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Por
Matheus Pacheco
O
Vencedor Leva Tudo
"Um antigo patrão
meu costumava dizer que pôquer é como a vida e que
tudo o que você precisa é saber o que as pessoas
realmente querem dizer quando dizem alguma coisa. Ou algo assim.
Eu acho."
"Mas eu sei lá. Não acho, não. Pôquer
é bem mais divertido que a vida. Aqui a gente tem de ter
honra se quiser ir adiante. E se alguém te pegar trapaceando,
você tá fodido. Na vida não, dá pra
fazer o que quiser se tiver cara de pau o suficiente."
"Aqui estou eu, uma roda de cinco caras desconhecidos, em
um boteco mais que conhecido. Eu devo jogar aqui no Louie's
há uns dez anos. Sempre tiro uma graninha que dá
pra pagar a vagaba do fim de semana. Sabe, né? Puta não
incomoda muito depois da trepada. Além do mais eu não
sou nenhum don Juan, então fica meio brabo descolar
uma xoxota."
"Estou na mesa com mais quatro amadores e um baixinho que
manja tudo de pôquer. A gente meio que tá dividindo
a grana dos otários. Tá até divertido, mas
o carinha me mete medo e eu nem sei porque. Ah, pro diabo com
o medo, o que vale é que eu tou tirando uma grana legal,
vai dar até pra matar uma pizza amanhã à
noite..."
"Louie continua distribuindo as cartas. Ele faz isso todas
as sextas já há uns vinte anos. Eu acho que o sujeito
precisa de uma disposição do caralho pra ficar só
olhando os caras jogarem e não poder se meter. É
que nem ser câmera de filme pornô, só olhando
e registrando. Como eu sei? Eu já fui os dois: crupiê
e cameraman. Porra, eu acho que já fui de tudo na vida,
até honesto. Sei lá..."
Vamo lá, xará! Tamos esperando você.
Hã? Desculpa, eu tava viajando. Quero... ahnnn...
duas.
Tomaí.
Valeu, Louie...
"O esquema do jogo é você decifrar tudo sobre
os outros e não deixar que eles saibam como você
está. E isso tá longe do tradicional "faço-cara-de-triste-quando-tenho-carta"
dos amadores. É como pescar em mar aberto, você às
vezes tem que dar linha pro peixe cansar. Aqui, às vezes
você tem que dar uma ou duas rodadas pro otário se
empolgar. Além do mais, ele acaba achando que conhece você."
"Isso aqui é jogo pra homem."
Ponho dez mangos.
Eu tou fora.
"O otário ali fez bem em fugir. Tá nítido
que o irlandês ali tem coisa na mão. Azar o dele
que eu tenho mais. Eu acho..."
Eu fico. Teus dez e mais cinquinho, só pra alegrar
a galera.
Pra mim tu tá blefando, xará! Pago pra ver.
Fora.
Fora também, vou mijar.
"Ficamos só nós três. Eu, o baixinho
e o irlandês. Eu sei que o galego tem coisa e com certeza
vem nos meus cinco mangos, mas o nanico não dá mole
pra descobrir, não."
Eu pago pra ver.
"Bingo! Eu tenho um full na mão. Três
valetes e dois reis. Praticamente uma família real."
"Na mesma hora, os dois ficam putões. O irlandês
esmurra a mesa e xinga minha mão de tudo o que é
palavrão. Este baixinho. Sei lá... Quando eu tou
pegando a grana fico olhando pra cara dele e parece que o cara
tá transfigurado, rosnando e rangendo os dentes. Porra,
parece um bicho!"
"A gente continua jogando, comigo e o anão revezando
as mesas. O irlandês vez por outra descola uma por mérito
(sem contar as entregadas) e os outros três vão apanhar
da mulher esta noite."
"É quando o grandalhão com a camisa de lenhador
começa a ganhar e falar alto, a beber demais e ficar confiante
demais. Aí tem truta. Deu pra notar que o meia-bomba também
manjou o magrão e tá de olho nas mãos do
sujeito. Isso vai dar merda."
"Até que..."
Porra, cara! Que merda é esta? De onde tu consegue
três ases se eu tenho uma dupla?
"Bah, amador... Nem quando era moleque eu roubava deste jeito.
Quero só ver no que vai dar. Não tou a fim de me
meter, não. Depois desta semana e dos malucos fantasiados,
tudo o que eu quero é um pouco de calma e tranqülidade.
O lenhador reage."
O que tu quer, baixinho? Vai encarar, é? Tá
achando que eu vou arregar pra um esquilo peludo?
Ah, agora tu vai ver quem é o esquilo peludo, xará!
"Peraí! Que diabos é aquela porra saindo da
mão do cara e indo em direção ao saco do
Rufus? AGH! Uma garra! O filho da puta tem garras! Até
nas horas vagas estas merdas me perseguem!"
É o seguinte, xará. Agora eu quero ver tu
cacarejar que nem uma galinha choca pra aprender a ser um pouquinho
mais humilde.
"Eu olho em volta e vejo o galego bem calmo num canto, quase
rindo. Os outros dois figuras que estavam jogando com a gente
estão escondidos com o Louie atrás do balcão.
Eu? Eu tô preso num canto do salão. Atrás
de mim, a parede. Na minha frente, um chorão tendo os bagos
ameaçados por um cara que parece uma cruza de kiwi com
estilete."
"Merda. Merdamerdamerdamerdamerda. Eu odeio isso. Quando
eu mais acho que tá tudo indo bem, que eu tou na boa, aparece
um bosta destes pra me estragar a noite. Agora eu tô aqui
tremendo, suando e pensando de que jeito que eu saio vivo de perto
deste psicopata."
O lenhador:
Porracaramedesculpaeutavasótentandodescolarumagranapracomprarumpresentepraminhafihaporqueéani
versáriodelaeeuqueriadar...
Calaboca, porra! Toma aqui, são 30 pilas
do que eu e o Cassidy ali ganhamos. Vai comprar uma Barbie pra
tua guria e nunca mais pisa aqui, tá certo?
Tábrigadovocênemfazidéiadoquantoissoéimportantepramimporqueeuamodemaisaminhafilhae...
Vai, porra!
"Cara, eu não acredito que o mané peludo caiu
nesta lorota idiota de presente pra filha. Bom, pelo menos ficou
tudo calmo e eu vou tranqüilo pra casa ago..."
E
você, xará?
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!
"Agora
eu morro. O cara continua com ódio pra caralho. Porra,
fodeu."
Q-q-que
foi, senhor?
Tu joga pra caralho, mas da próxima vez não
vai ganhar tão fácil assim. Falou.
F-f-falou, senhor.
"O peludo
e o irlandês saem. Os outros dois e o Louie dão um
puta suspiro e saem de trás do balcão. O Louie não
pára de dar graças a Deus porque o boteco não
foi destruído desta vez."
Qualé,
Tuc? Não vai levantar desse canto, não? Vamos tomar
uma pra relaxar."
"Mas eu
não consigo. Uma sensação com a qual eu estou
ficando acostumado tomou conta de mim de novo. É... Hoje
eu posso dizer que peido pesa, sim..."
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Notas do Autor
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