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Por
Eduardo Sales Filho
Calor
Boa tarde! Eu sou Cat Grant e este é o Metrópolis News. Os cientistas dos Laboratórios
STAR confirmam, hoje é o dia mais quente dos últimos cinqüenta anos, em muito devido ao
aquecimento global, um fenômeno causado pelo efeito estufa, que tem se intensificado na
última década. O calor demasiado está levando os cidadãos à loucura. Temos informações
sobre acidentes de trânsito, brigas entre vizinhos, afogamentos e até incêndios.
Metrópolis já sobreviveu ao frio da Noite Final (*) e agora precisa enfrentar uma onda
de calor nunca vista na região.

Do alto, o Super-Homem avista vários focos de tensão. A onda de calor que maltrata
Metrópolis está deixando seus cidadãos irritadiços e pouco pacientes. Como Clark
Kent, nosso herói seria de pouca valia numa situação destas, mas usando seu uniforme
azul e vermelho ele pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
O lago do Parque Shuster está lotado. Para espantar o calor, centenas de pessoas
decidiram nadar em um dos mais famosos cartões-postais da cidade. Os salva-vidas
que protegem a área nunca viram um movimento como aquele e tampouco estavam prontos
para enfrentá-lo.
Crianças nadam para o centro do lago enquanto brincam de "pegador". Os pais, em sua
maioria bebendo cerveja às margens da lagoa, não percebem o perigo que seus filhos
estão correndo, o fundo arenoso do lago pode vir dar uma falsa sensação de segurança.
O pequeno Timmy descobre, tarde demais, que não alcança o chão no local em que está.
Cansado e sem conseguir boiar, ele começa a se afogar. Alguém assiste à cena e grita
por socorro. Imediatamente um salva-vidas nada em direção ao garoto. No outro extremo
da lagoa, uma senhora passa mal com o calor e começa a afundar. Um pouco à frente
dela, um casal se assusta com o barulho e ambos caem do bote em que estavam. Em menos
de 10 minutos, várias pessoas estão em situação de emergência dentro do lago. Os três
salva-vidas que atendem o local não têm como salvar a todos.
Então ele desce. Como um anjo divino, atira-se na água para salvar os que precisam.
Seus movimentos são rápidos demais. A única coisa que os olhos das centenas de pessoas
presentes no Parque Shuster conseguem ver é um rastro deixado no ar nas cores azul e
vermelha. Em segundos, todos estão a salvo na margem do lago. Ninguém conseguiu ver o
autor desta proeza, mas isso não é preciso, eles sabem quem os salvou.

Dez segundos depois da sua aparição no Parque Shuster, o Super-Homem já está a 20
quilômetros daquele ponto, no centro financeiro de Metrópolis. Um acidente entre três
carros provocou um congestionamento gigantesco. Os motoristas estão tensos. O calor e
o ruído interminável das buzinas deixa todos a um passo de explodir.
Kal-El avalia a situação por alguns segundos, tentando descobrir o que fazer para
resolver o problema em definitivo. Ele chega à sua conclusão e mergulha como uma flecha
no local do acidente. Empilha os três carros batidos e voa com eles até um estacionamento
próximo. Tira então do congestionamento algumas viaturas da polícia e distribui os homens
da lei nos pontos mais críticos. Agora, caberá a eles escoar os veículos parados. O
Super-Homem tem problemas mais urgentes para resolver do outro lado da cidade.

O Siegel High School é um dos ginásios mais bem conceituados da cidade. Pessoas famosas
como Perry White, editor-chefe do jornal Planeta Diário, e Colin Thornton, dono da revista
semanal Newstime, para citar apenas dois exemplos, passaram pelos seus bancos. No entanto
a escola nunca esteve sob tantos olhares quanto hoje. Dois ladrões de banco entraram no
colégio para fugir da polícia. Agora eles mantêm como reféns toda uma classe de quinta
série.
A jovem srta. Wade enfrenta o pior momento de sua vida. Sob a mira das pistolas dos dois
bandidos, ainda tem que tentar controlar 35 crianças assustadas. O resultado não poderia
ser pior. Alguns meninos começam a chorar baixinho. Outros gritam desesperadamente por
socorro. As meninas chamam por suas mães. Os seqüestradores estão nervosos. Eles gritam.
Mandam que as crianças se calem. Apontam suas armas, ameaçam atirar. Só pioram ainda mais
a situação.
Enquanto se aproxima da escola, o Super-Homem usa sua visão de raios-x para determinar
o número de inimigos e suas posições. Dado o clima tenso entre os seqüestradores, ele
não perde tempo avaliando o cenário. Invade a sala da quinta série pela janela lateral
situada atrás de um dos marginais. Com sua mão direita, toma a arma do delinqüente,
enquanto usa sua visão de calor para derreter o revólver do outro. As crianças, ainda
nervosas, não entendem a princípio o que está acontecendo, mas depois que notam a presença
do herói kryptoniano se acalmam e o abraçam. Kal-El permanece por alguns minutos com os
alunos, confortando-os e recebendo agradecimentos e beijos dos pequenos. Quando a polícia
entra na sala, ele entrega os bandidos e parte para enfrentar outra emergência.

A três quadras da escola, dois velhinhos, vizinhos desde a infância, discutem ferozmente.
Consciente de seu papel como símbolo para o povo de Metrópolis, o Super-Homem decide
intervir para tentar pôr fim a briga. Ele pousa entre os dois. Apresenta-se. Pergunta o
que está acontecendo. O mais gordo se apresenta como John Baptist e apressa-se em culpar
o outro idoso pela confusão. Este, meio calvo, diz se chamar Kamatz e culpa seu vizinho
por todo o desentendimento.
O Super-Homem usa sua superaudição para escutar e entender o que os dois falam ao mesmo
tempo. Quando finalmente consegue, dá um sorriso irônico e alça vôo novamente.
"Como pode uma coisa dessas?" pensa "Os dois pareciam duas crianças brigando, e tudo
por causa de um personagem de gibi!" (**)

No horizonte, o homem de aço vê a fumaça. Fogo. Na zona rural que rodeia Metrópolis.
Possivelmente algum incauto jogou um cigarro no mato seco. Os bombeiros já estão chegando
no local quando o Super-Homem aparece.
Imediatamente, Kal-El busca entre as chamas pessoas ou animais que tenham ficado aprisionadas
pelo fogo. Se surpreende ao descobrir uma capela cheia, situada dentro de uma fazenda
atingida pelo incêndio. Os fiéis oram a Deus por salvação. Quando vêem a chegada do
Super-Homem, percebem que suas preces foram atendidas.
O homem de aço pensa em maneiras seguras de debelar o fogo. Seu supersopro só serviria
para espalhar ainda mais as chamas. Voar em supervelocidade, criando um vácuo que apagaria
as chamas, seria arriscado demais com pessoas por perto. No vácuo, elas não teriam como
respirar.
Antes mesmo de chegar a uma conclusão, o Super-Homem sente uma gota d'água atingir seu
rosto. Olha para cima e vê uma nuvem enorme, carregada de chuva. Outra gota atinge sua
testa. E mais outra. Mais outra. O vento cessa por alguns segundos e a água cai. Impiedosa.
As labaredas tremulam. Tentam continuar acesas. Quentes. Mas o poder que vem do céu as
supera. Em minutos, o que era um inferno de chamas se transforma em lama e cinzas. Pessoas
saem da igreja. Felizes. Dançam na chuva. Riem. Abraçam-se. O dia mais quente do ano
finalmente terminou. Kal-El despede-se e levanta vôo. Antes de sair do seu alcance, ouve,
através da sua superaudição, uma prece feita pelo pastor: "Obrigado, Senhor. Obrigado,
Super-Homem."
:: Notas do Autor
(*) Série publicada nas primeiras edições da revista Melhores do Mundo, da Editora Abril. 
(**) Esse fato verídico, ou coisa parecida, aconteceu entre dois escritores do Hyperfan! Os nomes foram mantidos quase inalterados
para melhor sacanear os mesmos. :-)
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