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Por
Eduardo Sales Filho
Aniversário
de Casamento
Broadway 21h45
Sou forçado a admitir, MJ, ter vindo assistir Cats*
pela trocentésima vez foi uma boa maneira de comemorar
nosso aniversário de casamento.
Isso foi só o aquecimento, gatão. Espera só
pra ver o que vou fazer com você mais tarde.
Devo considerar isto como uma ameaça, Srª. Parker?
Só se você tiver medo de mulher, Sr. Parker.
Ouch! Isso foi golpe baixo.
Você me provocou. Poxa, eu tento bolar algo legal pra
comemorar nossos três anos de casados e você fica
fazendo piadinhas!
Desculpa, mas eu não consigo ficar sério muito
tempo, você sabe.
Sei, sim, e isso me preocupa.
Como assim?
Peter, eu estou grávida! Você tem noção
da responsabilidade que é ter um filho neste mundo de hoje?
Ainda mais se o pai é um cara que veste pijama azul e vermelho
e sai todas as noites para combater criminosos!
Eu... eu já pensei sobre isso. Sobre o nosso filho e
o Aranha.
É tudo em que eu tenho pensado nos últimos tempos.
suspira Mary Jane.
Você quer que eu deixe de ser o Aranha?
Eu não sei! Mas sei que não quero ficar viúva
de uma hora pra outra tendo um filho pra criar.
Isso tudo é complicado demais, sabe? Sei lá, desde
que ganhei esses poderes eu tenho levado a minha vida tentando
fazer o certo. 'Grandes poderes trazem...'
'... trazem grandes responsabilidades.' Eu sei. Mas e a responsabilidade
para com sua família?
A única vez que eu não segui essa regra foi exatamente
quando perdi alguém da minha família, o tio Ben.
Eu sei. Desculpa. Eu só tou confusa. Fico com medo de
acordar uma noite e não te encontrar ao meu lado. Tenho
medo de perder o homem que amo, o pai do meu filho, nas mãos
de um bandidinho qualquer.
Isso não vai acontecer, sempre vou estar aqui pra você,
MJ. Sempre. os dois se abraçam e se beijam. Subitamente,
Parker sente sua esposa desfalecer em seus braços. Mary
Jane? Você tá me ouvindo? Tá sentindo alguma
coisa? Meu Deus, ela tá perdendo sangue! Socorro! Alguém
chame uma ambulância! Minha mulher está passando
mal! Por favor, alguém me ajude! Peter a carrega no colo
enquanto clama por ajuda. Ele chora. Mary Jane? Fala comigo,
gatona! Não me deixa assim, por favor...
Interlúdio
Times Square 22h11
Um casal de turistas passeia pela rua mais famosa da cidade, alheio
aos olhares que se voltam para eles. Quando passam em frente a
um beco, são puxados para dentro por cinco homens. Os marginais
estão armados com navalhas e facas de cozinha. Não
são bandidos comuns, mas viciados que precisam de dinheiro
para comprar uma nova dose.
Passa grana aí, tio! Anda logo com isso! diz o que
aparenta ser o líder.
Por favor. Falem devagar. Eu sou brasileiro. Não entendo
muito bem inglês. o turista coloca seu corpo em frente
ao de sua acompanhante, tentando protegê-la. A tentativa
é infeliz, uma vez que ele é muito menor que ela.
Saca só, Ota. O cara num é daqui! Vamu mostrá
pra ele como nóis recebe us turista aqui.
um segundo assaltante posiciona-se do lado direito.
É iss'aí, Josh. É ferro na buneca! grita
um terceiro, avançando para o assustado casal.
Parem onde estão, malfeitores! brada uma voz, que mais
lembra um trovão.
Do alto das escadas de incêndio um enorme corpanzil cobria
a fraca luz da lua. O homem salta entre os meliantes com um sorriso
nos lábios. Com seu braço direito ele desarma os
dois primeiros atacantes jogando-os longe. O líder do grupo
avança, mas é incapacitado por um chute nas partes
baixas. O misterioso herói o agarra pela camisa e fala.
Sua voz soturna mais parece um rufar de tambores anunciando o
fim do mundo:
Esta noite isto não é um beco. É uma mesa
de operação, e eu sou o cirurgião. diz
o vigilante, enquanto soca seu oponente até deixá-lo
inconsciente. Os outros marginais fogem assustados.
Muito obrigado, senhor...? antecipou-se o minúsculo
turista brasileiro.
Morsa. Pode me chamar de Morsa. Sou o mais novo herói
de Nova Iorque. Vocês não são daqui, não
é? diz, ostentando um largo sorriso. Todo o ar ameaçador
de segundos atrás havia desaparecido.
Somos brasileiros, na verdade.
Muito bem, cidadãos, o dever me chama. O Morsa tem uma
cidade para proteger! ele prepara-se para voltar à escada
de incêndio quando é interpelado pelo turista.
Hã, com licença, seu Morsa?
Sim?
Aquela frase que o senhor usou com os bandidos. Sobre mesa de
operações e afins...?
O que tem ela?
Ela não me é estranha. Creio já tê-la
ouvido em algum lugar**.
Sabe, eu também tive essa impressão quando falei,
mas deve ter sido só impressão. Afinal, quem, além
de mim, seria tão inteligente para bolar uma frase genial
daquelas? o herói sobe as escadas e desaparece no topo
do prédio. O turista brasileiro passa as mãos em
seus parcos cabelos e pensa: "Miller, Frank Miller".
Fim do Interlúdio
Memorial Hospital 23h15
Na última hora, Peter Parker deu 783 voltas na sala de
espera do Memorial Hospital. Sua esposa, Mary Jane, está
no meio de uma cirurgia. Ela chegou ao hospital inconsciente e
perdendo muito sangue. Os médicos foram incapazes de estancar
a hemorragia e decidiram por um procedimento cirúrgico
muito delicado. Milhares de idéias passam pela cabeça
de Parker enquanto aguarda que a operação chegue
ao fim. Ele se arrepende de não ter passado mais tempo
com a esposa. Pensa que tudo pode ser obra de algum dos vilões
do Aranha, que decidiu se vingar do herói através
da mulher que ama. Peter gostaria de poder socar alguém,
alguma coisa, para fazer a dor passar, mas sabe que não
adiantaria nada. Sua esposa está correndo risco de vida
e ele não pode fazer nada quanto a isso.
Sr. Parker?
Doutor? Graças a Deus o senhor apareceu. Como está
Mary Jane?
A cirurgia foi um sucesso, conseguimos estancar o sangramento,
mas não podemos impedir que ele torne a acontecer.
Como assim? E o bebê? Ele está bem?
A gravidez da Srª. Parker é um tanto quanto anormal.
O bebê está muito bem, mas sua esposa, não.
Droga, doutor! Fala logo de uma vez! desespera-se Parker.
O corpo de Mary Jane está rejeitando o feto. Nós
não sabemos ao certo o porquê, mas temos uma teoria.
Suspeitamos que alguma mutação deve ter ocorrido
no processo embrionário e tornou sua esposa e seu filho
incompatíveis um com o outro. Neste exato momento o sistema
imunológico da Srª. Parker está tentando expulsar
o bebê do seu corpo, como se ele fosse uma infecção.
Lamento informar isso, mas dificilmente eles vão sobreviver.
A seguir: A morte de Mary Jane?
:: Notas
do Autor
* Famoso musical da Broadway, em cartaz há mais de 20 anos.
** O turista brasileiro careca e baixinho está certo. Está
frase é de Cavaleiro das Trevas, a obra definitiva de Frank
Miller com o Batman. Obviamente você sabe disso, não
é?!!
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