrugadas baixando pornografia na internet!

( — Não, fico espiando minha vizinha gostosa trocar de roupa! Só queria lembrar que é o tarado aqui que tá escrevendo a história, portanto se você não ficar quieta eu te dou um final bem desagradável! )

— Claro! E depois vai apanhar de uma mulher verde de 2,30m. Só quero ver a cara dos seus amigos quando souberem disso.

( — Er... Mudança de cena! )

A Mulher-Hulk termina de se arrumar, e vai para o estúdio de TV onde é gravado o Programa do Jôusa. Ela será a entrevistada de hoje. Na hora marcada, ela é chamada ao palco.

— Olá, Mulher-Hulk, como vai? — fala Jôusa.

— Vou bem, Jôusa, e você? — responde Jennifer, sorrindo.

— Tudo bem! Me conta, que zona foi aquela no tribunal outro dia?

— Ah, você sabe, coisas de super-heróis. Pena que a juíza não entendeu e me tirou a licença para advogar (**).

— Foi um pouco injusto, não acha?

— Talvez, mas temos que respeitar a decisão dela.

— Ah, esses heróis, sempre prontos pra cumprir a lei. Mudando de assunto, você nunca pensou em ser modelo?

— Sabe, Jôusa...

— Pois você daria uma bela modelo!

— Pois é, como eu estava dizendo...

— Afinal, você é muito bonita, e tem um corpo belo.

— Inclusive eu...

— Mas por outro lado, você é muito musculosa. As modelos têm que ser todas magrinhas.

— Quanto a isso...

— Aliás, eu acho que isso não deveria ter nada a ver, afinal por que todas elas têm que ser tão magras daquele jeito? As coitadas chegam a passar fome.

— É, mas...

— Por outro lado, essa sua cor verde ia chamar muita atenção, o que seria bom pra eles. Sem contar que também seria politicamente correto.

— Mas Jôusa...

— Por falar nisso...

Chega! — a Mulher-Hulk levanta da cadeira, furiosa — Quem veio falar aqui, eu ou você? Estou me sentindo uma idiota!

Neste momento, um dos espectadores se levanta no meio da platéia. Ele é Greg Salinger, o Matador de Idiotas, que surpreendentemente conseguiu passar pela segurança armado. Ele pega sua arma e grita:

— Quem diz chega aqui sou eu! Chega dessa TV idiota, que só leva imbecilidades para o povo!! A partir de agora, toda estupidez será castigada!

Greg aponta a arma para o palco e atira na direção do apresentador. Felizmente, a Mulher-Hulk age de forma rápida, e consegue se interpor entre Jôusa e o projétil. A bala atinge seu corpo, e ricocheteia em direção a uma parte do cenário onde não estava ninguém. O público, em pânico, corre para fora do estúdio. O Matador de Idiotas tenta fugir, mas a Mulher-Hulk consegue pegá-lo, e esmaga sua arma com uma das mãos.

— Isso, Mulher-Hulk! Eu estou usando esse Armani caríssimo, e esse desgraçado me fez mijar nele!

— Cala a boca, Jôusa! Pelo menos desta vez! — grita a Mulher-Hulk, enquanto segura o Matador de Idiotas pelo colarinho e o levanta.

— O que vai fazer comigo, vai me bater? — fala Salinger para a heroína.

— Sabe, acho que você não vale o trabalho! É só mais louco que entra nas minhas histórias.

— Você sabe quem eu sou? Eu sou o Matador de Idiotas!

— Então devia começar dando um tiro na própria cabeça.

— Faça suas gracinhas, você faz parte do sistema. A minha missão é acabar com todos os idiotas do mundo. E que lugar melhor pra começar isso do que pela televisão? Você já viu a programação de hoje em dia? Beira a completa boçalidade.

— Sei, mas você não acha mais fácil simplesmente desligar a TV?

— Mas você não entende? Eu preciso da TV!

— Precisa? Por quê?

— Porque eu sou um idi...

Neste momento, Greg abaixa a sua cabeça e, de forma triste, fala em voz baixa:

— Porque eu sou um idiota! Prenda-me, por favor!

E assim faz a Mulher-Hulk.

Epílogo

Hospital Mitchell State, Nova York. Algum tempo depois.

Greg Salinger está novamente internado nesta instituição, e desta vez os médicos têm pouca esperança de conseguir curá-lo. Mas como ele se comporta bem, todos o tratam de uma forma um pouco especial.

Neste momento, uma enfermeira se dirige aos internos, para anunciar a hora da recreação e descanso.

— Olá para todos! Como hoje vocês se comportaram, vão receber um prêmio! E adivinha qual é?

Todos ficam curiosos para saber qual será esse prêmio. E a enfermeira responde:

— Hoje, vocês estão liberados para ver televisão! Não é uma boa notícia?

Enquanto a maioria fica feliz, Greg começa a ficar desesperado. Arrancando a roupa em um ataque de fúria, ele grita:

— Não! TV não, por favor. Não a liguem, não a liguem! Pelo amor de Deus! TV não! Não! Nããããããããããããããããooooooooooooooo!!!!!!


:: Notas do autor


(*) A primeira aparição do Matador de Idiotas no Brasil foi publicada pela Editora Abril em Homem-Aranha #32, de fevereiro de 1986.

(**) Isso aconteceu em Mulher-Hulk # 04 e # 05. Se você ainda não leu, tá esperando o quê?



 
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