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Starman # 03

Por Matheus Pacheco

Pretérito Imperfeito
Parte III

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Observatório Knight - 17:00

— Oi, pai.

— Jack! Filho! Que bom que você veio! E Jennie! Linda como sempre, não é mesmo?

— Ora, Ted. Obrigada, mas não exagere.

— Para você, querida, nenhum elogio é exagero. Como vocês dois estão se virando juntos?

— Muito bem. A Jennie acabou por trazer um pouco de organização praquela zona que era o meu apê. O senhor não acreditaria como está agora.

— Ah, acredito sim. Uma mulher sempre faz diferença na vida de um homem.

Jack olha para Jade, que corresponde o olhar sem graça do amigo.

— Jêni! Jêni!

— Ora, Solomon! Tudo bem? Como você está passando aqui com o Ted?

— Ted... Legal. Saudade, Jêni.

— Também tive saudades, Solomon. É ótimo ver que você está bem.

E a bela e a fera se abraçam ternamente, como se fossem irmãos. Quais meandros obscuros estariam por unir por laços de amizade duas pessoas tão diferentes quanto um monstro semi-irracional infantilóide como Solomon Grundy e uma bela e independente mulher como Jade?

Noutro canto da sala:

"Caralho... Eu sinceramente ia adorar receber um abraço destes da Jennie. Já estou cansado de 'bom dia' e 'e aí, qualé?'... Merda..."

— Manda outro bolinho aí, pai?

— Claro, Jack. Pegue aqui.

— Hummmmmm... Está uma delícia! Quem foi que fez?

— Digamos que, além de físico teórico do primeiro escalão, Jim é também um cozinheiro de mão cheia.

— Ora, o que é isso, doutor? Consigo fazer no máximo o trivial. Culpa de anos morando sozinho em um flat perto da faculdade.

— Em que faculdade você estudou, Jim?

— Princeton. Fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado com teses baseadas nas publicações do doutor Knight.

— Me chame de Ted. Mas veja, Jennie: Jim conseguiu adaptar minha tecnologia de captação de energia cósmica em aparelhos de pequeno consumo. Isso significa que, em breve, teremos relógios de pulso sem bateria, tocados apenas pela força vinda do espaço.

— Caralho. Nunca vou conseguir compreender este esquema de energia vinda do nada. Como é que isto ainda não é usado em larga escala em carros, geladeiras, computadores e outras tralhas?

— Pelo simples fato, filho, de que para se conseguir energia necessária para tocar um carro seria necessário um conversor do tamanho desta sala. O seu bastão é compacto porque emite rajadas elétricas, que é uma variante mais próxima da energia primitiva, necessitando de menos processamento para se formar.

— E não há perigo nenhum, Ted?

— Creio que não. Para sofrerem as mutações que sofreram, o Quarteto Fantástico recebeu o equivalente a 10 milhões de bastões cósmicos em potência máxima por mais ou menos meia hora. A radiação emitida é bastante pequena e, em estudos com ratos, se demostrou que o uso do equipamento não traz risco real à saúde. Já um conversor necessário para tocar um carro pode sim trazer riscos. As cargas necessárias estão na casa dos 15 megaknights e Hank McCoy, que é PhD em bioquímica, estimou que, para causar alterações a nível cromossômico, seriam necessários cerca de 10 megaknights ininterruptos por 5 anos. Os estudos ainda estão em fase preliminar.

— E quando a gente pode esperar qualquer coisa de prática vinda destes estudos?

— Deixe que eu respondo esta, dout... Ted. Veja, Jack, o simples fato de termos conseguido criar um conversor de energia cósmica para mecânica foi um grande avanço. Sem falsa modéstia, o desenvolvimento deste último — o dos relógios de pulso — , tem tudo para adiantar em uns 15 anos todos os desenvolvimentos nesta área.

— Eu apostei com Jim que o nosso cosmec* Knight/Robinson deve ganhar um Nobel dentro de 2 a 3 anos.

— Eu ficaria lisonjeado, mas creio que não serviria de nada além do estímulo moral. Inclusive o vencedor de um Nobel passa a receber menos colaboração da comunidade. O meio é permeado de inveja.

— Bom, eu espero que aconteça o melhor. Agora com licença que eu vou dar um rolê lá fora, pra baixar o rango.

— Jack, espere!

— Ah. Fala, Jennie.

— Me deixe passear com você. Você cresceu aqui?

— Cresci, sim. Foi muito bom na infância. Depois passou, eu já não precisava de tanto espaço aberto. Eu só queria um lugar meu, longe de tudo, pra poder me enfurnar e passar a vida ouvindo som, pintando, estas coisas. A adolescência é foda. Nesta época, até porque o observatório não me proporcionava este conforto, eu comecei a brigar com todo mundo na casa. Dave, meu pai, minha mãe.

— Eu... Eu nem sei o que dizer.

— Nem diga nada, Jennie. Eu já estou até me sentindo mal de fazer o seu ouvido de lixeira. Você não precisa ficar ouvindo minhas mazelas. Você já tem seus próprios problemas.

— Não, Jack. Não interessam meus problemas. Você foi espetacular comigo num momento em que eu precisava. Você sempre é espetacular comigo. Além do mais eu tenho certeza que você vai me ouvir quando eu precisar dar uma desabafada.

— Não tenha tanta certeza. — diz Jack, com um sorriso malicioso.

Neste momento, impulsionados por uma bela paisagem e por um momento de fragilidade, os dois jovens cruzam os olhares. Nada é dito. Nada precisa ser dito. Eles poderiam passar o resto de suas vidas apenas olhando um ao outro, mas, impulsionados pelos instintos, aproximam-se ainda mais.

Ao fundo, um vulto branco observa a cena toda. Visivelmente sem gostar de nada do que presencia, Solomon Grundy pensa: 'Jêni não gosta Solomon. Jêni gosta filho Tédi.'

De volta à sala, todos estão reunidos em volta da mesa de centro, e Ted pede silêncio para dizer algumas palavras.

— Bem, pessoal. Eu chamei Jack e Jennie aqui, e reuni o resto de vocês — Mikaal, Solomon e Jim — porque tenho algumas coisas a dizer a todos.

— Quiéisso, pai? Que clima mais trágico!

— Calma, Jack. Aqui não tem nada de trágico. O fato é que eu já estou com uma idade avançada e, como vocês todos sabem, eu não tive uma vida muito tranqüila. Isto me deixa a impressão que a saúde não deve durar para sempre.

— Pelamordedeus, pai! Pára com isso!

— Cale a boca por cinco minutos, Jack! Por Cristo!

— Tá bom, porra. Pode continuar.

— E, com estes pensamentos na cabeça, eu resolvi arrumar tudo para o caso de algum dia algo acontecer. Estes pensamentos me invadiram quando estive internado recentemente**. E eu acabei por tomar duas atitudes que eu vou repassar a vocês agora. Primeiramente, eu elaborei meu testamento deixando 50% do patrimônio para você, Jack.

— Pai, eu...

— Cale a boca e me deixe falar, por favor... Bom, a segunda atitude é que eu dei entrada com a papelada para fundar a Fundação Adele Knight de Pesquisas Científicas, que vai abrigar todos os meus estudos e assumirá os meus bens científicos — como o Observatório e todas as minhas anotações. Esta fundação terá Jack como presidente e gestor de fundos e Jim na presidência. O resumo disto é que Jim manda, mas tudo pertence a Jack.

Apartamento de Jack Knight - manhã seguinte

— Olá Jack!

— Hã... Oi Jennie. Como vai você?

— Bem, e você? Nem nos falamos ontem à noite na volta para casa...

— É que... Eu... Não estou acostumado a papear enquanto vôo.

— Sei. Não tem nada decente pra comer?

— Não, só estas batatas fritas de anteontem. Escuta... Hã... Sobre ontem à noite...

— Relaxe. Fomos levados pelo momento. Não vai acontecer de novo, certo?

"Merda...", pensa Jack enquanto faz que sim com a cabeça.

"Ele não gostou muito da idéia. Bom, eu já estou até achando ele um cara legal. Estranho, excêntrico, anômalo, atípico, mas legal. Não acharia o horror supremo ter alguma coisa séria com ele."

Boate La Comedia - 23:00

— Hei, Jack! Quem é aquele pessoal ali com a Jade?

— Pelo que ela me disse, o galego é aquele que fez Gênio Indomável. O outro magrão eu não sei, mas tinha uma menininha por aí excitadíssima porque o Ricky Martin tava na área.

— E as duas galegas?

— Uma é aquela Gisele, uma modelo brasileira. A outra eu nunca vi mais gorda.

— Mais gorda? Acho difícil mesmo... Porque você não está com eles?

— Porra, Tommy! Olha bem pra mim! Você acha mesmo que eu ia me dignar a subir na porra do camarote só pra ficar puxando saco de mega-estrela internacional? Nem fodendo. Prefiro uma cerva com os amigos aqui em baixo mesmo.

Ao falar isso, Jack é rapidamente lembrado que também é uma super-estrela por estas bandas, quando um grupo de adolescentes se aproxima e pede autógrafos.

Enquanto Jack perde algum tempo assinando abstratas folhas de papel em branco, Tommy sai rindo convulsivamente em direção ao Inferno, onde se prepara o melhor dry martini deste lado do Atlântico.

Ao se desvencilhar dos guris, Jack se vê sozinho, resmunga algo ininteligível com significado duvidoso e dirige-se ao banheiro, já que seu joelho começa a dar sinais de vida.

Ao entrar no recinto, tenta alcançar o mictório o mais rápido o possível, mas se detém ante a uma cena que nunca esperaria: Arty, seu amigo, seu confidente, seu irmão, está jogado ao chão ao lado de uma seringa, falando coisas desconexas e sem reconhecer o próprio reflexo no espelho.

Jack não sabe o que pensar. Quer dizer, ele já usou drogas de todas as estirpes — até há pouco tempo, era usuário freqüente de Cannabis — mas é sempre duro ver um irmão jogado num canto, atirado às baratas. Além do mais, esta brincadeira de herói estava incutindo um crescente senso de 'moral' em sua mente. Aonde isto iria parar?

Apartamento de Jack Knight - 10:30

"Definitivamente eu não estou pronto para dividir o apartamento com uma amiga", pensa Jack ao dar de cara com Jade na cozinha. Não seria nada, não fosse o fato de Jack estar apenas de cuecas. E num estado priáprico.

Jade ri bastante e diz para Jack que "não se preocupe. Não é nada que eu não tenha visto antes..."

Antes de qualquer resposta engraçadinha por parte de Jack, toca o telefone, obrigando-o a deixar as gracinhas e galanteios para outra hora.

— Alô? Eu. Isso mesmo. Mal? Onde? O quê? Overdose? Caraaaaaaaalho!

Boate La Comedia - 15:30

— Eu gostaria de falar com o senhor Connor.

— Eu verei se ele pode lhe receber, senhor...?

— Knight. Jack Knight.

Cinco minutos depois surge a secretária ao fundo.

— O senhor pode me seguir por aqui, se quiser. Ou esperar aí fora.

Hotel Opal Plaza - 15:30

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Message from Oracul — 'Starman, tome cuidado com estes psicopatas cibernéticos.'

"Veremos se eles são tão maus e eficientes assim."

Observatório Knight - 15:30

Andando em direção ao banheiro, Ted sente uma vertigem e cai no chão. É acordado logo por Mikaal, que o encontra desfalecido.

"Dor no peito, dor no braço esquerdo, dor nas costas... Acho que tenho de procurar um médico mesmo. Isto me cheira a um infarto." Ao pensar isto, Ted perde novamente a consciência...

:: Notas do Autor

* Cosmec - Conversor de energia Cósmica - Mecânica
** No arco de histórias publicado pela editora Magnum



 
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