|
|
Por
Cesar Rocha Leal
Pretérito
Mais Que Perfeito
Parte II
O saguão
do aeroporto internacional de Seattle está cheio. Pessoas
vão e vêm, falando ao mesmo tempo. Oliver não
gosta muito de multidões, mas o burburinho não tira
seu bom humor. Após meses atrás de Richard Holsfield
e sua rede de tráfico infantil que o levou até o
Rio de Janeiro(*) o Arqueiro Verde finalmente está
de volta aos Estados Unidos.
A tranqüilidade em seu semblante, perceptível desde
que descera do avião, transforma-se num grande sorriso
quando ele vê dois rostos conhecidos no saguão do
aeroporto. Apesar dos mais de 40 anos e do currículo de
conquistas invejável, Oliver sente-se um adolescente ao
reconhecer Dinah Lance no salão de desembarque. E fica
ainda mais feliz ao perceber que ela não está sozinha.
Posso perguntar por quem as senhoritas estão esperando
ou estaria sendo impertinente?
Vovô!
A pequena Lian corre para abraçar Oliver. A menina é
a pessoa mais próxima de uma família na vida do
Arqueiro Verde. O pai da garota é Roy Harper, filho 'postiço'
de Oliver Queen, que também acabou seguindo a carreira
de super-herói, primeiro como Ricardito e posteriormente
como Arsenal, membro dos Titãs. Apesar da tumultuada relação
entre os dois, a presença de Lian é sempre uma alegria.
Ah, o que eu falei pra você, pequena? Não
me chame de vovô... Pode pegar mal. Quem anda ensinando
isso pra você, hein?
Tia Dinah. Ela disse que você ia reclamar, mas que
gostava...
Hum, depois a gente vê o que faz com a "tia
Dinah".
A falsa irritação some rapidamente do rosto do herói
ao cumprimentar Dinah. A mulher que já foi o centro da
vida de Oliver continua belíssima e, depois do que quase
aconteceu na última vez em que estiveram juntos, uma tensão
estranha domina a conversa.(**)
Está esperando alguém ou posso ficar feliz
pela recepção?
Do jeito que você é convencido, é melhor
acreditar que foi um encontro fortuito. Na verdade, estava cuidando
de Lian para o Roy e, ao saber que você estava chegando,
resolvi trazê-la pra te ver.
E como você soube que eu estava viajando? Deve ter
sido trabalhoso vir para Seattle com uma garotinha...
Oliver, às vezes você esquece que temos...
amigos em comum. Eventualmente faço parceria com Oráculo,
sua colega da Liga da Justiça. É uma amizade que
"abre muitas portas", vamos dizer assim...
E eu que pensei que era o único a usar os teleportadores
da Liga em proveito próprio... Mas pelo menos ainda sou
membro.
Por estranho que possa parecer, Roy acabou mantendo contato mais
freqüente com Dinah que com o próprio Oliver. O que
era bom, levando-se em conta a oportunidade de rever Lian.
OK, qual das senhoritas gostaria de tomar um milk shake?
EUUUUU! responde a pequena. Milk Shake
é o que liga!
Rindo da empolgação de Lian, os dois se dirigem
para a sorveteria.

Mais
tarde, em seu apartamento, Oliver relembra o dia que teve com
Dinah e a filha de Roy. Como eles ainda são capazes de
se divertir... E como Lian cresceu!
É, o passado não volta mais mesmo...
pensa o arqueiro, em voz alta.
O curioso é que Oliver não tinha nenhuma razão
para pensar que Dinah estaria lhe esperando no aeroporto, embora
as recordações da vida em comum não tenham
saído de sua mente durante toda a viagem(***). Ele lembra
a sensação de desespero que o afligiu mesmo depois
de descobrir o paradeiro da parceira, que estava em Tampa, à
procura de sua mãe, a Canário Negro original...

Alguns
anos atrás
Desde que chegara em Tampa, há apenas duas horas, o Arqueiro
Verde já tinha avançado mais em suas investigações
do que em todo o dia anterior, em Seattle. Ele já sabia
que a mãe de Dinah tinha sumido ao vir passar uns dias
na cidade e que sua companheira devia ter vindo investigar o desaparecimento
sem usar sua identidade vigilante de Canário Negro. Portanto,
não adiantaria perguntar sobre aparições
da Canário pela área. Assim, Oliver limitou-se a
tentar saber o que estava ocorrendo de diferente nos últimos
dias. Acabou descobrindo a existência de uma nova chefe
criminosa na cidade, que tinha eliminado alguns rivais no submundo.
O nome Sheilla Long era temido e respeitado na mesma proporção
nos últimos tempos.
Com um pouco mais de "pesquisa" com os bandidos locais,
Oliver descobriu que ela era dona de um galpão na área
do centro, de onde aparentemente dirigia suas operações.
Já eram mais de 11 da noite quando o Arqueiro espreitava
o local.
Totalmente deserto, o prédio não parecia abrigar
uma rede criminosa. Ao entrar, as luzes foram acesas repentinamente
e várias pessoas atacaram o Arqueiro. Disparar flechas
não costuma ser muito útil em lutas a curta distância.
Pego de surpresa, o herói esmeralda estava em desvantagem.
Mesmo assim, mostrou-se um páreo duro para o enorme sujeito
careca que tentou agarrá-lo e acabou sem metade dos dentes
da frente. Usando a desvantagem numérica a seu favor, Oliver
aproveitou a existência de vários inimigos para tumultuar
a luta, evitando um ataque eficiente de seus adversários.
Ao ser atingido na nuca com uma corrente, ele se virou para encarar
seu mais novo atacante, surpreendendo-se ao ver uma mulher morena
com roupas de couro franjado que não era outra além
de... Dinah Lance. O susto, muito mais do que o grande número
de inimigos, levou Oliver a sofrer outros golpes e cair inconsciente.
Ao acordar, o Arqueiro se viu amarrado diante de uma mulher muito
bonita vestindo um tailleur branco, que acentuava o ébano
de sua pele.
Bom dia, Arqueiro Verde. Ao descobrir que você estava
em Tampa, não foi difícil espalhar a informação
sobre este lugar. Devo dizer que você agiu como previ ao
morder a isca. Mas seu tipo é assim mesmo. Vocês,
"super-heróis", são bidimensionais.
Obrigado. Vindo de você, isso é um elogio.
Mal terminou a frase, Oliver foi atingido por um chute na boca
pela pessoa que sabia ser Dinah Lance. Ao olhar em seus olhos,
o Arqueiro percebeu que sua amante não desejava que ele
distraísse a criminosa com seu "estilo engraçado";
ela queria que Sheilla continuasse a falar, certamente para descobrir
onde sua mãe estava. Decidindo entrar no jogo, Queen se
calou.
Obrigada, Sponx. Você se mostrou uma excelente aquisição
ao grupo... Como eu dizia, Arqueiro, meu nome é Sheilla
Long. Para que você entenda no que se meteu, vou contar
minha história. Não é isso que se espera
de todo "vilão"? A mulher sorri e prossegue.
Alguns anos atrás, minha mãe resolveu se
tornar uma criminosa fantasiada chamada Guepardo. Tipos fantasiados
estavam em baixa na década de 50, por causa do Macarthismo,
mas a idiota de minha mãe resolveu ser o que se chamava
de supervilã, e logo em Gotham City. Como você pode
imaginar, ela teve que enfrentar a heroína local, a Canário
Negro original.
Oliver olhou de soslaio para Dinah, e viu em seus olhos o medo
de que a mãe já estivesse morta.
Por duas ou três vezes Guepardo e a Canário
Negro se enfrentaram e minha mãe cometeu alguns assassinatos
para prevalecer nestes combates. Previsivelmente, ela acabou derrotada,
foi encarcerada e sentenciada a 30 anos de prisão. Sua
filha mais precisamente eu foi levada para um orfanato
e deixada à própria sorte. Eu a odeio por isso,
mas 20 anos depois ela morreu em sua úmida e solitária
cela. Passei por privações e desprezo nestes anos.
Afinal, quem adotaria uma menina com mais de cinco anos e filha
de uma criminosa? Apesar disso, sobrevivi e resolvi mostrar a
inutilidade da vida de minha mãe, vencendo onde ela tinha
falhado: o crime. Mas, ao contrário do dela, não
vesti fantasias ou idealizei golpes espetaculares. Eliminei meus
concorrentes e passei a comandar o tráfico de drogas local.
Não me instalei em uma grande cidade, para ficar longe
dos autoproclamados "super-heróis". Preferi uma
comunidade menor e "desprotegida". Hoje, tenho sucesso
e dinheiro, muito mais do que a minha pobre mãe sonhou
em sua vida desprezível. Mas o destino resolveu interceder.
Meus contatos revelaram que Dinah Drake estava vindo passar uns
dias em Tampa Bay. Eu sabia que a velha era a Canário Negro
original, já que uma das poucas coisas que minha mãe
conseguiu com seus "supercrimes" foi descobrir a identidade
secreta de sua "aquiinimiga". Ao ser presa ela se calou
e acabou levando o segredo para o túmulo. Mas eu sabia...
Ouvi minha mãe se gabar disso enquanto recitava sozinha
seus discursos megalomaníacos e pretensões mesquinhas...
Acho que era mal de família. resmungou o
Arqueiro antes de ser golpeado por outro capanga de Sheilla.
Como dizia, eu sabia que ela era a Canário Negro
e resolvi fazer outra coisa que minha mãe nunca conseguiu:
acabar com a velha. Eu a raptei e mantenho a idiota presa. Mas
sabia que poderia ter problemas com a nova Canário. Estava
esperando por ela quando soube de sua chegada. Acho que ela teve
medo e mandou seu amante para me pegar. Eu sei que vocês
andam juntos, os jornais sempre mostram isso. E mais uma vez eu
me mostrei mais esperta que seu "tipo". Mas está
na hora de levá-lo para um encontro com sua "sogra".
Sponx, também é o momento de você saber todos
os detalhes da nossa operação. Mas antes, faça
nosso convidado dormir.
Antes de receber o golpe de sua amante disfarçada, Oliver
Queen pôde ver em seus olhos o alívio por saber que
a mãe ainda estava viva.
Ao acordar, o Arqueiro notou que fora levado para outro lugar,
um luxuoso apartamento. Seu arco e flechas não estavam
à vista e suas mãos encontravam-se ligadas por um
bastão de ferro. Levado pelos dois brutamontes que serviam
de guarda-costas para Sheilla, Oliver não conseguiu ver
mais nenhum capanga além de um homem pequeno de óculos
e Dinah Lance, em seu disfarce de Sponx. Pelo menos algo começava
a melhorar suas chances.
Acordou, Arqueiro? Então está na hora de
ver meu "quarto secreto".
Abrindo uma parte da parede, Sheilla revelou uma passagem para
um pequeno aposento. Em seu interior, Dinah Drake estava em uma
cadeira de torturas antiga. Abatida, ferida, sem sentidos, mas
viva.
Vou precisar da cadeira para acomodar meu novo convidado.
Mesmo porque já tive toda a diversão que essa velha
poderia me dar. Sponx, acabe com ela... Um tiro na cabeça
será limpo e deve bastar.
Em vez de atirar na cabeça da Canário Negro original,
Sponx deu um chute no bastão que prendia as mãos
de Oliver. Acertando com a ponteira de aço escondida no
bico do sapato, ela o partiu. Com as mãos livres, o Arqueiro
agiu rápido. Golpeou com as duas mãos o homem à
sua direita e, quando ele se arqueou de dor, uma joelhada no rosto
o deixou inconsciente. Um rápido giro de corpo fez com
que o outro caísse para trás.
Canário também agiu depressa, derrubando com um
golpe de judô o pequeno homem de óculos e ficando
frente a frente com Sheilla Long. O Arqueiro logo se livrou de
seu outro adversário, mas resolveu não interceder
no combate entre Dinah e Sheilla.
Por mais culta ou preparada que a criminosa pudesse parecer, o
combate corpo a corpo não estava entre suas especialidades.
Canário facilmente a derrotou, rápido até
demais para o seu gosto. A vigilante mal falou com Oliver e se
dirigiu à mãe, libertando-a da cadeira. Um sorriso
brotou em seus lábios ao ouvi-la dizer:
Filha? Eu sabia que você viria. Ah, o playboy das
flechas veio contigo, hein? Bom, pelo menos não a deixou
vir sozinha. Esse rapaz está melhorando...
Horas depois, na sala de espera do hospital, enquanto esperava
notícias da Sra. Drake, Oliver ficou pensando nas semelhanças
e diferenças entre Dinah e Sheilla. Ambas foram extremamente
marcadas por suas mães e acabaram seguindo os caminhos
trilhados por elas. No caso de Long, por mágoa e para provar
que seria melhor do que a mulher que a pôs no mundo; no
de Dinah, mesmo contra a vontade da mãe, por amor e respeito.
Pessoas diferentes em circunstâncias diversas, mas com muito
em comum.
A seguir: veja Oliver Queen de volta às ruas de
Seattle, disposto a descobrir a identidade do misterioso informante
que o ajudou a seguir Holsfield.
:: Notas do Autor
* Número anterior.
** Como visto em Arqueiro Verde # 01.
*** Número anterior.
|
 |