|
Por
Eduardo Sales Filho
Gritos
da Noite
Parte I - Sangue e Teias
Porto de Nova
Iorque - 1h45
"O que diabos eu tou fazendo aqui?", pensa o Aranha
enquanto muda de posição e estica um pouco as pernas.
O vento frio da madrugada lhe faz doer os ossos. Tudo que ele
queria era estar em casa, numa cama quentinha ao lado da sua esposa.
Mas o Aranha não pode voltar. Não ainda. Primeiro,
ele precisa achar Morbius, o vampiro que o enganou. Ao acreditar
que ele não atacaria mais humanos, o Homem-Aranha concordou
em deixá-lo livre, vivendo nos becos e esgotos da cidade
enquanto Peter Parker buscava por uma cura para sua doença
vampiresca. No entanto, algo deu errado. Pessoas foram encontradas
mortas em diversas partes da cidade. Todas pareciam ter sido vítimas
de vampiros, pois apresentavam lesões no pescoço
e não tinham uma gota de sangue em seus corpos. Agora o
Aranha quer pegar Morbius de qualquer jeito e entregá-lo
às autoridades. Afinal ele é responsabilidade sua
e com grandes poderes...
Graças a um dos informantes do Clarim, ele conseguiu seguir
estas pistas até o porto. Segundo o informante, um ser
soturno e de aparência animalesca fora visto comendo ratos
por ali. Em uma cidade repleta de superseres e monstros como a
Big Apple, esse era um tiro no escuro. Mas algo o impelia
a seguir esta pista, uma quase certeza de que ia encontrar o que
estava procurando.
Por trás de um velho e enferrujado container, um mendigo
caminha com dificuldade em direção às latas
de lixo. Pelo cheiro, hoje deve ter sido um bom dia para os pescadores.
O velho começa a revirar as latas com uma vara, na busca
por algo que possa ser comido. Alguns pássaros levantam
vôo embaixo do cais. O barulho de suas asas distrai o herói
por um momento.
De repente, uma figura assustadora salta de um dos latões
de lixo em direção ao velho mendigo. Um grito de
fúria faz o pobre infeliz literalmente se urinar de medo.
O Homem-Aranha reconhece o grito e a figura. "Morbius, não
vou deixá-lo fazer outra vítima", jura para
si mesmo.
Usando os containers como plataforma, o herói aracnídeo
projeta seu corpo numa sucessão de saltos mortais, cada
vez mais rápidos e mais próximos do vampiro. Em
sua última manobra dispara, ainda no ar, seu lança-teias
e puxa o mendigo em sua direção, acomodando-o gentilmente
no chão. "Putz...o que esse cara bebeu?", pensa,
enquanto um insuportável odor de cachaça e urina
invade suas narinas.
Deixando o velho para trás e ainda se lamentando pelo mau
cheiro que ficou em seu uniforme, o Aranha se lança em
direção à Morbius.
O quê? O que é isso? grita Morbius.
Eu confiei em você, Draculinha, agora vim consertar
meu erro.
Com um salto em parafuso o Aranha atinge Morbius com força,
atirando o vampiro de volta aos latões de lixo.
Puá...eu sei que você tem gostos estranhos,
mas esse seu perfume é de matar!
Não me venha com gracinhas, Aranha! diz Morbius,
irado. Achei que nós tínhamos um acordo.
Morbius pula com suas garras voltadas para o peito de seu oponente,
que se desvia num movimento pouco provável para um ser
humano comum. Mesmo assim, Peter não consegue evitar que
seu uniforme seja rasgado.
A gente tinha um acordo, sim, dentuço, até
você resolver sair por aí matando gente.
Enquanto fala, o Aranha usa seus lança-teias para tentar
capturar Morbius, que usa parte da madeira do cais como escudo
improvisado, num movimento rápido.
Não sei do que está falando! Só sei
que você me atacou e vai pagar por isso!
Com um movimento praticamente impossível de acompanhar,
Morbius se projeta na direção do Aranha com inacreditável
rapidez. Peter consegue se desviar das garras, mas não
escapa de dois socos seguidos no estômago e de um chute
em suas costas na altura dos pulmões.
Com seu sentido de aranha tocando mais alto que um show do KISS,
sua reação é instintiva: ele dispara suas
teias nas pernas de Morbius e, com um puxão, leva o Vampiro
ao solo. Rapidamente, o herói descarrega dois cartuchos
de teia em seu oponente, criando um casulo. Morbius está
derrotado.
Meia hora depois, uma dupla de policiais se depara com Morbius
embrulhado para presente em frente à sua viatura.
Do alto de um prédio, o Aranha sorri satisfeito. Missão
cumprida.
Forest Hills - 10h32
Mary Jane observa o marido dormir a seu lado, depois de passar
o dia e a noite anteriores pensando em como contar a ele que está
grávida. "Como ele vai reagir?", pensa a ruiva.
"Como pensar em filhos com essa vida maluca que a gente leva?
Como explicar para uma criança que o pai dela passa as
noites vestido num pijama vermelho pulando de prédio em
prédio?"
Sabia que você fica ainda mais linda com essa carinha
preocupada? diz Peter, enquanto lentamente se espreguiça
na cama.
Hmm...bem, senhor Parker, você realmente sabe como
começar o dia.
Você ainda não viu nada...
Ele levanta-se e abraça sua esposa, deitando-a na cama
e beijando-a delicadamente. Uma hora depois, o jovem e agora suado
casal conversa sobre temas banais.
...aí eu lancei minhas teias e puxei o mendi...
Peter, estou grávida.
...go pro meu lad...O quê? Você o quê?
Eu estou grávida. Desculpa, sei que esse não
é o momento certo, a gente não tem estabilidade,
eu voltei pra faculdade, um bebê dá muito trabalho
e o custo é muit...
A ruiva é interrompida pelo marido.
Mary Jane, cala a boca e me beija.
Na cozinha, May Parker ouve os gritos entusiasmados de Peter no
andar acima: Eu vou ser pai! Eu vou ser pai! Tia
May tem um sorriso nos lábios. Ela adora crianças.
Interlúdio
Soho - 12h37
Pai? Mãe? Cheguei da escola. Onde estão vocês?
Sally Green começa a procurar em todos os cômodos,
sem sucesso, até ouvir vozes vindo do escritório
do seu pai. Ao abrir a porta, a jovem é surpreendida pelo
que vê.
Pai? O que está acontecendo? Quem é esse
homem caído no chão? Ele tá sangrando...E
por que sua boca está toda vermelha...? Ah, não!
Você não deveria ter visto isto, Sally. Não
agora, que falta tão pouco. Jay! Pegue-a!
Sally corre em direção ao seu quarto, entra esbaforida
e tranca a porta. Pega seu caderno e começa a escrever
algo quando, de repente, a porta é arrombada. Um brutamontes
parte em sua direção. Ela agarra um bastão
de beisebol e atinge o nariz do atacante com toda força.
O sangue espirra no chão e nas paredes. Infelizmente para
Sally, o capanga de seu pai se recupera rápido demais.
Ela é levada gritando e esperneando.
Em seu quarto, fica apenas a bagunça resultante da luta
e um pedaço de papel próximo à janela:
"Socorro, Aranha! Meu pai é um vampi..."
Fim do interlúdio
Clarim
Diário - 18h13
Peter Parker entra sorridente na redação do Clarim
Diário. A notícia que recebera mais cedo o deixou
levitando de alegria. Ele vai ser pai. O menino órfão
vai poder fazer por seu filho aquilo que seu pais não tiveram
chance de fazer por ele.
Ele segue em direção ao amigo Robbie Robertson
quando J.J. Jameson abre a porta do seu escritório e brada,
enfurecido:
Duas outras pessoas morreram nesta tarde com as mesmas
características das outras e nós não temos
nada sobre isso? Onde vocês pensam que estão?
Numa escola? Eu quero notícias, boatos...qualquer coisa!
Pago um bônus pra quem provar que o Aranha está por
trás disto tudo!
A redação fica em polvorosa. Pessoas correm em direção
aos elevadores e escadas. Jameson quer alguma coisa e todos vão
procurar. Peter Parker fica prostrado em meio ao tumulto. "Não
pode ser, eu prendi o Morbius... Só se... Deus, ele não
mentiu! Morbius não matou aquelas pessoas!"
Peter deixa o prédio do Clarim decidido a pedir desculpas
a Morbius pelo mal-entendido e a achar os verdadeiros culpados.
Soho - 19h52
O Homem-Aranha
se balança pelos prédios enquanto pensa sobre os
últimos acontecimentos. Agora, mais do que nunca, ele precisa
achar os culpados por aquelas mortes. Ele foi muito ingênuo
em atacar Morbius sem ter provas. Foi muito burro por não
ter ouvindo o vampiro quando esse disse ser inocente. Foi muito
arrogante por achar que sabia todas as respostas. E um inocente
pagou por isso.
Embora seu sentido de aranha não o avise de nenhum perigo,
Peter nota um vulto caminhando, imerso em sombras, no topo do
prédio da sua nova amiga e fã Sally Green. Ele mergulha
em direção ao suspeito pronto para pegá-lo
de surpresa quando um bastão branco é atirado em
sua direção. Peter desvia-se rapidamente e sorri
ao reconhecer seu 'oponente'.
Oi,
Aranha. O que o traz aqui?
Matt?!
Que bom te ver, cara. Achei que fosse mais um bandidinho qualquer.
Eu que pergunto, o que você está fazendo tão
longe da Cozinha do Inferno?
Procurando um seqüestrador diz o Demolidor,
enquanto recolhe seu bastão.
Aqui? Cê tá brincando, cara? Uma amiga minha
mora aqui!
Eu sei, ela também foi seqüestrada.
:: Notas do Autor
|
 |