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Arqueiro Verde # 07

Por Cesar Rocha Leal

Aparando as Arestas

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O dia começa lento no apartamento de Oliver Queen; sem obrigações com a Liga da Justiça, ele decide resolver algumas pendências pessoais. Estando há alguns minutos esperando o atendimento da ligação pela companhia telefônica, ele se pergunta mais uma vez se não teria sido mais fácil conseguir a informação diretamente com Oráculo, mas o orgulho de quem sempre agiu por si mesmo é muito forte.

— Em que posso ajudá-lo?

— Finalmente... Se eu tivesse que ouvir a versão de elevador de La vie en rose mais uma vez acabaria tendo que ser internado. Eu gostaria de uma informação sobre um assinante de serviço telefônico...

É fácil ir até o endereço fornecido pela companhia telefônica, pois seu informante secreto não havia encontrado nenhum problema em assinar os serviços com seu verdadeiro nome — mesmo porque já não é procurado pela polícia há alguns anos. Apesar de estar trajando roupas civis, o Arqueiro sabe que vai ser reconhecido imediatamente; afinal sua identidade só é secreta para quem não tem interesse em descobrí-la. Oliver bate à porta e alguém atende.

— Se estiver vendendo algo, amigo, eu não vou querer compraaaAAHHHHH!!!

— Como estamos assustados hoje, James Jesse, ou devo dizer... Trapaceiro!

— Arqueiro? Mas como? Eu não estava preparado para dizer minha identidade... digo...

— Ora, vamos. Depois daquela frase cuspida em nosso último encontro, "ninguém trapaceia o...", por quanto tempo achou que eu ficaria sem saber de quem se tratava? "Ninguém trapaceia o Trapaceiro". Além do mais, foi simples rastrear o endereço de alguém com um nome tão... sui generis. Agora vamos deixar a conversa de bandido e mocinho e lado; me convide para entrar e explique o porquê de ter me ajudado duas vezes como informante.

— Claro...

Ao entrar no apartamento, Oliver percebe um caos superior à sua própria bagunça. Alguns pedaços de pizza parecem ser mais velhos do que o próprio prédio.

— Me diz uma coisa... Esta calça não era parte daquele seu... uniforme? — diz Oliver, notando a calça listrada de abóbora, amarelo e cinza do ex-bandido.

— Ahn? Ah, sim, é que eu meio que me acostumei com ela, acabo usando sempre... como pijama.

— Certo... Mas vamos lá...

Sentando-se na beirada da cama, James Jesse começa a falar.

— Não sei se você está a par, mas alguns meses atrás uma espécie de demônio-menor chamado Neron fez uma série de pactos com a comunidade super-vilã...

— Você nem tem idéia como odeio essa palavra, "vilão".

— Hehehe... É realmente muito infantil... O que ocorreu é que esse Neron aumentou os poderes de vários criminosos.

— Eu vi os relatórios da Liga sobre esse caso. Eles chamaram de Vingança do Submundo. Esse nome pomposo deve ter sido coisa do Ajax...

— Putz, isso é realmente esquisito. Mas como eu dizia, Neron acabou levando vários asseclas para formar uma comissão de elite com o Coringa, a feiticeira Circe e alguém que parecia ser o empresário de Metrópolis, Lex Luthor. E ele ainda enganou os heróis ao fazê-los acreditar que seu objetivo era a alma do Super-Homem, quando o que realmente queria era o Capitão Marvel, mas não me pergunte o porquê disso. Eu só sei que acabei sendo mantido por lá também, como uma espécie de mascote. O que ocorre é que Neron acabou matando uns amigos meus... E no final eu o trapaceei... E acredito que ele esteja apenas esperando que meus pecados me levem ao inferno para consumar sua vingança...

— Acho que talvez eu esteja começando a compreender.

— Na verdade é muito simples. Sabe, o que faço melhor é enganar as pessoas. Nem sei porque me envolvi nessa coisa de vilão, mas era divertido enfrentar o Flash, digo, o anterior, Barry Allen. Mas eu nunca me senti melhor do que naquela hora em que enganei o próprio diabo, ou pelo menos um substituto à altura. Depois disso fui tomado por um pânico irracional: eu não poderia morrer, já que isso me levaria ao inferno depois de tudo o que fiz de errado. Durante algum tempo fiquei em casa, com medo até de atravessar a rua, mas todo mundo morre um dia e eu percebi que não poderia evitar isso. Compreendi então que o que deveria fazer era evitar ir ao inferno ao morrer. Comecei a agir, fazendo aquilo que faço de melhor, para ajudar os outros. Mas não parecia ser o bastante. Sabe, eu nunca matei ninguém, mas fiz muita besteira em minha vida. Resolvi equilibrar a balança. Pensei em agir como um super-herói, mas na verdade meus truques não fariam muita diferença contra criminosos armados ou malucos homicidas, além de haver minha fama de bandido de terceira pesando no meu currículo; então eu decidi ajudar os heróis com informações para que eles pudessem realizar suas façanhas.

— E com isso ajudar a tirar seu pescoço da forca.

— Exatamente. Veja, eu tenho ainda alguma fama no submundo, as pessoas confiam em mim. E minhas técnicas de trapaça me fazem ter acesso a informações de altas rodas, assuntos que você nunca iria descobrir ao esmurrar a ralé das sarjetas.

— Como aquela dica sobre Holsfield. (*)

— Sim. Eu pensei muito em que herói deveria ajudar. Alguns dos superpoderosos não valeriam a pena. O Super-Homem ou Capitão América estão quase sempre salvando o mundo com os Vingadores, a Liga ou sozinhos. Eu queria alguém que minhas informações pudessem ajudar de verdade, alguém ligado ao povo. Um vigilante urbano. Escolhi você, dentre outros motivos, por ter uma identidade secreta não tão secreta e por ser acessível. Poderia entrar em contato mais fácil do que alguém que escala paredes ou viaja entre telhados.

— Entendo.

— Mas não esperava que descobrisse minha identidade tão rápido, pelo menos não antes de ganhar sua confiança, fazer você perceber minhas intenções.

— Isso é muito estranho, sabe? Mas não posso negar que a sua dica sobre aquele local de trabalho escravo ajudou bastante... (**)

— Sério? Olha, eu posso ajudar ainda mais nesse caso.

Interlúdio

Em Nova York, Homer Sykes assiste ao âncora do jornal da NBC falar em edição especial.

— Achada morta no rio Leste uma conhecida dançarina de strip-tease. Tudo leva a crer que se trata de suicídio, apesar de nenhum bilhete ou nota de despedida ter sido localizado pelos investigadores do caso. A stripper era namorada de uma figura conhecida na esfera das colunas sociais como o pesquisador ocultista Homer Sykes, que apesar de já ter tido seu nome envolvido em investigações de fraude, acabou sendo dispensado dos interrogatórios após comprovar seu álibi...

A televisão é desligada e um sorriso se forma no rosto de Sykes. Em suas mãos, um amuleto preso a uma corrente parece pulsar.

— Eu tive algo a ver com a morte, sim... Mas a polícia nunca poderá me ligar ao caso... Nunca... (**)

Seattle

O apartamento de J. Uchoa sempre foi organizado. Livros perfeitamente arrumados nas prateleiras. Relógios perfeitamente sincronizados. Ele é uma pessoa com uma compulsão à organização e ao cumprimento de prazos. Neste momento, prepara um relatório desnecessário e com uma antecedência de três meses. Seu minucioso trabalho é interrompido por uma voz conhecida, que surge de repente.

— Uchoa, preciso saber do Cunnings, já...

— Jesse! Digo, Trapaceiro... Olha, o Jack está envolvido em um negócio e não posso dar informações a ninguém...

— Deixa de ser tapado, Jota. Eu sei que o Jack está envolvido na importação de mão-de-obra. Estou sabendo do esquema dos imigrantes ilegais. O que acontece é que preciso saber por onde vai ser a entrada dos trabalhadores hoje.

— Como eu disse, cara, não posso te dizer isso...

— Você é que não está entendendo. Tem gente que já sabe de tudo. O Arqueiro Verde está nessa. Ele já sabe do Cunnings e está indo fazer uma tocaia para pegar o cara. Eu preciso saber onde ele vai estar para poder avisá-lo.

— Meu Deus! O Arqueiro? Dizem que ele tem uma flecha especial que apaga a memória da galera... Cara, vamos avisar o Jack, ele vai receber uma carga no quilômetro sete da interestadual...

Neste momento, James Jesse furtivamente ativa um controle que detona um pequeno explosivo que havia deixado no batente da janela ao entrar. O vidro estilhaça, assustando o meliante, enquanto um tipo de gás é disparado da luva do Trapaceiro, deixando o bandido inconsciente. O Trapaceiro tira um celular do cinto e disca um número.

— Verde? Descobri a informação que você queria. Vai haver uma chegada na rodovia, quilômetro 7.

— Tem certeza que ninguém desconfiou de você? — responde o Arqueiro, do outro lado da linha.

— Claro que não, posei de santo para ajudar o responsável pelo tráfico de escravos. Meu informante achou que iríamos avisá-lo da sua presença. Depois fraudei um ataque, o imbecil vai achar que você nocauteou nós dois com uma flecha de gás. Vou esperar aqui para fingir que também desmaiei e acordei tarde demais para ajudar o pobre Jack Cunnings. Assim consegui a dica e ainda fico com moral na sociedade criminosa.

— Certo... Mas uma flecha-gás? Eu não uso mais esse tipo de coisa!

— Vai demorar para perder a fama, meu caro... Mas vá por mim, é melhor que uma flecha que causa amnésia...

— O quê?

— Deixa para lá, depois te conto. Pobre Uchoa... Ele deveria saber que ninguém trapaceia o Trapaceiro.

— Vou ter que ouvir isso toda vez que você me ajudar?

— Faz parte do trato...

Apesar de estranhar a situação de um ex-criminoso estar ajudando, Oliver sente que a idéia pode dar certo. O medo do Trapaceiro em ir para o inferno é real e o Arqueiro Verde realmente precisa de algumas dicas para poder agir com mais eficiência. No momento, ele está de tocaia atrás de um monte de terra na rodovia interestadual. Cunnings está sob sua vigília e o bandido vem acompanhado somente de um amigo portando uma submetralhadora. De repente, uma velha van aparece na estrada e pára no acostamento. De dentro dela salta um homem de chapéu.

— Salve, grande Cunnings... Tua carga está aí atrás. Vinte pares de braços, para sua indústria de cigarros...

— Se certificou de que estão em condições de trabalhar?

— Mas é claro, meu amigo! Tô sabendo o jogo! Fortes para trabalharem, iludidos com a idéia de virem para a terra da liberdade, mas medrosos o suficiente para não esboçarem nenhuma reação diante de uma ameaça de arma. Olha, tenho que ir, estamos dando muita bandeira parados aqui. Vamos trocar as chaves dos carros e você me dá a minha grana.

Um baque surdo seguido de um grito interrompe a conversa entre os dois negociantes. O guarda-costas de Cunnings cai ao chão com uma flecha enterrada em seu ombro direito. A seta está tão entranhada nos músculos do capanga que qualquer movimento significa uma dor insuportável. Aproximando-se dali, o homem que causou tamanha confusão.

— Olá, rapazes. Agora que tirei a metralhadora de circulação, vamos bater um papinho...

— Caceta! É o Arqueiro, cara!!!

Com essas palavras, Jack Cunnings saca uma arma; mas antes que possa atirar é desarmado por mais uma flecha disparada e, enquanto o Arqueiro se aproxima do motorista da van, Jack aproveita para fugir.

— Você vai virar carne moída, amigo. — O adversário de Oliver puxa um machete da cintura para enfrentar o Arqueiro, que se surpreende.

— Mas o que é isso? Parece um roteiro de filme B!

O ataque é rápido, mas Oliver o é ainda mais. O facão erra seu alvo, deixando a lateral do bandido desprotegida. Queen extravasa sua raiva com uma série de socos que deixam o homem caído. Mas é muito tarde para evitar a fuga de Cunnings, que sai em disparada em direção ao carro.

— Agora vamos ter uma conversinha... — Oliver ajoelha-se na barriga do bandido, tirando seu fôlego e deixando-o incapaz de reagir — Para onde nosso amigo Cunnings pode ter fugido?

— Ah... não foi muito longe... juro! Ele deve ter ido para a casa do primo... O cara tá envolvido também... Tem um apartamento... Em Hub City...

Um sorriso se forma nos lábios do Arqueiro Verde.

— Hub City, hein? Legal… Tenho um amigo lá que poderá cuidar de nosso colega Jack Cunnings.

Aplicando um último soco, Oliver tem certeza de que o homem ficará apagado até a polícia chegar. As sirenes já são ouvidas ao longe, enquanto um murmúrio é percebido no fundo da van. Vários homens, mulheres e crianças estão espremidos no fundo do carro. O cheiro de vômito e suor é insuportável. O Arqueiro sabe que os imigrantes serão levados pela polícia, e passarão por outras privações antes que o Departamento de Estado os leve de volta ao seu país. Uma revolta se passa dentro do coração de Oliver Queen. Ele se sente enojado por tudo que presencia e acaba agindo por impulso.

Sentando ao volante do carro, Oliver leva os imigrantes dali. Talvez sem a presença dos escravos não haja provas para prender os bandidos, mas Oliver não pode permitir que aquelas pobres pessoas venham a sofrer ainda mais com a ganância e burocracia dos governos... Apenas um pensamento fica na mente do herói:

"Eles sabiam que estavam agindo de forma ilegal, mas não merecem o que estão passando. Apenas abraçaram uma oportunidade de fugir da miséria. Vamos ver se o Trapaceiro quer realmente compensar seus erros... Acredito que ele deva conhecer pessoas que possam empregar esses ilegais até eu usar meus contatos para arranjar a permanência deles aqui em definitivo."

Uma sensação de alívio percorre o Arqueiro enquanto ele dirige de volta a Seattle.

:: Notas do autor

(*) Em Arqueiro Verde # 02.voltar ao texto

(**) Na edição anterior.voltar ao texto



 
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