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Por
Dell Freire
Tangram
Em meio à chuva intensa, a batida forte e direta na porta faz o velho sr. Lao mexer seus ossos fracos com dificuldade. Do lado de fora, um repórter fotográfico ruivo parece obstinado em sua missão. O velho o observa pelo olho mágico e faz uma careta.
— O que quer? — ele abre a porta, deixando uma corrente como segurança.
— Sou Jimmy Olsen, repórter do Planeta Diário... sr. Lao, gostaria de apenas um depoimento...
— Me procure amanhã. Lavanderia fechada. Roupas sujas só amanhã.
— Não quero lavar roupas... eu...
A porta se fecha rapidamente. Olsen volta a bater, mas dentro da lavanderia chinesa ninguém atende mais.
— Vovô!?? — uma voz de criança surge na escuridão — Quem era?
— Ninguém importante, Le Tao. Hora de dormir.
— Mas vovô...
— Nada de "mas, vovô"... — o velho pega a criança e a coloca junto ao peito, enquanto ela se agarra em seu pescoço — Esse velho não ouviu o choro lamuriento de seu pai por tantos anos para novamente ouvir o seu... hummpf...
Enquanto o velho a leva para a cama, seus pensamentos vagam para bem longe, para algumas semanas atrás, quando...
— Vovô! Vovô!
— Ah! Não mate o velho pai do seu pai do coração... — ele põe a criança no chão — Vá para a cama! Já!
— Conta uma história pra mim, vô? — a criança se joga na cama rapidamente.
O velho Sr. Lao respira fundo:
— Há milhares de anos, onde a mente do homem moderno não pode alcançar nem mesmo com sua imaginação, um guerreiro idoso deixou cair um azulejo que se quebrou em vários pedaços. Mal-humorado como todo velho oriental, ele deixou as peças de lado e saiu reclamando...
— Não tentou unir as peças?
— Não... ele, não. Mas um jovem empregado, vindo de um país mais distante que o seu, resolveu juntar os cacos... e, em meio a essa tarefa cotidiana, uma coisa curiosa aconteceu.
— E o que foi?
— Ao tentar unir as peças quebradas, ele foi descobrindo novas combinações, novas possibilidades. A cada tentativa, um novo desenho surgia; em determinado momento, centenas de desenhos poderiam ser formados.
— Que legal! Eu queria um brinquedo assim...
— Saiba que esse brinquedo existe. — o velho levanta-se, mexe em alguma coisa sobre um armário e de lá retira um embrulho — Essa lenda gerou o Tangram. Um jogo criado por nossos ancestrais. Com ele, você verá como várias peças de uma mesma origem podem gerar combinações e sentidos diferentes...
— Tangram?
— Sim...
A má iluminação pública daquela rua em Chinatown começa a incomodar os olhos de Jimmy Olsen e quase o impedem de ver o seu interlocutor. Em sua trajetória, o homem à sua frente era o primeiro a dar alguma informação útil.
— Sim. Tangram é a nova droga, a nova onda do mercado clandestino em Chinatown. Ela oferece novas percepções, novas possibilidades. — o jovem chinês parece aéreo enquanto fala — É um novo fumo derivado do haxixe... O nome vem de um jogo infantil. É o Tangram que está dando lucro à máfia chinesa... e um grande temor da concorrência pelos italianos.
— Por isso a guerra de gangues. Os tiroteios.
— Chinatown hoje é uma praça de guerra. Mais inocentes irão morrer. A quadrilha do Cabeça-de-Martelo e a máfia chinesa estão em pé de guerra. Cabeça-de-Martelo não quer que o Tangram saia de Chinatown... se sair... — o jovem chinês alarga os braços — o mundo todo será nosso cliente.
— Mas e o Gato?! É verdade que ele está em Chinatown?
O olhar do chinês é ameaçador. Olsen dá dois passos para trás, assustado.
— Não pergunte sobre ele... não queira saber dos movimentos dele... se o Gato cruzar com seu caminho... você morre.
"Eu adoro quando as coisas dão certo..."
Olsen chuta o pneu do carro. Ele olha para os lados. A cidade está deserta. Seu carro quebrado. E, segundo outro informante, um novo confronto entre a gangue do Cabeça-de-Martelo e a máfia chinesa está próximo.
De repente, sons de uma luta intensa são ouvidos. O repórter fotográfico olha para o alto e automaticamente tira fotos de duas silhuetas em confronto. Um homem de porte médio, extremamente ágil, desfere um golpe com as pontas dos dedos do pé que fazem seu adversário cair de uma altura de dez metros.
"Diabos... acho que cheguei ao local certo... na hora errada..." — Olsen volta ao carro, tentando fazer o motor pegar. De repente, uma mão segura firmemente seu braço.
— Quem é você? — em poucos segundos, o lutador vitorioso está ao seu lado.
— Ahhn?! — Olsen fica desconcertado, sua única reação é tentar continuar fazer o carro pegar.
— Máquina fotográfica?! — o homem a puxa, rompendo a alça; joga a máquina ao chão e pisa em cima, quebrando-a — Saia do carro.
Enquanto Jimmy Olsen sai do carro, sente o homem pressionar uma lâmina em suas costas.
— Então... você é Shen Kuei, o Gato...
— Sim. — o oriental serve uma xícara de café para Olsen; ambos estão no interior do esconderijo do Gato — Seu gesto foi arriscado. Poderia ter chegado em uma hora menos oportuna ainda... onde o combate e as balas perdidas seriam uma constante.
— Eu gosto de viver perigosamente.
Shen Kuei percebe as mãos tremendo de Olsen e o esforço dele para manter a naturalidade.
— Há uma guerra acontecendo, sr. Olsen. Eu estou no meio dela apenas para proteger o meu povo, os jovens chineses que aqui decidiram viver. Se essa nova droga se espalhar pelas ruas, as conseqüências podem ser desastrosas.
— Sr. Kuei, pelo pouco que conheço do senhor, não acho que gestos samaritanos sejam naturais... acredito que represente interesses econômicos de terceiros.
— E em que sentido isso desmerece o que tenho feito? Meu único propósito é cotar a circulação da droga no mercado. Para isso, como viu há poucos minutos, enfrento os homens de Cabeça-de-Martelo; se necessário, bato de frente com os mafiosos chineses que infestam essa cidade... essa alegoria mórbida que mal representa a verdadeira China.
— Entendo...
— Não. Infelizmente não pode entender...
— Tentei falar com o Sr. Lao, o dono da lavanderia. Não consegui. Há mais alguém que me possa explicar sobre os efeitos dessa nova droga e da guerra de gangues que ocorre?
— Há mais uma pessoa, sr. Olsen.
— Apenas de passagem... — explica Leiko Wu, enquanto vira as costas para o repórter — É uma clínica para drogados, a filha de uma amiga está internada aqui; não pude negar o pedido. E, como sabe, as duas facções em combate querem fechar o centro de reabilitação. Ontem mesmo atiraram nas janelas do nosso prédio. Sem dependentes, sem negócios.
— Senhorita Wu, eu poderia falar com um dos dependentes? Eu...
— Não acho que adiantaria muito... — com o gesto de uma das mãos, ela aponta para sua esquerda.
Uma série de jovens começam a falar palavras desconexas enquanto batem a cabeça nas paredes; outro grupo encontra-se sentado em semicírculo, aparentemente com os olhares fixos em lugar nenhum. Um rapaz mais agitado levanta-se e vai em direção a Olsen que, temeroso, dá um passo para trás.
Leiko Wu, em um movimento rápido, interrompe o andar do viciado esticando um dos braços e colocando a mão espalmada em seu peito. Como um robô desorientado, o rapaz simplesmente move-se em outra direção.
— Como você pode ver, as circunstâncias em que vivemos não são das melhores.
Pontuando a frase da jovem, uma rajada de balas atinge a porta principal e, em seguida, um carro a invade. Atônito, Jimmy Olsen mal consegue se proteger das balas quando Leiko Wu resolve puxá-lo para longe do tiroteio.
— Ali! — o motorista do carro aponta para os dois — Matem-nos!
Leiko Wu saca de sua automática e se vira para o repórter fotográfico.
— Fique quieto. E nem sonhe em tirar fotos.
Em seguida à entrada dos mafiosos chineses, um outro carro com seis portas surge, saindo de lá meia dúzia de homens fortemente armados. O sétimo homem surge, um charuto na boca e a cabeça completamente deformada, fazendo justiça ao se nome: Cabeça-de-Martelo.
— Matem os chineses.
Os orientais, antes caçadores, começam a se tornar a presa. A disputa entre as gangues se mostra violenta e Leiko Wu, ainda agachada e com a arma em punho, resolve aguardar uma definição ao lado de Olsen. Quando ela se vira para o repórter, percebe que ele, em meio ao seu temor, está prestes a clicar uma foto. Com um tapa, a mulher joga a câmera no chão.
— Quieto! — ordena ela, que, em seguida, resolve guardar a arma e se dirigir para os drogados.
Nesse momento, uma chuva de balas começa a atingir tanto os orientais quanto os italianos, não fazendo discriminação entre as duas forças. Um homem carregando duas submetralhadoras consegue atingir seus inimigos, tornando o cenário, em poucos segundos, desolador. Seus inimigos caem um a um, fazendo com que ele, aos poucos, saia da escuridão. Seu sobretudo e a caveira em seu uniforme tornam-no uma figura conhecida.
— Justiceiro... — murmura o líder.
Frank Castle se dirige para o Cabeça-de-Martelo. Ambos começam a lutar. O suor na testa do Justiceiro, suas roupas rasgadas e hematomas em partes de seu corpo revelam que sua luta contra as gangues em guerra já vinha se desenvolvendo há horas.
Cabeça-de-Martelo, com uma força acima da média humana, desfere um soco no rosto do adversário que cambaleia, tentando reunir forças, mas acaba caindo ao chão. Nesse momento, Castle pega um dos fuzis e uma série de golpes com a coronha da arma é dada contra o rosto do mafioso que, surpreso, cai desacordado... seguido pelo próprio Justiceiro.
— Com a prisão do Cabeça-de-Martelo, acredito que a guerra entre as gangues seja amenizada daqui para frente. — afirma Leiko Wu, enquanto faz curativos no ombro de Castle, retribuindo a defesa à clínica de recuperação de drogados. — Deverei voltar para Londres esse final de semana.
— Não se preocupe. — afirma Castle — Ficarei de olho para que qualquer irregularidade não volte a acontecer. Minha única falha foi não ter liquidado o Cabeça-de-Martelo. Fui descuidado e acabei desmaiando. Isso não pode se repetir.
Olsen está andando de um lado para outro. Irrequieto.
— O que há com ele? — pergunta o Justiceiro.
— Está assim por não ter conseguido tirar fotos das lutas...
— Não há problemas. — Frank Castle agradece a Leiko e levanta-se, pedindo que Olsen o acompanhe — Venha comigo.
— Aonde vamos? — pergunta Jimmy Olsen.
— Você vai ver o que eu sei fazer melhor... em qualquer cidade... contra qualquer criminoso... — o Justiceiro engatilha sua automática.
:: Nota do Autor
Aqui se encerra minha participação escrevendo as histórias do Justiceiro. Espero que tenham gostado, e principalmente, que os leitores se apresentem para escrever a sua versão das histórias de Frank Castle. Fiquem ligados nas novas séries que surgirão no Hyperfan.
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