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Por
Cesar Rocha Leal
Evoluções
Parte III - O Bravo e o Arrojado *
Finalmente decidido
a cumprir a promessa feita a Ben Turner (**), Vic Sage disca o
número dado pelo freelancer conhecido como Tigre
de Bronze. A ligação é atendida ainda no
segundo toque.
Alô... Eu... hã... Gostaria de falar com Oráculo.
Pela falta de costume no contato comigo, deve ser o Sr. Sage
quem está falando. Ou prefere ser chamado de Questão?
Bem... Talvez não fosse uma boa idéia usar nomes...
Não se preocupe. Esta linha é completamente
segura. Pensando bem, não acho que você gostaria
de ser chamado pelo seu nome de vigilante.
Realmente. Acho que não... Na verdade, nem é um
nome propriamente dito. É mais uma alcunha que ficou por...
Falta de opção. Mas se você sabe quem sou,
acho que sabe porque estou ligando...
Sim. Para falar a verdade, já entrei em contato com o
Tigre de Bronze e ele me explicou o que aconteceu. Caso esteja
interessado, ele está bem e o garoto já teve alta.
Você vai ficar no lugar dele na missão, certo?
Bem. Acho que sim. Se o seu patrão não
for contra. Você sabe, o morcego de orelhas pontudas...
Acho que ele não vai muito com a minha cara.
Ha! Levando em conta, seu disfarce presumo que isto tenha sido
uma piada. De fato, senhor Sage, meu "patrão"
realmente não confia muito em você. Ele o considera
"esforçado, mas sem direção". Não
estou dizendo que ele seja quem você pensa, mas Turner me
explicou os motivos que o levaram a confiar em você. Sabe,
eu conheço Richard Dragon também... Quando fiquei
em uma situação... vamos dizer, precária,
ele me ajudou (***), me ensinando a arte da Lameco Eskrima. Conhece?
A arte filipina de luta com bastões?
Exatamente. Creio que teremos de confiar em você e seu
alter-ego, pelo menos por enquanto. Deixe-me explicar sua missão
e para onde você terá que ir...

Você vai
viajar para onde?
O tom de voz de Tot é característico nesse tipo
de conversa. Na verdade, ele nem reprova tanto as decisões
de Sage, mas sempre gosta de bancar o "advogado do diabo"
para deixar claras as verdadeiras intenções de Sage
em fazer determinadas coisas.
Como você ouviu muito bem, Tot, eu vou para o Brasil.
Na verdade, até o Rio de Janeiro.
Mas como?
Bem, deixe-me tentar explicar sem que você distorça
muito minhas palavras. Ontem eu lutei com o Tigre de Bronze...
Porque, mais uma vez, se meteu onde não devia.
E ele acabou ferido para salvar Zack, aquele garoto que tenho
vigiado...
Outro assunto que não lhe diz respeito.
Eu sei, mas me senti culpado. Acontece que o Tigre tinha uma
missão, acho que o empregador dele é o próprio
Batman...
Que, convenhamos, não gosta muito do nosso amigo Questão.
Talvez ele até tenha seus motivos. Enfim, o caso é
que a pista que o Tigre seguia leva a um ídolo que foi
roubado de um templo tibetano. Dizem que o objeto tem propriedades
místicas...
Assunto do qual você não tem a mais remota noção,
não custa lembrar.
Realmente. Mas esse ídolo parece estar chamando a atenção
de pessoas poderosas...
E provavelmente perigosas também.
Acho que sim, mas isso não vem ao caso. O ídolo
foi roubado por um conhecido ladrão de túmulos internacional...
Que não tem nada a ver com templos budistas. Que, por
sinal, provavelmente ficam dentro do território da China,
povinho nada amigável com "penetras" em seus
domínios.
Acho que o que move este cara é o dinheiro mesmo. Mas
o que sei é que ele fugiu para o Rio de Janeiro...
O que me leva a me questionar por que todo bandido foge para
lá...
Deve ser o clima. Mas ele está hospedado na casa de um
amigo americano, o magnata Richard Holsfield...
Que também não deve ser flor que se cheire. (****)
Acredito que não. De qualquer forma, eu só vou
dar uma chegada até lá...
Em outro país, embora você fale como se fosse a
padaria da esquina...
Vou até o endereço de Holsfield que a Oráculo
me fornecerá...
Que, por sinal, é alguém que conhece sua identidade,
mas que você sequer sabe o nome ou filiação.
Apenas "acha" que trabalha para o Batman.
Devo entrar em contato com o cara que tem o ídolo...
Provavelmente, invadindo domicílio de um magnata americano
e quebrando as cabeças de seus seguranças no caminho.
Pego o ídolo que está nas mãos dele...
O que configura roubo, mesmo que o objeto já tenha sido
roubado antes.
Entro em contato com Oráculo e trago o objeto para que
ela cuide de entregar aos verdadeiros donos.
Arriscando sua vida no processo e se intrometendo em assuntos
de outros países, podendo causar um incidente internacional
e mofar o resto da vida na cadeia.
Como pode ver, nada de complicado ou preocupante...
Você não ouviu nada do que eu disse, certo?
Eu só preciso que você mantenha a história
de que estou muito doente e que não posso trabalhar, entende?
E se eles quiserem falar contigo? E por quanto tempo devo dizer
que você está de cama? E quanto tempo você
pretende se ausentar do trabalho?
Eu não tenho a mínima idéia, Tot. Mas confio
em sua capacidade de improvisação.
De ser um mentiroso, você quer dizer. Acho que inclusive
já está na hora de você achar um lugar para
morar em vez de ficar aqui em casa e me envolver nesses seus devaneios.
Deixe de ser negativo, Tot.

As passagens estavam
em um armário no aeroporto de Hub City, junto com algum
dinheiro, um telefone celular e documentos necessários
para a viagem. Com um passaporte falso, o Questão começa
sua missão.

Depois de horas de
viagem, Vic Sage se encontra em terras brasileiras. Pedindo ao
motorista para levá-lo até o bairro de São
Conrado passando pela orla marítima, ele aproveita para
observar atentamente a paisagem proporcionada pelas banhistas
da Cidade Maravilhosa, enquanto usa o celular para fazer uma ligação
para Oráculo.
Nem quero ver a conta deste aparelho.
Não se preocupe, despesas em recuperar objetos místicos
roubados devem ser dedutíveis do Imposto de Renda.
Certo... Olha, eu já estou no bairro que você indicou,
e agora?
Agora você vai passar o tempo até que escureça.
Assim que anoitecer, você entra em contato comigo e eu passo
maiores informações.
Passar uma tarde na praia do Rio de Janeiro... Eu conheço
formas piores de ajudar um amigo...
Só não vá "tomar um chopinho"
enquanto espera. O "patrão'' não aprova
beber em serviço.
Por falar nisso... Ele já sabe que sou eu quem veio nesta
missão?
Ainda não. Mas não se preocupe, é só
uma questão de tempo.
Mas é exatamente isso que me preocupa.

Anoitece em Gotham
City. Um ônibus pára na estação rodoviária.
Dele salta um garoto, Zack. Viciado em drogas, treinado para ser
traficante, ele teve a vida salva por Ben Turner, mas algo ainda
mais forte o impeliu a vir para esta cidade. Enquanto o Tigre
salvou sua vida, o homem sem rosto estava pretendendo salvar sua
alma. Um apoio e confiança que o garoto nunca teve, sequer
de seu pai, e que acabou por colocar três decisões
em sua cabeça. Uma é a de largar as drogas, o que
ele teme não conseguir. A segunda é fazer algo de
útil em sua vida. E a terceira é encontrar o homem
que o fez acreditar que isso fosse possível.
Por isso que Zack veio a Gotham. Ele ouviu parte da conversa entre
o Questão e o Tigre de Bronze e pôde perceber que
o homem sem rosto partiu em uma missão no lugar do Tigre.
Arriscando a própria vida pelo sacrifício do outro
em salvar a sua. Ele também pôde ouvir o nome Batman.
Por isso acredita que deverá encontrar o vigilante e tentar
achar o Questão. Mesmo que tal decisão não
faça muito sentido, ele sabe que estaria disposto a morrer
tentando.

É noite no
Rio de Janeiro. O Questão entra em contato com Oráculo
e ela indica para que ele suba uma determinada rua que leva para
a Floresta da Tijuca. Ao chegar no endereço de Holsfield,
deve esperar até que Oráculo confirme a presença
do homem que está com o ídolo e então entrar
em ação.

Zack sente uma terrível
dor. Ele enfrenta a abstinência da droga em seu organismo
com uma força que sequer tinha consciência que possuía,
mas que acredita não ser suficiente. Ao mesmo tempo em
que procura o Batman sente que sua busca pode ser em vão.
O que você quer no nosso território, mauricinho?
Aqui você tem que pagar pedágio aos mano, tá
ligado?
Zack se vê cercado por quatro homens, quatro predadores.
Ele mesmo já foi um em Hub City. Desta vez, entretanto,
não passa de uma presa, e a dor e agonia da abstinência
são maiores do que ele pode agüentar. Ao desmaiar,
ele pensa ouvir sons de briga. Quando acorda, vê-se diante
da mais aterradora figura que já vislumbrou.
O que você quer em minha cidade, garoto?
O Batman é impressionante, mas antes que possa responder,
Zack cai de novo na inconsciência.

Está quase
amanhecendo. Em sua vigília, o Questão veste seu
casaco e boné, colocando a máscara em seu rosto
e liberando o gás que a torna uma segunda pele. Ele se
prepara para entrar em ação. Oráculo ligou
há alguns minutos confirmando a presença de sua
presa na casa de Holsfield.
Meio longe de casa, não?
Sage se assusta com o recém-chegado, até reconhecer
Oliver Queen, o Arqueiro Verde, antigo parceiro em algumas missões
e uma das poucas pessoas sorrateiras o suficiente para se aproximar
sem o alertar.
Arqueiro? O que está fazendo aqui?
O mesmo que você, acredito: caçando. Richard Holsfield
mora nesta casa. O sacana faz turismo sexual e tráfico
de garotas entre Seattle e o Rio de Janeiro. E você?
Estou atrás de um amigo dele, que está hospedado
na casa. Ele roubou... algo. E vim pegar de volta. Na verdade,
estou fazendo um favor a um amigo.
Certo. Já que vamos para o mesmo lugar, podemos comparar
anotações. O que você viu?
Nenhum alarme
silencioso. A casa tem três vigias na parte de baixo, sendo
um deles o caseiro, que além de armado está acompanhado
por dois pit bulls. Tem um cara no teto com uma arma pesada
e mais três dentro da casa, dentre os quais minha presa,
Holsfield e seu guarda-costas.
Horace Starker. Pelo tom de voz do Arqueiro, o Questão
percebe que os dois já se conhecem e que não será
nada agradável estar no caminho de Oliver quando este enfrentar
seu inimigo.
O Arqueiro decide que antes de entrar eles devem cortar o telefone.
Isso acaba por surpreender o Questão. Ele já está
no jogo de vigilantismo há algum tempo mas, mesmo assim,
deixa escapar alguns macetes. Oliver é mais precavido que
ele, até mais eficiente. Ainda existe muito o que aprender.
A primeira flecha acerta o alvo, mas não corta o fio do
telefone. Sage graceja com o amigo:
Ei! O Arqueiro está "perdendo o toque"?
Nah! O problema é que usei uma flecha "profissional".
Não gosto destas coisas industrializadas. Esperava poupar
as flechas que eu mesmo fiz para situações mais
perigosas, já que são únicas em que posso
confiar.
Na segunda vez o disparo é perfeito e os heróis
se preparam para invadir a casa de Holsfield.
Bem melhor. diz o Questão E agora? Você cuida
do cara no teto? Deixe os cachorros comigo. Não quero matar
animais se não houver necessidade.
Entendo.
Ao pular o muro, Sage se prepara. Cães treinados seguem
o mesmo padrão de ataque. Ao se aproximarem, Sage se ajoelha.
Os animais saltam em sua direção, mas ele se levanta
e os agarra pela garganta, um em cada mão. Depois, pressiona
um nervo perto da boca dos animais, fazendo-os desmaiar.
Sage não tem tempo de se sentir aliviado. O caseiro está
armado e ele deve agir com rapidez. Aproximando-se do homem, Vic
pisa em seus pés, tirando-lhe a mobilidade, devido ao pouco
espaço entre os dois, e impedindo golpes com os punhos.
Sage acerta o rosto do caseiro com o cotovelo, ganhando a disputa.
Verificando o Arqueiro ele percebe que seu amigo dominou os dois
vigias.
Droga, queria ter visto o que você fez com os cães.
Poderia ter sido útil.
Segredo profissional, meu caro.
Um som de tiro, que passa próximo de sua cabeça,
alerta o Questão. O homem no teto o tem em sua mira. Certo
de que irá morrer, Sage encara seu executor. Mas uma flecha
acerta o rosto do capanga, fazendo-o cair. Ao se aproximar, o
Questão verifica as condições do atirador.
Não que faça diferença, mas está
vivo. Belo disparo.
Que nada. Acabei usando uma flecha "profissional".
Nem vou dizer onde estava mirando... Malditas coisas mal feitas.
resmunga o Arqueiro Verde.
Com cautela os dois entram na casa.

No escritório
de Holsfield, a tensão é quase palpável.
Eles ouvem o barulho do jardim e descobriram que os telefones
estão mudos. O empresário liga para a polícia
pelo celular, com a certeza de que o maldito Arqueiro Verde está
em seu encalço, enquanto que seu hóspede e amigo,
Jonas, somente fala em perseguidores chineses e asseclas de alguém
que chama de "Cabeça do Demônio".
De repente a janela é quebrada e um homem muito grande
entra por ela. Holsfield fica paralisado; afinal, eles estão
no segundo andar. O recém-chegado ignora o empresário
e se atraca com Jonas, tomando-lhe uma estranha figura das mãos.
Não. Devolva-me o ídolo. Arghhh...
O estranho mata Jonas com um simples golpe no pescoço e
sai do escritório antes que Holsfield possa sacar sua arma.
Descendo as escadas, passa pelo Arqueiro e o Questão e
corre para a saída.
Droga, o cara roubou o ídolo! Sage fala com rapidez
enquanto parte em perseguição ao ladrão.
Do lado de fora da casa, o homem pula o muro, com o Questão
em seu encalço. Ao se virar para enfrentar seu perseguidor,
o ladrão pode ser analisado. Um homem muito forte, sem
cabelos e de rosto impassível, que não se assusta
com a aparente falta de feições de seu adversário.
Sage, porém, sente-se seguro; ele já derrubara homens
grandes antes.
O Questão ataca, mas em uma velocidade inimaginável
para alguém tão grande o homem se desvencilha do
golpe, acertando a têmpora do herói e fugindo enquanto
este fica desorientado.
Ao se recuperar, Sage procura seu adversário e não
o encontra. O dia amanhece e ele vê o Arqueiro indo embora
em seu carro alugado. Massageando o rosto, ele começa a
descer a rua. Mais tarde, entra em contato com Oráculo.
Alô. Olha, eu perdi o ídolo.
Já sei. Meus contatos dizem que alguém fugiu com
a estátua. Pelo que descobri acho que sei para onde ele
foi. Ainda está disposto a continuar?
Sim, acho que irei até o fim.
Ótimo, vá até o aeroporto e procure um
homem chamado Sid, na Cafeteria. Ele lhe dará as passagens
para a Índia. Depois entro em contato.
Ao desligar, Sage pensa nas dimensões que este caso tomou
e se pergunta por que continua. Mas resolve, antes de qualquer
coisa, ligar para Hub City.
Tot. Sou eu Sage.
Você está bem?
Mais ou menos. Estou com o rosto inchado e o ego em baixa. Olha,
enrole um pouco mais se estiverem me procurando. Eu vou para a
Índia.
Você vai viajar para onde?
Continua.
Veja em Arqueiro Verde # 03 esta
história pelos olhos de Oliver Queen.
:: Notas
do Autor
(*) O Bravo e o Arrojado é uma tradução
de The Brave and the Bold, uma revista tradicional nos
EUA, que originalmente trazia histórias do Batman, sempre
em dupla com outro herói. Em 1986, ela teve uma segunda
edição trazendo uma saga estrelada pelo Arqueiro
Verde e pelo Questão. Na década de 90, uma terceira
versão trouxe o Flash (Barry Allen) e o Lanterna Verde
(Hal Jordan).
(**) Na edição anterior.
(***) Conforme visto na história Chama de Esperança,
publicada pela Editora Abril na revista Batman: Vigilantes de
Gotham 16, em 1998.
(****) Como pôde ser constatado na série do Arqueiro
Verde, também aqui no Hyperfan.

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