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Por
Alexandre Mandarino
Todos os homens esperam pela batalha e, quando ela vem
Faz passar pelas lâminas das espadas seus lugares no além
Colhe em braços sem fé suas mulheres, por lágrimas molhadas
Provando, em seus beijos salgados, a benção de facas afiadas
Da armadura vêem, com olhos de criança, de uma outra idade
Suas imagens túrgidas; seu tamanho, o da própria divindade
Caminham juntos e sem rumo; um novo mar é a sua criação
Encharcando toda a batalha. Sentem-se livres da prisão
Das amarras da vida, acorrentando-se à batalha campal
Caindo de amor pela morte e perdidos em deleite glacial
Em tamanho frenesi, eu assassinei o filho de minha irmã
Minha espada abriu seu rosto e eu gritei em uma vitória vã
Glórias às curas da noite, quando me voltei e vi, sob a lua
A carne de Gwernddolau, o jovem rei que me amara, crua
E a espada de Rhydderch, que todo o seu sangue gotejava
E sua boca enorme celebrando em alegria; eu não imaginava
Que, enraizado e nutrido por meu próprio e afeiçoado coração
Estava o maldito demônio, levando o mundo à destruição. (*)
Diabhol (**)
Sudoeste da Inglaterra, Somerset, perto da fronteira de Dorset, na cidade de Camelot 560 d.C.
Pelos magníficos banhos romanos de Aquaemann, ao norte; pelos 460 nobres assassinados pelos Saxões durante a conferência de paz e que hoje, graças a mim, estão pousados sob a forma de pedras no monumento que mandei erigir em Stonehenge! As paredes da cidade tremem como a pele de uma loba no cio.
As palavras saem como flechas da boca de Merlin, o conselheiro da corte de Camelot. Mago, para alguns; ainda para outros, druida; para outros tantos, filho do demônio.
A figura alta e esguia é ladeada por Sir Din. O cavaleiro olha sobressaltado para o velho:
São os saxões! Os filhos de um cão mercuriano!
Não... desta vez, não.
O ancião, levado pelo carcomido trio de tecelãs que tudo sabe, caminha em sua mente para a terra que a todos é proibida: o passado. Chegando lá, vislumbra a madrugada em que relâmpagos sem chuva e um estranho tipo de neblina luminosa o alertaram da verdade sobre o que viria: o dia em que Camelot cairia e somente as incertezas se levantariam, imbatíveis, de seus destroços.
Desde aquele dia, sempre soube o que estava reservado a si: inércia e paralisia, Prometeu canhoto jogado ao limbo. E a Arthur, dissipação, levado pelas fadas de Avalon para o território dos mitos. Camelot se tornaria uma mera ruína, que em séculos vindouros atenderia pelo humilde nome de castelo Cadbury, naquela mesma terra de Somerset. Humildade e orgulho não caminham lado a lado, como bem sabem os pictos?
Pois bem, desde aquela noite tingida de branco, Merlin soube que não seriam os saxões que desfechariam o golpe final com a lança que destroçaria os rins de Camelot; tampouco os idos e hoje amigáveis romanos; e menos ainda a estranha religião de um filho dos céus trazida por eles, que seu rei e Guinevere abraçaram tão ardentemente. Não, o maelstrom seria presente dela.
Confirmando a profecia de dez anos antes, Merlin coloca a cabeça em uma janela do pavilhão de Camelot e observa um furioso festim de violência. Setas negras sobem aos céus, vazando os olhos das torres da orgulhosa Camelot. Uma orgia de seres negros ele sabia que não eram, não poderiam ser demônios dançam e uivam na clareira de Cadbury, tecendo homenagens escuras à sua rainha. Morgana Le Fay, ao centro de tudo, observa o espetáculo de grotescos, paralisada e muda, como uma estátua de Epona. Altiva, sexual, eqüina, a anti-rainha mantém seu prazer pela destruição escravizado sob as suas feições.
Merlin sabe que é o fim. Os melhores cavaleiros há muito estão idos. O rei está velho e cansado, traído por sua rainha, seus amigos, sua terra e pela própria magia de Merlin. Só resta a Camelot ser abatida como um javali, um animal orgulhoso da Cornualha.
Mas o filho do demônio adora mostrar suas últimas façanhas, mesmo quando sabe que não irão surtir efeito. A certeza da derrota dá a Merlin uma potente felicidade, como o ator que sobe ao cadafalso, cospe e gargalha antes de pisar no abismo. O conselheiro de Camelot ensaiou seu ato final por anos e agora é a sua grande chance.
Na cidadela no interior das muralhas fortificadas de Camelot, os camponeses e aldeões bretões gritam e correm em pânico. Mailoc, o ferreiro, muge em prantos, anunciando a todos que as muralhas logo irão cair. Owain coloca Addiena e a pequena Siân sobre seu único cavalo. Dá um tapa com toda a força no lombo do velho animal e ele sai em disparada, juntando-se à multidão de animais bípedes e quadrúpedes que se espreme por uma das fugas de Camelot.
Que Epona guie teus passos, animal. murmura Owain de Camelot ao ver sua mulher e sua filha dependerem das quatro patas da criatura marrom que havia encontrado à beira de um lago, na fronteira de Devon. Logo, os dois seres que são o seu sentido, por quem trabalhou durante toda a sua breve vida no comércio e nos burgos vizinhos, somem de vista.
Em uma das torres, Merlin levanta os braços e olha para o céu. Está sozinho; os cavaleiros e o próprio rei batalham seu sangue na clareira. Mas a grotesqueria conjurada por Le Fay é forte. Eles não têm chance. E, afinal, não sabe o velho que aquele é o final? Ainda assim, ele mantem seu papel. Com excitada antecipação, murmura ao vento as palavras que durante anos e anos sabia que proferiria, mesmo certo de que delas não extrairá sucesso. Usando a língua de Cuchulainn e dos antigos conquistadores, ele balbucia; verdadeiro híbrido de pároco e druida:
"Zeugma Jugum yoke
Abi in malam rem
Elleborum hell eborum
Salus castrum diabhol"
Os aldeões tremem com a chegada de uma espessa nuvem negra. Cavalos empinam e relincham. Um barulho terrível ecoa por toda Camelot; Cristo, Apolo e Epona estão distantes agora. Apenas Mercúrio permanece, olhando à distância. O destino de mais de um será selado hoje. Na clareira, seres negros de outras eras mastigam os joelhos dos cavaleiros caídos. Arthur mal pode ser visto em meio à barbárie. Le Fay, sob a sombra de uma árvore, olha hipnotizada, contemplando sua criação. O interior da cidadela também é testemunha de eventos escuros. Os poucos sobreviventes de Camelot todos aldeões falarão por décadas e décadas sobre como Merlin usou o indizível, pintura do limbo, para defender as muralhas. Na batalha entre o caído e os condenados, não há vencedor. Só uma vencedora. As fundações de Camelot começam a rachar, tremer e gemer como um rebento bastardo. Merlin sabe que é tarde. O último ato.
Do lado de fora, os aldeões escutam ruídos terríveis, como se a trombeta de Odin tocasse ao contrário. Ao som ensurdecedor se juntam os gritos de soldados e criaturas mortas. A coisa conjurada por Merlin faz várias vítimas, se espraiando pelo campo de batalha. O mago sabe que fez o que tinha que ser feito. Mas a estranha situação que conjurou não é capaz de, sozinha, impedir o descerramento do que já está escrito. Filhos de harpias e gárgulas já abraçam o velho feiticeiro; o druida-demônio cairá hoje, junto com a cidade que o adotou. Antevendo sua eternidade como prisioneiro, só resta a Merlin um último encanto. O mago não pode deixar aquilo vagar a esmo pela terra. Antes de ser levado pelas harpias, só tem tempo de conjurar um último feitiço. Recita-o com magia, mas sem encanto: a pressa tornando seu último ato patético e pouco meritório. O que Merlin havia conjurado, para não atormentar as terras, ficará também prisioneiro, no interior do corpo do humano mais próximo e adequado.
Mal acaba de selar o triste destino de um aldeão e toda a ira de quem? abate-se sobre o cenário: Merlin é levado prisioneiro. Camelot cai, o estrondo de suas muralhas esfarelantes ecoando pelos séculos. Sob a árvore, Morgana finalmente esboça um sorriso, mais ensurdecedor que todas as gargalhadas da história. E, no interior da cidadela, enquanto seus amigos são esmagados pelas rochas e destroços, Owain de Camelot se transmuta.
Em menos de um segundo, doze notas musicais diferentes tocam ao mesmo tempo; uma eternidade de dissonância, resumida por piedade divina, de forma a caber no crânio de um aldeão. Visões rápidas Mercúrio não está ali, afinal? E este? É Odin? de abismos e ciclos infindáveis, negros como um chá do Hades, o veneno de uma serpente de Hel, a imensa roda que sobe e desce e sobe e desce e tece, tudo isso no interior da pobre cabeça de Owain, em um segundo. Nossas cabeças são universos e tudo cabe nelas. Feliz e infelizmente. Para Owain, a morte terrível de seus amigos, a queda de sua cidade natal, a lembrança de sua esposa e filha perdidas no vento, as visões abismais e os terríveis sons os sons! compõem uma masmorra de labirintos, repleta de torturas, gemidos e matizes. Finalmente, a escuridão. O corpo de Owain tomba ao chão, ao lado de poças de sangue e intestinos espalhados.
Três dias se passam, tempo bastante para a verdade virar lenda e as lendas que aconteceram de verdade serem esquecidas. Uma luz brilhante afeta os olhos de Owain. É Addiena, Addiena dos cabelos marrons escuros como o carvalho velho. Sua mulher abre a porta da choça e a claridade do ar primaveril o cega. Incômodo?
Oh, Owain. Owain. O senhor acordou. Tudo se perdeu.
Owain tenta se sentar e gagueja:
E Siân? Ela...
Ela caiu do cavalo. Está bem, descansando na choça de Anwir. A mulher dele está cuidando de nossa filha. Ela apenas machucou os braços na queda.
Mas ao menos vocês escaparam, graças a Deus! ao terminar a frase, Owain sente uma dor aguda no peito, um eco vem à sua cabeça. Uma risada? Atordoado, ele olha para Addiena e, sem se controlar, cai e volta a dormir.
No dia seguinte, Owain torna a acordar. Está em outra cama, outra cabana, que não reconhece. O cheiro de carne refogada o anima. Senta-se na cama e reconhece a figura à sua frente. É Padrig, o Louco. A cabana de Padrig fica no fim do vilarejo, na parte externa das muralhas, agora tombadas, de Camelot. Coçando sua barba branca, o velho diz:
Nada mais é. Camelot, como eu já sabia, não mais é. Uma aldeia não pode sobreviver sem sua cidade, sem seu rei. Nós não mais somos.
Owain olha para o velho, a repulsa e o medo crescendo. O ancião continua:
E você, meu filho. Owain. Porque só tem um nome é chamado de Owain Derwydd. Owain de Camelot. Você é quem mais se lembrará disso, você verá.
Owain abre a boca para falar, mas é interrompido.
Não, não. É a vez de Padrig falar. Padrig sou eu, sabe? Eu sei muitas coisas, porque Padrig sabe muitas coisas. Você já foi a Aquaemann? Não? Os romanos lhe deram este nome, mas em séculos que virão a cidade será conhecida pelo que ela possui. Aliás, isso acontece com todas as cidades. Como Camelot não possui mais nada e nunca mais possuirá nada, Camelot será, não esquecida, mas pervertida, truncada, retorcida. Camelot não será mais conhecida; uma outra Camelot tomará o seu lugar na cabeça das pessoas. E, meu filho, você mais do que ninguém deveria saber sobre coisas que tomam a cabeça das pessoas.
Padrig faz uma pausa e olha Owain com atenção.
Mas você não sabe ainda. Bem, não saberá pela minha boca.
Owain interrompe:
O que eu não sei?
Não, não. Não me faça esquecer do que estou falando. Aquaemann. Vamos voltar a ela. Já esteve na cidade?
Não. Em vinte e nove anos de vida, nunca saí de Camelot. Já visitei as vilas e burgos vizinhos, vendendo mercadorias, mas nunca vi outras cidades grandes como Camelot.
Padrig observa Owain e um estranho sorriso se forma em sua boca.
Sim, sim. Escute com atenção. Bladud, filho de Lud Hudibras, rei dos bretões, foi tomado pela lepra. A doença faz cair seus pedaços, como se o vento fossem águias e todo seu corpo fosse o fígado de Prometeu. Como se o éter fosse o veneno de uma serpente e seu corpo fosse os olhos de Epona. O medo da lepra era tamanho e Bladud foi expulso da corte de seu pai. Disfarçou-se como um pedinte e passou a viver como criador de porcos.
"Porcos." manifestou um hálito ardente no cérebro de Owain.
Mas logo os animais também se infectaram com a doença. Porcos leprosos, nem mesmo os saxões iriam querer comê-los, eh, eh, eh, tampouco deliciá-los pelo cu, como seus reis fazem com os cavalos. Mas, sim, Bladud. Um dia, ele ficou maravilhado: um dos leitões estava curado. Nenhuma marca, nenhuma chaga, nenhuma ferida. Somente porco, nada mais. O príncipe dos pobres percebeu que o animal costumava se banhar em determinada poça. Foi até ela e percebeu, para surpresa sua e da própria Llyr, que as águas eram mornas. Banhou-se nelas e também ficou curado.
Padrig fica em silêncio.
Continue a história. diz Owain.
Que história? Este é o fim da história, entende? Os romanos perceberam mais tarde o poder das águas e fundaram ali a cidade de Aquaemann, famosa por seus banhos. Tudo tem sua cura, Owain Derwydd. Mas você entenderá depois o que quero dizer.
Padrig se levanta, vai até a mesa e volta com uma caneca, que oferece a Owain. Este prova da bebericagem e sente um estranho gosto de figos, misturado com ervas amargas.
Os Dançarinos de Stanton Drew. Anos atrás, o solstício de verão, 31 de outubro, caiu em um sábado.
"Mmmmm." o hálito gélido novamente despedaça a mente de Owain.
Foi organizado um festejo e danças infindáveis celebravam a feliz ocasião. O dia deu lugar à noite e a noite deu lugar à meia-noite que, como você descobrirá, não é noite nem dia. Como acontece com todos nestes estranhos tempos em que vivemos, os músicos também tinham crenças divididas: ao mesmo tempo em que cantavam, como se abençoados pelo próprio Maelgwynn, tinham medo de continuar a tocar após a meia-noite. "Temos que parar, pois já é o Dia do Senhor", eles diziam.
Owain sente algo dentro de sua cabeça sorrir.
Mas a noiva não quis parar de dançar. Ela disse que seria capaz de ir até o inferno em busca de um músico. O algo na cabeça de Owain agora gargalha.
Neste exato momento, surgiu um músico, vestido de forma alegre. Ele começou a tocar. E tocou até o raiar do dia e além, quando sol das nove horas já os observava no céu. Pediram que o músico parasse, mas ele não o fez. Continuou tocando. A melodia atravessou o meio-dia, a tarde e a segunda noite. Todos continuaram dançando. Na manhã do segundo dia, outras pessoas resolveram sair em busca dos participantes da festa. Mas não os encontraram. No lugar deles, acharam apenas um círculo de pedras, cada uma das rochas no local exato onde estavam os dançarinos. O círculo de pedras de Stanton Drew.
Owain fecha os olhos e uma estranha melodia preenche seus ouvidos. Ele adormece novamente, mas no meio da noite acorda, sonolento, para que Padrig lhe faça beber mais um pouco de seus chás curativos. Na manhã seguinte ele já está em sua cabana. Addiena o observa. Ele se levanta, sentindo-se curado, e beija sua mulher.
Correm três meses mais. Os sobreviventes de Camelot agora pensam em se mudar para o abrigo de alguma outra cidade. Os preparativos para a viagem estão sendo feitos, enquanto as crianças brincam inocentemente entre os imensos blocos de rocha e poeira que um dia haviam sido o imponente castelo de Arthur. O início da viagem está marcado para a semana seguinte. Mas algo acima, ou abaixo, não quer que este seja o destino de Owain.
O riso em sua cabeça toma mais força. O taberneiro, Ilar, jura durante anos que ouve algo rindo quando se aproxima de Owain. Certa noite, um faminto Owain, que sempre temeu a Mercúrio, Epona e ao Deus bondoso trazido pelos romanos; que sempre afirmou que o filho de Deus era o seu druida, este mesmo Owain levanta-se da cadeira e esbofeteia Addiena. Na manhã seguinte, Owain acorrenta a pequena Siân, de quatro anos de idade, mantendo-a presa por quatro horas. Enquanto a menina chora ao longe, toma o amor de Addiena à força, obrigando-a a oferecer o lado anterior de seu corpo. As mãos de Addiena arranham a mesa da choça e estes arranhões estranhamente parecem letras.
Os dias se passam e Addiena cada vez mais reza pela partida do grupo. A jovem de cabelos negros como o carvalho velho julga que a culpa da mudança em Owain é Camelot e que, quanto mais longe estejam das ruínas, mais Owain voltará a ser o homem calmo, amoroso e pacífico de antes. Mas ainda restam três dias para a partida. Três dias suficientes para que os vizinhos e, finalmente, toda a aldeia, percebam os olhos roxos e úmidos de Addiena; os arranhões no braço esquerdo e nas pernas da moça; a queimadura no joelho direito de Siân; os gritos de horror e as gargalhadas infernais pela madrugada.
Owain anda pela aldeia como um sonâmbulo. Espanca seu amigo Ithel, o pastor, quando este pergunta se está tudo bem com ele. Finalmente, Iolo, o criador de porcos, irrita-se com Owain e dá-lhe um soco no rosto. Owain nada faz, salvo gargalhar na lama em que permanece caído. E ele nunca vem a saber quando Iolo morre logo após a partida do grupo, ao dar um passo em falso e cair em um abismo.
Addiena acorda no último dia, o dia da aguardada viagem, e, sem fazer ruído, levanta-se da cama. Owain dorme, afogado em vinho vagabundo e carne de porco. Havia feito amor oito vezes com Addiena naquela noite e todo o corpo da moça arde ou dói. Em meia hora, ela junta as poucas roupas e panelas que possui, coloca Siân em seu colo e olha para a estrada a sua frente, lágrimas rolando como o Aqueronte pelo seu rosto. Um primeiro passo dá origem à caminhada e, depois disso, as duas nunca mais são vistas.
Owain acorda, bêbado, desperto pelo fedor de algo queimando. Sua cabana está em chamas. Do lado de fora, seus amigos, vizinhos e até mesmo Gwil, o irmão do taberneiro, com quem nadava e pescava quando eram crianças, todos vociferam e bradam pela morte de Owain. A velha Disgleirio gargalha histericamente, brandindo uma tocha, e grita:
Addiena e Siân não estão em lugar algum. No mínimo, o que se apossou desse porco as matou e enterrou na fossa atrás da choça. Queimem o bastardo!
A turba derruba a porta da cabana já em chamas e alguns deles entram em busca de Owain. O que encontram é o mais puro material utilizado pelos bardos e cantores: Owain, em meio ao fogo, gargalha e cospe sangue. Um jorro de sangue atinge Gwil no peito e ele sai da cabana, enojado. Todos começam a correr, com exceção de dois, que avançam na direção de Owain. Neste momento, o teto da cabana cai sobre o trio. No minuto seguinte, Owain se arrasta para fora, pelo lado traseiro do que havia sido a cabana. Ele se pergunta se matou mesmo Addiena e Siân, a pequena Siân, dos cabelos negros como um ramo de carvalho. Neste momento, uma mão se estende e puxa Owain pelo braço. É Padrig, que diz:
Sim, sim. Corra. Estão todos atrapalhados pelo fogo. Corra até a minha cabana e esconda-se lá.
Assim faz Owain. Minutos depois, Padrig se junta a ele na cabana.
Você não pode ficar aqui ou me matarão também. Seu... seu cabelo. Está mais escuro. O que já era negro parece ter dado lugar a uma imensidão de breu, quase azulada. Posso mesmo ver brilhos azuis, como a tinta de guerra extraída da woad.
Owain passa a mão pela lateral de sua cabeça. Seus cabelos estão negro-azulados, aqueles cabelos antes da cor do breu. Ele gargalha, lacrimejando, e desfere um soco em Padrig. Gargalhando sem parar, Owain diz:
Maldito seja eu! Maldito seja você, Padrig! Maldita seja Camelot!! É isso o que é a humanidade? Mera companhia na viagem até o inferno?
E gargalha ainda mais. Depois, corre até a entrada da cabana e sobe no cavalo de Padrig. Norte. Direção norte. Ou seria melhor sul? Não importa. Ele poderia ir para os lados, mas sabia que, no fim de tudo, é para baixo que acabará partindo. Enquanto Owain atiça o cavalo para iniciar a correria, Padrig, com a mão no queixo dolorido e os olhos arregalados, vai até a frente da cabana. Vê Owain, à distância, partindo. Só tem tempo de gritar:
Owain Derwydd? Ah! e escarra no chão. Owain de Camelot? Continuará a se chamar assim? Camelot não existe mais e nem você é mais Owain!
Owain pára o cavalo e, sem se voltar, escuta.
Do destino!!! É a ele que você pertence! Owain bastardo filho de anglos!!!! Owain do Norte! Filho de uma puta engravidada pelo acaso dos saxões! Owain Wyrd!
Um golpe com o calcanhar e o cavalo, negro, se atira para a imensidão. Sim, Owain Wyrd. Deixe o cavalo decidir seu destino.
:: Notas do Autor
(*) Estes são os dois primeiros versos do poema "Uma Maciera e Um Porco", datado do século VI. É de autoria de Myrddin, que muitas vezes é identificado como a inspiração para o Merlin das lendas arturianas. Myrddin foi um poeta e guerreiro que viveu na região hoje conhecida como Cumberland, no século VI. Por volta de 575, Rhydderch Hen derrotou outro rei bretão, Gwernddolau, na batalha de Arfderydd (provavelmente em Arthuret, perto de Carlisle). Myrddin combateu ao lado de Gwernddolau, mas sua irmã era casada com Rhydderch Hen. A lenda que cresceu em torno de seu nome nos diz que Myrddin enlouqueceu durante a batalha e depois passou a morar em uma misteriosa floresta na Escócia, chamada Coed Calydon (o nome ainda vive através da palavra Caledônia). Ali, ele viveu sozinho e, graças à sua loucura, adquiriu o dom da profecia. O poema original, em inglês, foi traduzido do celta e você pode acessá-lo clicando aqui.
(**) "Diabhol", a palavra do idioma celta que dá o título desta história, significa "diabo".
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