|
|
Por
Fernando Lopes
De
Sonhos e Planos
Prólogo
1
... 282... 283... 284... 285... 286...
Vai mesmo atrás de Johnson?
... 287... 288... 289... Vou... 291... 292...
Vic, não é uma boa idéia... Johnson
pode estar velho, mas ainda é perigoso.
... 293... 294... 295... É algo... que tenho...
de fazer... 302... 303... 304...
Isso não vai trazer Wilson de volta. Nada vai.
... 305... 306... 307... Questão... de justiça...
310... 311... 312...
Questão de teimosia, isso sim! reagiu o professor
Aristotle Rodor, irritado. Além do mais... Saco,
dá pra parar de fazer abdominais enquanto fala comigo?
... 313... 314... 315... Não... 317... 318...
Ouça, Vic prosseguiu Rodor, armando-se de
toda a paciência que conseguiu reunir. Sei como se
sente. Jerry Wilson era um bom homem. Johnson arruinou a vida
dele e ele acabou morto.
... 319... 320... 321... 322... 323...
Johnson não se tornou dono de boa parte de Hub City
jogando limpo. Todos os que cruzaram seu caminho se deram muito
mal...
... 324... 324... 326... 327... 328...
Ele é ainda pior do que Hatch. Esse era maluco,
embora não menos perigoso... Quer morrer de novo?
... 329... 330... A morte... pode ser... libertadora...
338... 339... 340...
Libertadora o cacete! Não fosse por aquela dona
maluca, seus ossos estariam no fundo do rio até hoje! Sem
mencionar...
A ladainha de Rodor levou a mente de Vic Sage de volta há
alguns anos no passado. Sim, ele se lembrava. A humilhante derrota
pelas mãos de Lady Shiva, a surra aplicada pelos capangas
do reverendo Hatch, a bala na cabeça, os longos minutos
nas águas frias do Rio Hub, o milagre que salvou sua vida,
o sermão do Cavaleiro das Trevas, os dias nas montanhas
com Richard Dragon... É, a visão da morte deve mesmo
ser libertadora. Sem isso, talvez ele continuasse sendo apenas
um iludido com mania de grandeza e propensão à violência.
... Além do mais...
... 499... 500. Tá legal, Tot, eu sei que você
me ama. Prometo tomar cuidado. Agora, quer me dar um tempo?
brincou Vic.
Nos conhecemos há mais de 15 anos, Charli
respondeu Rodor sério, chamando Sage por seu nome de batismo.
Detestaria enterrá-lo.
Não se preocupe. Não pretendo fazê-lo
passar por isso... Você está ficando sentimental,
Tot. Onde está a sua "fascinação ao
observar um homem moldando seu próprio destino"?
Rodor deu um sorriso amarelo ao ser lembrado das próprias
palavras.
Alguns destinos podem ser bem sombrios, rapaz...

Prólogo
2
E o que aconteceu, vovô?
O lobo soprou e soprou, mas não conseguiu derrubar
a casa dos porquinhos...
Sam Johnson observou o homem que entrava na sala e dirigiu-se
novamente ao neto:
Por que você não pede um lanche para a Rita,
hein, Timmy? Aposto que tem um monte de coisas gostosas esperando
você na cozinha...
Venha, Timothy emendou a tutora vamos ver
o que podemos encontrar...
Tá bom. Tchau, vô!
Eu já vou lá, garoto!
Sam acompanhou o neto com o olhar terno, um mal disfarçado
sorriso no rosto. Tinha a expressão serena quando dirigiu-se
ao auxiliar.
E então, Morton, como estamos?
Tudo conforme o planejado, senhor. O técnico encarregado
do parecer sobre o novo projeto de zoneamento já foi...
persuadido sobre as vantagens da proposta.
Bom, muito bom. sorriu Sam, satisfeito. Se
tudo continuar seguindo nesse ritmo, em pouco tempo terei alcançado
meu objetivo.
O "objetivo" de Sam Johnson era seu mais ambicioso projeto,
algo com que jamais sonhara desde que começara sua carreira
criminosa, incontáveis anos atrás: deixar para trás
seu sórdido passado e tornar-se um cidadão respeitável.
A simples idéia lhe soava estranha. Nunca se importara
com esse tipo de coisa antes. Em sua velhice, porém, isso
se tornara uma necessidade urgente. E o motivo entrava pela sala
novamente, com seus passos curtos e um enorme sanduíche.
Quer um pedaço, vô?
Hmm, isso parece bom...
Subitamente, as lágrimas encheram os olhos de Sam Johnson
ao lembrar de seu filho Sammy com a idade de Timothy. Na época,
Johnson estava ocupado demais com prostitutas e drogas e contrabando
para prestar atenção ao garoto. Também estava
muito ocupado para ver o filho formar-se na universidade, a fim
de fugir da herança criminosa do pai. Mas teve de deixar
de lado seus afazeres para reconhecer o corpo de Sammy e da esposa
no necrotério municipal, após o acidente automobilístico
que lhes tirou a vida, milagrosamente poupando o pequeno Timmy.
Pista escorregadia. Ninguém para espancar, ou para subornar,
ou para matar. Nada a fazer a não ser arrepender-se e chorar
pelo tempo perdido, pelas palavras não ditas.
Você está chorando, vô?
Não, meu lindo, é só um cisco. Venha
cá dar um abraço no vovô.
Ao sentir os pequenos braços ao redor de seu pescoço,
Sam Johnson teve certeza do acerto de sua decisão. E nada
no mundo iria impedi-lo de concretizar seu plano. A valorização
de seus imóveis garantiria a Timmy um futuro seguro e tranqüilo,
mesmo após sua morte.

"Conhece ao
teu inimigo e a ti mesmo", já ensinava Sun Tzu há
mais de dois mil anos, em seu tratado A Arte da Guerra.
Vic Sage tinha aprendido, da pior forma possível, o quanto
o velho estrategista estava correto. Por isso, dedicou as duas
semanas seguintes a reunir todo o material possível sobre
as operações legais e ilegais de Johnson. Quando
o material de pesquisa acabou, decidiu ir a campo, embora isso
trouxesse alguns inconvenientes que vinha tentando evitar. Se
estava disposto, porém, a entrar numa guerra, devia submeter-se
às regras do jogo.
Naquela noite, o comissário Izzy O'Toole voltou mais tarde
para seu apartamento. Estava cansado, irritado e com fome. Nada
como a boa e velha rotina. Mas havia algo estranho, um tipo de
sensação... Ele não sabia bem o que era mas,
fosse o que fosse, O'Toole não gostava. Abriu a porta da
geladeira e tentou achar algo que não estivesse duro o
suficiente para ser cortado com uma talhadeira. Encontrou um pedaço
de pizza relativamente intacto e pensou, apenas por um instante,
que talvez devesse se casar.
Nah, sempre se pode pedir mais pizza... disse para
si mesmo, em voz alta.
Fechou a geladeira e só então percebeu o vulto ao
seu lado. O susto o fez arremessar a pizza para cima e saltar
para trás com um grito. À sua frente, o homem sem
rosto aparou seu jantar no ar.
Putaquepariu! esbravejou o policial, parcialmente
refeito. Quer me matar do coração, seu idiota?
Você anda muito estressado, O'Toole. O que seu cardiologista
vai dizer? provocou o Questão.
Izzy tomou a pizza da mão do vigilante.
O que diabos você está fazendo aqui? Andou
sumido... Tava procurando onde esqueceu a cara?
Preciso de informações.
E por que eu daria?
Cortesia profissional. Gratidão, talvez. Acho que
você ainda me deve uma ou duas...
O que você quer?
Sam Johnson.
Johnson? Perdeu os miolos junto com a cara?
Eu o quero. O que pode fazer por mim?
Nada. Ninguém tem absolutamente nada contra ele.
Ninguém vivo, pelo menos.
Vou começar a apertá-lo. Pode me dar algum
apoio?
Aqui não é Gotham, meu chapa. Sem um mandado,
nada feito. Você espanca um dos homens de Johnson e eu vou
ser obrigado a cair em cima de você como uma marreta.
Está na folha dele?
Escutaqui, seu filho da puta! Vê lá como fala
comigo! enfureceu-se O'Toole, enfiando o dedo na cara do
Questão.
Quem diria... zombou o vigilante o ex-policial
mais corrupto de Hub City mudou tanto que não admite mais
nem insinuações. Gostei de ver... Como é,
vai me ajudar ou não?
Preciso de respaldo. acalmou-se O'Toole Algo
para apresentar a um juiz.
Você terá. Aguarde notícias.
disse o Questão, seguindo para a janela. Ah, uma
última coisa...
Quequié?
Você devia se casar. Ainda vai acabar se matando
comendo essas coisas... e saltou noite adentro, deixando
Izzy com um impropério entalado na garganta.

A prefeita
irá recebê-lo em dois minutos.
Obrigado. disse Sage, ligeiramente desconfortável.
Tinha conseguido livrar-se do reencontro com Myra durante todo
o mês. Repassou todas as pautas ligadas à Prefeitura
para outros repórteres. E agora, por livre e espontânea
vontade, vinha procurá-la. Sabia, em seu íntimo,
que isso teria de acontecer, mais cedo ou mais tarde. Que fosse
agora, então. Precisava entender melhor o interesse de
Johnson no novo projeto de zoneamento e quais as implicações
disso para a cidade. Tentou tornar as coisas as mais impessoais
possíveis. Não conseguiu. Pensou que ela talvez
estivesse gorda e feia, e que tudo o que viveram juntos nada mais
significava. Se existia algum momento digno para voltar a fumar,
era aquele. Pensava nessas e em outras bobagens quando a secretária
o chamou.
O senhor pode entrar.
Sage sentia-se idiota. Era capaz de derrotar vários oponentes
em combate facilmente e agora tremia como um adolescente. Fez
o possível para disfarçar o constrangimento. Myra
o aguardava em sua mesa. Usava os cabelos curtos e um tailleur
clássico. Não estava gorda, e muito menos feia.
Como vai, Vic? disse ela, estendendo-lhe a mão.
Bem, e você? retribuiu. O aperto de mão
não foi nem mais longo, nem mais forte do que o habitual.
Levando.
Parece que tem feito um bom trabalho. Uma vitória,
considerando-se Hub City...
Já foi mais difícil. No começo, demiti
tanta gente que quase tive de servir o café eu mesma. Recebo
denúncias de corrupção pelo menos duas vezes
por mês. Mas a coisa vai caminhando.
Um silêncio incômodo instalou-se entre os dois. Sage
decidiu ir direto ao assunto.
Estou trabalhando numa matéria sobre Sam Johnson.
Hmm, você continua bom em escolher alvos... Algum
dia vai abocanhar mais do que pode engolir.
Sage pensou uma obscenidade e prosseguiu.
Desde quando ele se interessa por política? Qual
o interesse nesse projeto de zoneamento?
É estranho... respondeu Myra, por um instante
reassumindo a postura da repórter que fora antes de se
tornar prefeita. Foi logo depois da morte do filho dele
num acidente de carro. A partir daí, ele passou a empenhar-se
mais em seus negócios lícitos... O grosso do dinheiro
ainda vem das atividades ilegais, mas...
Myra sentiu o olhar de Sage cravado nela. Desconversou.
É claro que tudo isso não passa de especulação...
prosseguiu, reassumindo o ar cuidadosamente estudado
e eu jamais diria isso em público.
Evidente que não... Mas você me ajudou bastante.
disse Sage, levantando-se.
Espero que sim. Ela também se levantou.
Como está sua filha?
Progredindo respondeu Myra, subitamente mais viva.
Está sob os cuidados de uma excelente tutora.
Isso é ótimo. E seu... marido?
Wes está numa clínica para alcóolatras...
a oitava.
Sinto muito.
Não, não sente. Sempre foi um péssimo
mentiroso.
Vic sentiu-se incomodado.
Bem... É melhor eu ir.
Deram-se novamente as mãos. Desta vez, o aperto durou mais
tempo.
Vic, tenha cuidado. Johnson não é dado a
brincadeiras.
Você me conhece.
Myra observou da janela o homem que um dia amou partir no dia
chuvoso.
Eu o conheço, Vic Sage. É por isso que tenho
medo.
:: Notas do Autor
|
 |