|
Por
Eduardo Sales Filho
Conto
de Natal
Peter Parker está
irritado. É véspera de Natal e J.J. Jameson o segurou
no Clarim Diário até às três da tarde.
O problema não é o trabalho, mas sim o fato de que
ele ainda não comprou o presente de sua esposa, Mary Jane.
Saindo apressado do prédio, Parker esbarra em uma criança
maltrapilha, um menino de rua pedindo esmolas na tarde fria de
dezembro.
Desculpa, moço. diz a criança, de
aproximadamente dez anos.
Que porra! esbraveja Parker Não olha
por onde anda, não? Eu já estou atrasado demais
e não tenho tempo pra perder com nenhum moleque!
A criança abaixa sua cabeça, com medo, e Parker
segue adiante. Entra na Tifannys e, duas horas depois, consegue
sair de lá com o presente para sua esposa. Ele lembra que
deixou sua câmera no Clarim e decide voltar para buscá-la.
Ao chegar em frente ao prédio, nota que a mesma criança
com quem fora estúpido horas atrás ainda estava
lá, pedindo esmolas. Arrependido pelo seu comportamento,
resolve pedir desculpas e aborda o garoto.
Oi!
Olá. o menino surpreende-se quando reconhece
Parker.
Quero me desculpar pelo meu comportamento mais cedo.
Tudo bem.
Não tinha o direito de descontar meus problemas
em ninguém, muito menos numa criança.
Tá tudo bem, tio. Isso vive acontecendo mesmo. Quando
chega essa época do ano todo mundo fala de amor, de ajudar
os outros, mas isso nunca acontece. Natal é uma coisa que
só existe na TV, na vida real não é daquele
jeito, não.
As palavras do garoto atingem Parker como dardos acertam um alvo.
Tá com fome? pergunta Peter.
Tô, sim.
Quer fazer um lanche? Eu pago.
Claro, tio! Só se for agora! um sorriso se
forma no rosto da criança, inundando sua face e fazendo
com que Peter Parker se sinta bem.
Parker e o garoto entram numa das diversas cafeterias localizadas
na baixa Manhattan. Eles sentam à mesa e bebem café,
enquanto a garçonete vai buscar pedaços de tortas
de morango e limão.
Meu nome é Peter, qual é o seu?
George (*). seus pequenos olhos brilham com a chegada
da comida.
Você tem família, George?
Não... <nhoc> Não sei quem é
meu pai... <nhoc> e minha mãe morreu faz uns
dois anos.
E você mora onde?
Na rua... <nhoc> Antes eu tava num abrigo...
<nhoc> mas os guardas de lá viviam me batendo...
<nhoc> então eu fugi.
Me diz uma coisa, George. Você tem algum lugar pra
passar a noite de hoje?
Tem um abrigo...<nhoc> na rua 42... <nhoc>
eles dão sopa quente no inverno... <nhoc> acho que
vou pra lá.
Tenho uma idéia melhor. Que tal passar o Natal comigo
e minha família?
O convite surpreende o pequeno George que, pela primeira vez desde
o início da conversa, pára de comer.
Por que o senhor tá fazendo isso?
Isso o quê? Te convidando?
Sim. O senhor não é um daqueles tarados,
é?
Não! De maneira alguma. Olha aqui... Peter
saca sua carteira e retira algumas fotos Essa aqui é
minha esposa, Mary Jane. Essa é minha tia May, aqui é
a tia Anna.
Tá certo. Então eu vou... <nhoc>!
Antes vamos resolver uma coisinha.
Peter puxa George pelo braço, deixa uma nota de dez dólares
sobre a mesa e sai da cafeteria. Eles entram em uma loja de departamentos
e vão direto na seção infantil. Lá
compram algumas roupas novas para a noite especial que o garoto
está prestes a ter. Depois disso, pegam o metrô em
direção ao Queens.
Ao chegarem em Forrest Hills, Peter apresenta George à
sua família e diz que o menino é seu mais novo amigo.
Após um reconfortante banho, o garoto veste suas roupas
novas e desce as escadas da casa da tia May sorrindo, contente
com o Natal que terá. Ele senta próximo à
lareira e ouve atento às conversas de todos. Mais tarde,
tia May pega um embrulho embaixo da árvore de Natal e o
presenteia com um carrinho que pertencera a Peter. George está
vivendo um sonho.
Após a ceia, o garoto se aproxima da janela e fica lá,
parado, com o olhar perdido no horizonte. Vendo aquilo, Peter
decide ver se está tudo bem com seu novo amigo.
E aí, guri? Tá gostando?
Tô, sim, é o melhor Natal da minha vida...
Mas...?
Mas eu fico lembrando de todo mundo que vive na rua e que
não tem a sorte que eu tive hoje.
Você tem razão, mas eu sei o que podemos fazer
para alegrar o Natal deles também.
O quê?
Vem comigo e presta atenção.
Peter fala com sua esposa e sua tia. Ele diz como George está
se sentindo e sugere que peguem a comida que sobrou da ceia e
distribuam entre os moradores de rua de Nova Iorque. Em instantes,
elas estão falando com outras pessoas, e essas pessoas
com outras... em menos de meia hora todos os moradores de Forest
Hills estão prontos para começar uma operação
que vai varar a madrugada.
Parker e seus vizinhos saem em carreata distribuindo comida e
agasalhos a qualquer um que esteja na rua na noite de Natal. Partindo
do Queens eles passam pelo Brooklyn, Staten Island, Baixa Manhattan,
Chinatown, Little Italy, Cozinha do Inferno, Harlem, terminando
no Bronx.
Quase seis horas depois, Peter e sua família voltam para
casa acompanhados do pequeno George. Tia May e Mary Jane vão
para a cozinha arrumar as coisas enquanto Parker e o garoto ficam
do lado de fora observando as estrelas.
Está uma linda noite, não é?
Tá sim, Peter. Ainda melhor depois do que você
fez.
Eu não fiz nada de mais, qualquer um faria o mesmo
em meu lugar.
Mas foi você quem fez. Obrigado, Peter, por tudo.
Bobagem. Se não fosse por você, nada disso
teria acontecido. Agora vem, vamos entrar, está muito frio
aqui fora.
Obrigado pelo convite, mas preciso ir agora.
Ir pra onde? E a uma hora dessas! Deixa de bobagem, guri.
Hoje você dorme aqui em casa.
Sempre soube que você era um homem bom, poucos teriam
o desprendimento de vestir uma fantasia para ajudar os outros,
arriscando assim sua própria vida.
Quê? Peter surpreende-se ao notar que George
conhece sua identidade secreta.
Você vive de uma maneira singular, sempre dando o
melhor de si para ajudar pessoas que nem conhece. Definitivamente
o Homem-Aranha é um herói!
Do que você está falando?
Não precisa ter receio, Peter. Você sabe muito
bem do que estou falando.
Mas... quem é você?
Você acredita em Espírito de Natal?
Antes que Parker possa responder, o corpo do pequeno George começa
a brilhar. Uma luz forte começa a sair pelos seus poros
enquanto ele levita alguns centímetros. Peter tenta se
adaptar a situação, mas sabe que não há
perigo, pois seu sentido de aranha não disparou. O brilho
torna-se ofuscante e subitamente desaparece, juntamente com o
garoto de onde emanava.
Ainda sem entender o que está acontecendo, Peter é
surpreendido por sua esposa.
Peter! Vamos dormir, já é tarde e aqui fora
está muito frio.
MJ? Você viu o que aconteceu aqui?
É claro que vi! A gente distribuiu comida e roupas
para quem não tinha e fizemos um Natal feliz para muitas
pessoas.
Não... foi incrível, extraordinário
foi...
Ora, Peter, você não sabe que coisas fantásticas
sempre acontecem no Natal?
O sorriso de Mary Jane faz Peter relaxar. Ele não sabe
o que aconteceu ao certo, não tem idéia de quem
é George ou onde ele foi parar. Mas ele tem a sensação
de dever cumprido pulsando dentro de si. Definitivamente esse
foi um Feliz Natal para todos.
:: Notas
do Autor:
(*) O nome George é uma homenagem ao ex-Beatle que faleceu
recentemente.
Feliz Natal
(atrasado) para todos! E um 2002 repleto de saúde e sucesso!
|
 |