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Por
JB Uchôa
Prólogo
Areópago, o tribunal do Deus da Guerra. O recanto sagrado
de Ares.
Em meio a gemidos afoitos, urros, silvos e gritos de prazer, encontramos
o deus da guerra entretido com uma mortal. Uma mundana, como ele
mesmo gosta de chamar seus brinquedos sexuais. Depois que se satisfaz,
o poderoso deus se levanta e passa a andar pelo quarto entretido
em pensamentos.
Poderoso Ares, você sabe mesmo satisfazer uma mulher.
Será que o Todo-Poderoso Zeus se equipara a tamanha disposição?
Não gosto de falar depois da cópula, mundana,
se tivesses um pouco de sapiência saberia que só
estás aqui porque assim eu permiti. A frieza e rudeza
nas palavras e ações são habituais de Ares.
Afinal, ele é um deus. Nasceu para ser adorado e temido
e mortal algum deve resistir aos seus caprichos.
Nossa, milorde! Porque a grosseria? Não sabes que estou
aqui apenas para servi-lo? Maria Madalena não sabe como
foi parar naquele lugar, nem ao menos tem noção
de que se encontra fora do tempo e do espaço. Ela brinca
com Ares na inocência de que realiza a fantasia de um desconhecido
que encontrou na agitada noite grega, onde gritava bêbada
clamando pelos deuses. Entretanto, o tom de ironia e graça
não agrada ao deus da ira encarnada.
Como ousa se dirigir à mim nesse tom? Cadela do Ocidente,
sua gente não teme mais a personificação
da guerra? antes que Maria Madalena possa responder com uma
gargalhada, Ares some. O riso some de sua face. Calmamente ela
se levanta e caminha para a janela. Súbito, depara-se com
o vazio e então tem certeza de que não está
em um motel vagabundo em Atenas.
Destinos
Traçados
Hermes corta os
céus segurando a mão da princesa Diana. O feixe
que separa o mundo da suntuosa morada dos deuses mescla o Caos
e a Ordem. A princesa sempre lembra da primeira vez que pisou
no Olimpo, lar dos deuses, do sabor da ambrosia e do néctar
e das regalias que teria se tivesse aceitado a dádiva de
permanecer no papel de Deusa da Verdade. Talvez pudesse fazer
mais pelo mundo como deusa, mas apenas talvez... Em meio à
colunas dóricas do Olimpo, Diana pode ver o poderoso deus
dos deuses sentado em seu trono ao lado de sua fiel consorte Hera,
a mais ciumenta das deusas.
Lorde Zeus... A Mulher-Maravilha ajoelha-se para saudar o
poderoso Zeus e Hera.
Levante-se criança. Vejo que continuas muito bela. Sê
bem-vinda à morada dos deuses. O gracejo de Zeus não
agrada sua rainha, dona de um ciúme intempestivo, muitas
vezes despejado contra mortais que foram alvos das escapadas de
Zeus, e de seus filhos bastardos. Mas com Diana é diferente.
Apesar do ciúme que sente da beleza da princesa, Hera nutre
grande carinho pela filha de sua rainha amazona. E sabe que a
única coisa que Zeus pode esperar da jovem é adoração.
Ares chega atrasado, ainda ajeitando a capa e segurando o elmo
sob o braço. Já de pé, a Mulher-Maravilha
lança apenas um olhar para o deus da guerra e sente um
estranho calafrio.
Ora, ora... a poderosa Mulher-Maravilha resolveu ascender ao
Olimpo, ou ainda continua apaixonada pelos mortais? Soube que
você e seus asseclas são adorados na Terra como deuses.
E pela sua beleza você pode estar ocupando o cargo de Afrodite.
Cale-se, Ares! A princesa veio aqui convocada por Zeus. Afrodite
não tem medo de Ares. Seus comentários abalam a
vaidade da deusa da beleza e do amor, mas o deus da guerra é
incapaz de levantar um dedo contra a ex-amante desde que ela voltou
aos braços de Hefesto e deu um fim ao caso entre os dois.
Claro... continue, pai. Apesar das palavras de obediência,
o rosto por trás do elmo esboça um sorriso jocoso.
Princesa, você muito nos honra entre os mortais, reacendendo
a glória do Olimpo. Entretanto os deuses precisam de sua
ajuda.
Minha ajuda? Eu sirvo ao Olimpo, majestade. Dá-me tuas
ordens e elas serão executadas por mim e minhas irmãs
amazonas.
Eu sei disso. Por isso, quero que você prepare o mundo
para nossa volta. Os mortais de toda a Terra deverão adorar
os deuses gregos novamente. Diana se assusta. Ela sabe que será
uma tarefa impossível. Quando Hermes esteve em Boston,
todo o alvoroço em torno de uma divindade grega na cidade
acabou em piada.
Criança... sei que podemos contar com você para
ser nossa embaixadora. As palavras de Zeus delegam a responsabilidade
de uma tarefa em que a princesa certamente falhará. O
Deus Uno deve estar cansado, ou então finalmente chegou
ao consenso de que a humanidade tem outras necessidades. Os Olímpicos
reinaram por eras a fio e o período de latência deve
cessar.
Não foi uma decisão somente de Zeus, criança.
A presença de Hades e Netuno confirmam o poder do triunvirato.
A deusa Atena fala calmamente, como se por meio de seu semblante
sábio fosse fazer Diana processar a idéia, e continua.
O Deus Uno mandou seu filho para viver entre os humanos, pregar
paz, amor e o mundo parece ter convergido para a podridão
em apenas dois mil anos.
Os humanos
não precisam de um único deus, princesa.
Com o tom de voz mais alterado, comum daqueles que têm o
ímpeto da guerra nas palavras, Ares não tenta explicar,
mas impor os motivos que levaram os deuses a tomar tão
ousada decisão. Eles clamam pelo seu Messias em
meio a guerras, em meio ao amor, em cerimônias de adoração...
Os humanos precisam dos deuses, onde cada um detém um poder.
Não se pode clamar pelo mesmo Deus em momentos tão
divergentes como a guerra e a paz.
A volta dos deuses, princesa Diana, precisa da sua ajuda.
Celebraremos com música esse novo amanhecer. Como nossa
filha, nossa ardorosa campeã, essa tarefa cabe somente
a você. Compreende?
Sim, Lorde Apolo.
Os demais deuses vão deixando o salão. Apenas Ares
ainda lança um olhar e um esboço de sorriso para
Diana. Ela se pergunta se ele sabe do artefato que está
em Themiscyra.
Piedosa Atena, posso lhe falar um momento?
Claro, princesa.. Acompanhe-me. Em meio aos corredores
e salões que compõem o Olimpo, onde nenhum parece
levar a lugar algum, a princesa chega à sala de armas da
deusa da sabedoria. Atena senta-se em um trono de ouro e pede
que ela diga o que a incomoda.
Piedosa Atena, sinto incomodar-te com um assunto incerto.
Sei que a vi na cidade que protejo, no mundo dos homens...
Sem rodeios, princesa...
Encontrei um artefato que acredito ser themiscyriano. Banha-me
com tua sabedoria para encontrar a verdade.
"Que o fruto do teu ventre seja o preço. Ó
poderoso Deus da Guerra, conceda imortais eras de paz... sob tua
semente."
Parte dos dizeres! O que eles significam?
Basta, princesa... agora parta! Com um gesto da
deusa e a sensação de vertigem, a Mulher-Maravilha
reaparece na Ilha Paraíso. Sem prestar atenção
à gruta perto de si, Diana começa a caminhar de
volta para casa.

Mostra de História
Greco-romana, Gateway City
Já disse que não, Cassie! Você não
vai fazer ronda sozinha!
Mas mãããe... com a Diana fora da cidade,
quem vai tomar conta de Gateway City? Dos crimes que acontecem?
E se o Coringa aparecer, ou então o Pingüim? Ou então
a Hera Venenosa?
Cassandra! Pára! Se eles aparecerem a gente
chama o Batman, ou a UCE! Helena Sandsmark já está
uma pilha de nervos com a aproximação da inauguração
da mostra de história greco-romana, e para preocupá-la
ainda mais existem os novos poderes que sua filha ganhou de Zeus
e a excitação de ser uma super-heroína.
Lembre-se, Cassie, eu proíbo você de fazer rondas
sozinha.
Mas manhêeeeeeeeee...
Pegue para mim aquele arquivo. Você vai me ajudar
estando aqui e não voando sobre minha cabeça. *

Ilha Paraíso
Entrando no palácio, a Mulher-Maravilha nota que Hipólita
não está na sala do trono.
Philippus! Onde está minha mãe?
Nos aposentos, Diana. O que aconteceu no Olimpo?
Mal Philippus diz onde se encontra a rainha e a Mulher-Maravilha
voa de encontro aos aposentos reais. Ela pára em frente
ao quarto e escuta vozes. Com um chute, arromba a pesada porta.
Diana? O que está acontecendo? A princesa
fica atônita quando vê apenas sua mãe no quarto.
Filha? Você está bem?
Ouvi vozes, mãe, pensei que você estivesse
em perigo.
Filha, o que aconteceu no Olimpo? O que os deuses queriam?
Você voltou tão tensa. A rainha Hipólita
abraça sua filha querida com medo de que algo de ruim tenha
acontecido na morada dos deuses.
Mãe, eu vi a deusa Atena no mundo do patriarcado
e minha principal razão de ter retornado para casa no momento
em que mais a Liga precisa de mim, depois dos ataques dos N'Garai,
da convocação dos novatos... não foi apenas
saudades. Ao mesmo tempo em que fala, ela se afasta da
mãe e puxa da sacola que trouxe o artefato que pediu a
Helena Sandsmark. Essa peça, mãe, tem inscrições
em themiscyriano! Que relação nós temos com
Ares?
Hipólita empalidece, pega o artefato nas mãos e
pergunta onde Diana o conseguiu. Toda a história é
contada em meio a lágrimas e vergonha.
Filha, este é o artefato perdido. Eu o joguei no
mar muitos anos atrás. Prometi a Ares uma peça de
adoração e um oráculo se ele trouxesse paz
ao nosso lar. Contudo, Ares não honrou o pacto. Foi na
época que Herácles nos humilhou realizando um trabalho
imposto por Hera, que estava doente de ciúmes. Um dos doze
trabalhos de Herácles, como você bem sabe, era roubar
o cinturão de Gaia da rainha amazona. Naquela noite, Ares
me apareceu e distorceu o pacto. Cega pelo ódio, sua tia
prometeu a Ares um filho em troca de vingança. E como ela
morreu, Ares quer que eu honre o pacto.
A Mulher-Maravilha nada fala, apenas se abraça com a mãe
e chora.
Eu não permitirei, mãe, nem que eu tenha
que desafiar os deuses.
Não blasfeme! Os deuses devem ser adorados, não
desafiados! Saia, Diana, uma rainha tem um peso a arcar para com
seu povo.
Naquela noite, a princesa anda sem destino depois de ter conversado
com suas irmãs em volta da fogueira. Ela riu um pouco mas
não esqueceu o que a preocupa. Olhando para os braceletes
prateados, ela vê sua imagem refletida e se orgulha deles,
do que representam e da história que carregam consigo.
E o mais importante: como fazer Ares declinar da promessa de sua
tia?
Estás linda sob o luar, princesa.
Ares... Sem ao menos se virar para trás,
Diana sabe com quem está falando. O que quer?
Um filho, princesa, um semideus que carregue em seu sangue
o poder da guerra. E quem mais digna senão a poderosa princesa
amazona, presenteada com dádivas dos próprios deuses?
Você me diverte, Ares. O pacto morreu com minha tia.
Se você quisesse mesmo, teria honrado sua parte. Herácles
não está morto. A vingança de minha tia não
foi completa, você apenas a fez cruzar o rio Estige mais
cedo.
Seu senso de honra a perturba. Sua tia foi morta por ser
burra demais. Proponho uma troca, princesa. Nos meus termos.
E quais seriam eles?
Uma luta justa, e deixo você escolher as armas. Amanhã,
ao anoitecer, quero minha resposta.
Não aceito, deus da guerra. Tenho uma difícil
tarefa a cumprir em nome de Zeus. Não tenho tempo para
perder com você.
Bastante confiante, princesa... determinada. Não
se preocupe. Ao amanhecer, Themiscyra e a Ilha Paraíso
serão minhas! Assim como veio, o arrogante deus
da guerra se vai. "Ele pensa que me engana", pensa a
Mulher-Maravilha. "No entanto, colocar toda a Ilha Paraíso
em risco seria ousar demais. Mal reconstruímos Themiscyra
do ataque doentio de Darkseid."
Epílogo
Poseidonis, uma metrópole imersa sob o Pacífico,
comandada pelo rei Orin, o herói conhecido por Aquaman.
O rei dorme um sono conturbado, talvez pela presença de
sua consorte, a rainha Mera, que retornou para proclamar o que
é seu por direito, o usufruto do trono. Quem pensa que
Aquaman deixa Poseidonis nas mãos de seu primeiro-ministro
para bancar o herói em terra firme está enganado.
A soberania do trono e seus feitos como membro da LJA são
resultado de muito trabalho, esforço e horas sem sono.
Os sonhos de Arthur nunca foram plácidos. Muitas vezes
ele sonha com seu filho morto, das guerras atlantes com o bárbaro
Attuma e do peso da coroa sobre sua cabeça. Mas às
vezes ele sonha com Diana, a princesa guerreira de Themiscyra
e sua colega de equipe. Nem ele sabe o que os une, essa estranha
atração que o direciona ao encontro dela. Hoje porém,
o sonho é especial. Arthur está em guerra, comandando
seus pares em defesa dos portões de seu reino, quando ouve
seu nome ser chamado baixinho por uma voz forte e serena como
o oceano.
Rei Orin de Poseidonis, receio ter de atrapalhar seus sonhos
de conquista.
Não são sonhos de conquista, velho deus.
Aliás não tive nem tempo de compreender o que se
passava.
Achas estranha essa convocação? Poseidon,
o poderoso deus das águas, fala mansamente como se não
quisesse impor nada, fato que causa estranheza a Arthur, já
que todos os deuses são arrogantes. Garanto-lhe
que não é um sonho, Orin, mas esta foi a maneira
mais fácil de podermos dialogar. Os deuses gregos estão
voltando...
Esse problema é da alçada de Diana. Não
entendo o que podes querer comigo.
Diana... a bela princesa amazona. Gostas dela, não?
Dê-me seu recado ou eu acordo desse sonho estúpido!
Há! Há! Há! Há! Seu ímpeto
condena sua resposta. Vim falar-lhe para erigir um templo em homenagem
a mim. E em troca concedo-lhe uma dádiva.
Não sei porque gostaria de um templo. As amazonas
não atendem mais suas expectativas? Não quero nada
em troca porque não erguerei templo algum. Nossa homenagem
ao poderoso deus do mar está no nome da cidade.
Não gostaria de poder alcançar a mente de
todos os seres vivos? Passar mais tempo sem necessitar de água?
Ter sua mãe de volta? Com essas palavras Poseidon
cria uma imagem de Porm na frente de Arthur, na certeza de que
ele irá concordar com qualquer imposição
que queira.
Vá embora, ancião! O peso do séculos
o deixou senil? Como ousa macular a memória da mais doce
criatura que nadou em suas águas? Aquaman nutria
por Porm o amor de filho. Ela o criou, o ensinou. Ele lhe deve
tudo o que é, seus conceitos de bem e mal, de certo e errado.
Porm deu a Aquaman uma base de caráter, seu presente mais
precioso. Saia de meus sonhos! Me deixe em paz!
Te arrependerás por tamanha desfeita... rei Orin.
O sono do rei continua conturbado, até que ele acorda afoito
e anda até a janela de seu quarto para vislumbrar a imponente
Poseidonis dormir.
Maldito deus... será que foi mesmo um sonho?
:: Notas do Autor
* Leia Justiça Jovem # 06
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