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Por
Fernando Lopes
Aconteceu
em Nova Orleans...
Qual o som de uma
manada de elefantes em disparada? Vic Sage não tinha certeza,
mas seguramente era muito parecido com o som que preenchia sua
cabeça naquele momento. Levantou pálpebras que pesavam
toneladas para encarar o rosto enrugado e os cabelos brancos de
Aristotle Rodor, que o observava com ar preocupado. A luz o incomodava
e ele fechou novamente os olhos.
Como se sente?
Uma merda. Parece que usaram minha cabeça para jogar
futebol. Que aconteceu?
Eu é que pergunto. Você apagou logo que chegou
aqui. Andou bebendo?
E desde quando eu tenho vocação pra bebum?
Bem, na faculdade...
Não enche o saco, Tot. Eu apaguei?
Como uma vela. Não se lembra de nada?
Mais ou menos... Me lembro de ter ido ao Centro, checar uma
coisa. Aí o Questão precisou agir...
Está falando de você mesmo em terceira pessoa de
novo...
Não torra, Tot! Me senti meio esquisito quando liberei
o gás que ajuda a prender a máscara. Depois, quase
matei um sujeito bêbado de porrada, sem a menor necessidade.
A partir daí, não me lembro de mais nada. Nem sei
como cheguei aqui...
Bem, você conseguiu tirar a máscara, pelo menos.
Estava no bolso. O que me leva à próxima pergunta:
quando o Questão tinha agido pela última vez?
Faz mais ou menos três semanas, ainda em New Orleans.
Um caso de tráfico.
Hmm... faz sentido. Lembra dos detalhes?
Claro. Eu estava...

New Orleans,
2h15.
Ethan Rowlings estava satisfeito consigo mesmo. A entrega
daquela noite ia lhe render dinheiro suficiente para finalmente
comprar o barco. Millie e as crianças iam ficar contentes.
E, de quebra, ainda levava pó suficiente para uma festinha
particular com Nikki mais tarde. Ia distraído até
o carro pensando nas coxas da amante quando uma voz abafada chamou
seu nome.
Como vão os negócios, Rowlings?
Olhou assustado na direção da voz. O homem alto
e de sobretudo escuro surgira ao seu lado como que vindo do nada.
O chapéu escondia parte do rosto.
Quem é vo...
Nesse momento, um carro iluminou o estranho. Ethan Rowlings
que nunca foi o mais corajoso dos homens então descobriu
o significado da palavra medo, pois quem o interrogava era um
homem sem rosto!
O que... o que você quer?
Informação. Quem é o fornecedor?
Apesar do medo e da confusão em sua mente, Rowlings tentou
manter o controle.
Eu não sei do queeeeeeeeeeeeeee...
Não faça esse jogo comigo, Ethan ameaçou
o Questão, agarrando o traficante pelo colarinho e arremessando-o
contra a parede. Você não tem cacife para bancar
a aposta.
Calma-cara-pelamordedeus-não-me-machuca!
Depende de você, Ethan. Eu quero nomes. Quero endereços.
E quero agora!
Em pânico, Rowlings explicou como recebia as encomendas
de droga por telefone. Só atendia pedidos de clientes da
corretora de valores onde trabalhava, gente da alta sociedade.
O esquema lhe rendia um bom dinheiro extra, além de droga
suficiente para suas farras semanais com a amante. Até
encontrar o estranho sem rosto, parecia um bom negócio.
Naquele exato instante, erguido a 30 centímetros do chão
por aquela aberração saída sabe-se lá
de qual inferno, começou a achar uma péssima idéia.
Eu vou checar, Ethan disse o Questão, baixando Rowlings.
Se você estiver mentindo, eu volto. E não vou ser
tão bonzinho. Você tem família. Sugiro que
saia dos negócios. Permanentemente.
Não vai me prender?
Não, desde que você me responda uma coisa...
O quê?
Por quê? Por que arriscar família, carreira, futuro?
Rowlings olhou o Questão com expressão aparvalhada.
Não sabia exatamente o que dizer, o que o estranho esperava
ouvir.
Emoção, tédio... sei lá.
Cuidado, Ethan. Emoção demais mata.
O estranho sem rosto sumiu rapidamente na noite. Rowlings voltou
para dentro de casa. Millie lhe perguntou o que tinha acontecido,
mas ele não respondeu. Começou a arrumar as malas.
Não deu tempo à esposa para formular a pergunta.
Nos mudamos amanhã. De repente esta cidade não
me parece mais um bom lugar para morar...

3h23
O Questão seguiu as informações de Ethan,
no caminho inverso da droga. Descobrira o esquema após
a morte de uma socialite, afogada na piscina de sua cobertura
durante uma festa. A família mexeu os pauzinhos para que
não fosse feita a autópsia., mas um dos garçons
devidamente persuadido por uma quantia módica lhe revelou
que a mulher estava completamente chapada, tanto quanto boa parte
dos demais convidados.
Os intermediários seguintes esperavam Rowlings em uma rua
do Centro. Um estava no local marcado, enquanto outros três
estavam a cerca de 10 metros. O traficante dirigiu-se ao vulto
que atravessava a rua.
E aí, Ethan, mermão, cumé que vai essa
força?
Ethan não pôde vir. disse o Questão
E você também não vai a lugar nenhum.
Aí, mané, não sei qual é a tua,
mas cê tá na mó roubada, tá sabendo?
retrucou o traficante, fazendo menção de puxar
a arma. O pé do estranho arrancou três dentes de
sua boca e o fez mudar de idéia.
Antes mesmo do corpo do traficante cair no chão seus três
companheiros partiram para cima do Questão, dois deles
sacando as armas. O vigilante sem rosto saltou na direção
dos agressores, rolando no chão numa cambalhota. Aproveitando
o impulso, atingiu os homens armados no queixo, de baixo para
cima. Um deles caiu desacordado, enquanto o segundo foi jogado
para trás. O terceiro traficante investiu com uma faca,
apenas para ter o pulso quebrado com uma chave de braço
e ser jogado sobre o companheiro, que se preparava para atirar.
O choque nocauteou ambos.
O Questão voltou-se para o primeiro traficante que, zonzo,
começou a correr. Tudo o que precisava agora era segui-lo.

3h48
A perseguição ao traficante levou o Questão
a uma área mais afastada da cidade. No depósito
isolado, uma surpresa o aguardava. Os dois sentinelas estavam
desacordados. Entrou cautelosamente no prédio as escuras.
Protegido pelas sombras dos engradados empilhados, ouviu o intermediário
relatar seu ataque ao chefe do bando. Foi silenciado com um tiro
à queima-roupa.
Esse bundão vai trazer os hômi aqui. Pega o bagulho
e vamo sair fora.
Encarar oito homens armados não era exatamente o plano
de Sage, mas se não agisse naquela hora perderia a quadrilha.
Nesse momento, o acaso interveio em seu favor na figura de um
homem alto, de cabelos compridos, óculos escuros e sobretudo,
com uma escopeta nas mãos.
Todo mundo parado!
Desnecessário dizer que ninguém obedeceu. Os traficantes
espalharam-se e começaram a disparar contra o estranho,
que abrigou-se atrás de uma pilastra de concreto. Não
conseguiria sustentar aquela posição por muito tempo.
Sage decidiu agir. Circundando os engradados, chegou ao ponto
onde um dos bandidos se abrigara. Agarrou o criminoso pelas costas
e bateu sua cabeça violentamente contra a parede.
Enquanto isso, o estranho decidiu virar o jogo a seu favor. Saltou
de sua posição protegida para o chão, disparando
em pleno ar. Um dos traficantes viu seu joelho desaparecer e caiu
gritando. O estranho continuou se movendo com espantosa agilidade,
esquivando-se da saraivada de balas até alcançar
três dos atiradores. Seus movimentos eram difíceis
de acompanhar. O primeiro agressor nem sequer viu o que o atingiu.
O segundo tentou mirar no estranho, mas foi usado como escudo
humano para protegê-lo dos disparos do terceiro criminoso.
Seu corpo inerte foi jogado sobre o assassino, atingido em seguida
por um chute no rosto.
Preocupados em acertar o estranho, dois traficantes remanescentes
não perceberam a aproximação do Questão,
que saltou sobre eles, desarmando-os. Um dos bandidos agarrou
o vigilante sem rosto pelo pescoço, enquanto o segundo
veio em sua direção. Uma cotovelada nas costelas
afrouxou a pressão sobre o pescoço de Sage, que
aproveitou a folga para arremessar seu oponente. O outro traficante
pulou sobre ele, derrubando ambos sobre uma mesa ainda cheia de
droga. Sage usou o impulso para jogar o adversário de cabeça
contra a parede.
O silêncio dominou o galpão. Os dois homens se encararam
frente a frente pela primeira vez. Subitamente, o estranho de
sobretudo arremessou um objeto em direção do Questão,
que esquivou-se instintivamente. O disco metálico passou
zunindo a alguns centímetros de sua cabeça, atingindo
a arma do último traficante, que mirava em sua direção.
Sage saltou e aplicou-lhe um chute nas costelas, seguido por uma
joelhada no nariz, que encerraram definitivamente a luta. Apenas
o gemido do homem atingido no joelho se fazia ouvir.
Obrigado. disse o Questão. Você é bom.
Você também. O que aconteceu com a sua cara?
Exagerei na hora de fazer a barba...
Isso é que eu chamo de pele sensível... disse
o estranho, sorrindo. Sou Jack Monroe.
Ouvi falar de você, Nômade.
É, minha fama me precede... E você é?
Questão de ponto de vista... Mas pode me chamar de Questão.
Tudo bem, senhor Questão de Ponto de Vista. Acho que
é hora de chamar a cavalaria para limpar a sujeira. Topa
uma cerveja depois?
Fica para a próxima.
É, sem boca deve ficar meio mesmo difícil... A
gente se cruza.
Sage deixou o galpão e voltou para a cidade, sem imaginar
as conseqüências que os eventos daquela noite lhe trariam
no futuro.

E foi isso
que aconteceu, Tot.
E você tirou a máscara logo?
Pouco depois de sair dali, num beco próximo. Por
que a pergunta?
Encontrei vestígios de droga em sua máscara.
Uma quantidade mínima, mas que deve ter reagido com o gás
que dá aderência à máscara. Isso deve
ter provocado seu comportamento violento e o desmaio posterior.
Você sempre foi fraco para drogas.
Bem isso explica as coisas...
Esse Nômade que você encontrou... O nome não
me é estranho.
Claro que não. Foi parceiro do Capitão América
há alguns anos, roupinha colada e tudo mais. Depois pirou
e passou a agir por conta própria. Fazia um tempo que andava
sumido.
É, acho que eu me lembro dele. Sente-se melhor?
Não, mas não dá mais para ficar na
cama. Tenho que ir para a emissora. Estou trabalhando numa matéria
sobre Sam Johnson.
Johnson? Cuidado, Charli. Ele pode estar velho, mas ainda
é perigoso.
Não se preocupe, Tot. Chegou a hora do senhor Johnson
colher o que plantou.
:: Notas do Autor
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