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Por
Cesar Rocha Leal
Aparando
as Arestas
O dia
começa lento no apartamento de Oliver Queen; sem obrigações
com a Liga da Justiça, ele decide resolver algumas pendências
pessoais. Estando há alguns minutos esperando o atendimento
da ligação pela companhia telefônica, ele
se pergunta mais uma vez se não teria sido mais fácil
conseguir a informação diretamente com Oráculo,
mas o orgulho de quem sempre agiu por si mesmo é muito
forte.
Em que posso ajudá-lo?
Finalmente... Se eu tivesse que ouvir a versão de
elevador de La vie en rose mais uma vez acabaria tendo
que ser internado. Eu gostaria de uma informação
sobre um assinante de serviço telefônico...
É
fácil ir até o endereço fornecido pela companhia
telefônica, pois seu informante secreto não havia
encontrado nenhum problema em assinar os serviços com seu
verdadeiro nome mesmo porque já não é
procurado pela polícia há alguns anos. Apesar de
estar trajando roupas civis, o Arqueiro sabe que vai ser reconhecido
imediatamente; afinal sua identidade só é secreta
para quem não tem interesse em descobrí-la. Oliver
bate à porta e alguém atende.
Se estiver vendendo algo, amigo, eu não vou querer
compraaaAAHHHHH!!!
Como estamos assustados hoje, James Jesse, ou devo dizer...
Trapaceiro!
Arqueiro? Mas como? Eu não estava preparado para
dizer minha identidade... digo...
Ora, vamos. Depois daquela frase cuspida em nosso último
encontro, "ninguém trapaceia o...", por quanto
tempo achou que eu ficaria sem saber de quem se tratava? "Ninguém
trapaceia o Trapaceiro". Além do mais, foi simples
rastrear o endereço de alguém com um nome tão...
sui generis. Agora vamos deixar a conversa de bandido e
mocinho e lado; me convide para entrar e explique o porquê
de ter me ajudado duas vezes como informante.
Claro...
Ao entrar no apartamento, Oliver percebe um caos superior à
sua própria bagunça. Alguns pedaços de pizza
parecem ser mais velhos do que o próprio prédio.
Me diz uma coisa... Esta calça não era parte
daquele seu... uniforme? diz Oliver, notando a calça
listrada de abóbora, amarelo e cinza do ex-bandido.
Ahn? Ah, sim, é que eu meio que me acostumei com
ela, acabo usando sempre... como pijama.
Certo... Mas vamos lá...
Sentando-se na beirada da cama, James Jesse começa a falar.
Não sei se você está a par, mas alguns
meses atrás uma espécie de demônio-menor chamado
Neron fez uma série de pactos com a comunidade super-vilã...
Você nem tem idéia como odeio essa palavra,
"vilão".
Hehehe... É realmente muito infantil... O que ocorreu
é que esse Neron aumentou os poderes de vários criminosos.
Eu vi os relatórios da Liga sobre esse caso. Eles
chamaram de Vingança do Submundo. Esse nome pomposo
deve ter sido coisa do Ajax...
Putz, isso é realmente esquisito. Mas como eu dizia,
Neron acabou levando vários asseclas para formar uma comissão
de elite com o Coringa, a feiticeira Circe e alguém que
parecia ser o empresário de Metrópolis, Lex Luthor.
E ele ainda enganou os heróis ao fazê-los acreditar
que seu objetivo era a alma do Super-Homem, quando o que realmente
queria era o Capitão Marvel, mas não me pergunte
o porquê disso. Eu só sei que acabei sendo mantido
por lá também, como uma espécie de mascote.
O que ocorre é que Neron acabou matando uns amigos meus...
E no final eu o trapaceei... E acredito que ele esteja apenas
esperando que meus pecados me levem ao inferno para consumar sua
vingança...
Acho que talvez eu esteja começando a compreender.
Na verdade é muito simples. Sabe, o que faço
melhor é enganar as pessoas. Nem sei porque me envolvi
nessa coisa de vilão, mas era divertido enfrentar o Flash,
digo, o anterior, Barry Allen. Mas eu nunca me senti melhor do
que naquela hora em que enganei o próprio diabo, ou pelo
menos um substituto à altura. Depois disso fui tomado por
um pânico irracional: eu não poderia morrer, já
que isso me levaria ao inferno depois de tudo o que fiz de errado.
Durante algum tempo fiquei em casa, com medo até de atravessar
a rua, mas todo mundo morre um dia e eu percebi que não
poderia evitar isso. Compreendi então que o que deveria
fazer era evitar ir ao inferno ao morrer. Comecei a agir, fazendo
aquilo que faço de melhor, para ajudar os outros. Mas não
parecia ser o bastante. Sabe, eu nunca matei ninguém, mas
fiz muita besteira em minha vida. Resolvi equilibrar a balança.
Pensei em agir como um super-herói, mas na verdade meus
truques não fariam muita diferença contra criminosos
armados ou malucos homicidas, além de haver minha fama
de bandido de terceira pesando no meu currículo; então
eu decidi ajudar os heróis com informações
para que eles pudessem realizar suas façanhas.
E com isso ajudar a tirar seu pescoço da forca.
Exatamente. Veja, eu tenho ainda alguma fama no submundo,
as pessoas confiam em mim. E minhas técnicas de trapaça
me fazem ter acesso a informações de altas rodas,
assuntos que você nunca iria descobrir ao esmurrar a ralé
das sarjetas.
Como aquela dica sobre Holsfield. (*)
Sim. Eu pensei muito em que herói deveria ajudar.
Alguns dos superpoderosos não valeriam a pena. O Super-Homem
ou Capitão América estão quase sempre salvando
o mundo com os Vingadores, a Liga ou sozinhos. Eu queria alguém
que minhas informações pudessem ajudar de verdade,
alguém ligado ao povo. Um vigilante urbano. Escolhi você,
dentre outros motivos, por ter uma identidade secreta não
tão secreta e por ser acessível. Poderia entrar
em contato mais fácil do que alguém que escala paredes
ou viaja entre telhados.
Entendo.
Mas não esperava que descobrisse minha identidade
tão rápido, pelo menos não antes de ganhar
sua confiança, fazer você perceber minhas intenções.
Isso é muito estranho, sabe? Mas não posso
negar que a sua dica sobre aquele local de trabalho escravo ajudou
bastante... (**)
Sério? Olha, eu posso ajudar ainda mais nesse caso.
Interlúdio
Em Nova York, Homer Sykes assiste ao âncora do jornal da
NBC falar em edição especial.
Achada morta no rio Leste uma conhecida dançarina
de strip-tease. Tudo leva a crer que se trata de suicídio,
apesar de nenhum bilhete ou nota de despedida ter sido localizado
pelos investigadores do caso. A stripper era namorada de uma figura
conhecida na esfera das colunas sociais como o pesquisador ocultista
Homer Sykes, que apesar de já ter tido seu nome envolvido
em investigações de fraude, acabou sendo dispensado
dos interrogatórios após comprovar seu álibi...
A televisão é desligada e um sorriso se forma no
rosto de Sykes. Em suas mãos, um amuleto preso a uma corrente
parece pulsar.
Eu tive algo a ver com a morte, sim... Mas a polícia
nunca poderá me ligar ao caso... Nunca... (**)
Seattle
O apartamento de J. Uchoa sempre foi organizado. Livros perfeitamente
arrumados nas prateleiras. Relógios perfeitamente sincronizados.
Ele é uma pessoa com uma compulsão à organização
e ao cumprimento de prazos. Neste momento, prepara um relatório
desnecessário e com uma antecedência de três
meses. Seu minucioso trabalho é interrompido por uma voz
conhecida, que surge de repente.
Uchoa, preciso saber do Cunnings, já...
Jesse! Digo, Trapaceiro... Olha, o Jack está envolvido
em um negócio e não posso dar informações
a ninguém...
Deixa de ser tapado, Jota. Eu sei que o Jack está
envolvido na importação de mão-de-obra. Estou
sabendo do esquema dos imigrantes ilegais. O que acontece é
que preciso saber por onde vai ser a entrada dos trabalhadores
hoje.
Como eu disse, cara, não posso te dizer isso...
Você é que não está entendendo.
Tem gente que já sabe de tudo. O Arqueiro Verde está
nessa. Ele já sabe do Cunnings e está indo fazer
uma tocaia para pegar o cara. Eu preciso saber onde ele vai estar
para poder avisá-lo.
Meu Deus! O Arqueiro? Dizem que ele tem uma flecha especial
que apaga a memória da galera... Cara, vamos avisar o Jack,
ele vai receber uma carga no quilômetro sete da interestadual...
Neste momento, James Jesse furtivamente ativa um controle que
detona um pequeno explosivo que havia deixado no batente da janela
ao entrar. O vidro estilhaça, assustando o meliante, enquanto
um tipo de gás é disparado da luva do Trapaceiro,
deixando o bandido inconsciente. O Trapaceiro tira um celular
do cinto e disca um número.
Verde? Descobri a informação que você
queria. Vai haver uma chegada na rodovia, quilômetro 7.
Tem certeza que ninguém desconfiou de você?
responde o Arqueiro, do outro lado da linha.
Claro que não, posei de santo para ajudar o responsável
pelo tráfico de escravos. Meu informante achou que iríamos
avisá-lo da sua presença. Depois fraudei um ataque,
o imbecil vai achar que você nocauteou nós dois com
uma flecha de gás. Vou esperar aqui para fingir que também
desmaiei e acordei tarde demais para ajudar o pobre Jack Cunnings.
Assim consegui a dica e ainda fico com moral na sociedade criminosa.
Certo... Mas uma flecha-gás? Eu não uso mais
esse tipo de coisa!
Vai demorar para perder a fama, meu caro... Mas vá
por mim, é melhor que uma flecha que causa amnésia...
O quê?
Deixa para lá, depois te conto. Pobre Uchoa... Ele
deveria saber que ninguém trapaceia o Trapaceiro.
Vou ter que ouvir isso toda vez que você me ajudar?
Faz parte do trato...
Apesar
de estranhar a situação de um ex-criminoso estar
ajudando, Oliver sente que a idéia pode dar certo. O medo
do Trapaceiro em ir para o inferno é real e o Arqueiro
Verde realmente precisa de algumas dicas para poder agir com mais
eficiência. No momento, ele está de tocaia atrás
de um monte de terra na rodovia interestadual. Cunnings está
sob sua vigília e o bandido vem acompanhado somente de
um amigo portando uma submetralhadora. De repente, uma velha van
aparece na estrada e pára no acostamento. De dentro dela
salta um homem de chapéu.
Salve, grande Cunnings... Tua carga está aí
atrás. Vinte pares de braços, para sua indústria
de cigarros...
Se certificou de que estão em condições
de trabalhar?
Mas é claro, meu amigo! Tô sabendo o jogo!
Fortes para trabalharem, iludidos com a idéia de virem
para a terra da liberdade, mas medrosos o suficiente para
não esboçarem nenhuma reação diante
de uma ameaça de arma. Olha, tenho que ir, estamos dando
muita bandeira parados aqui. Vamos trocar as chaves dos carros
e você me dá a minha grana.
Um baque surdo seguido de um grito interrompe a conversa entre
os dois negociantes. O guarda-costas de Cunnings cai ao chão
com uma flecha enterrada em seu ombro direito. A seta está
tão entranhada nos músculos do capanga que qualquer
movimento significa uma dor insuportável. Aproximando-se
dali, o homem que causou tamanha confusão.
Olá, rapazes. Agora que tirei a metralhadora de
circulação, vamos bater um papinho...
Caceta! É o Arqueiro, cara!!!
Com essas palavras, Jack Cunnings saca uma arma; mas antes que
possa atirar é desarmado por mais uma flecha disparada
e, enquanto o Arqueiro se aproxima do motorista da van, Jack aproveita
para fugir.
Você vai virar carne moída, amigo.
O adversário de Oliver puxa um machete da cintura para
enfrentar o Arqueiro, que se surpreende.
Mas o que é isso? Parece um roteiro de filme B!
O ataque é rápido, mas Oliver o é ainda mais.
O facão erra seu alvo, deixando a lateral do bandido desprotegida.
Queen extravasa sua raiva com uma série de socos que deixam
o homem caído. Mas é muito tarde para evitar a fuga
de Cunnings, que sai em disparada em direção ao
carro.
Agora vamos ter uma conversinha... Oliver ajoelha-se
na barriga do bandido, tirando seu fôlego e deixando-o incapaz
de reagir Para onde nosso amigo Cunnings pode ter fugido?
Ah... não foi muito longe... juro! Ele deve ter
ido para a casa do primo... O cara tá envolvido também...
Tem um apartamento... Em Hub City...
Um sorriso se forma nos lábios do Arqueiro Verde.
Hub City, hein? Legal
Tenho um amigo lá que
poderá cuidar de nosso colega Jack Cunnings.
Aplicando um último soco, Oliver tem certeza de que o homem
ficará apagado até a polícia chegar. As sirenes
já são ouvidas ao longe, enquanto um murmúrio
é percebido no fundo da van. Vários homens,
mulheres e crianças estão espremidos no fundo do
carro. O cheiro de vômito e suor é insuportável.
O Arqueiro sabe que os imigrantes serão levados pela polícia,
e passarão por outras privações antes que
o Departamento de Estado os leve de volta ao seu país.
Uma revolta se passa dentro do coração de Oliver
Queen. Ele se sente enojado por tudo que presencia e acaba agindo
por impulso.
Sentando ao volante do carro, Oliver leva os imigrantes dali.
Talvez sem a presença dos escravos não haja provas
para prender os bandidos, mas Oliver não pode permitir
que aquelas pobres pessoas venham a sofrer ainda mais com a ganância
e burocracia dos governos... Apenas um pensamento fica na mente
do herói:
"Eles sabiam que estavam agindo de forma ilegal, mas não
merecem o que estão passando. Apenas abraçaram uma
oportunidade de fugir da miséria. Vamos ver se o Trapaceiro
quer realmente compensar seus erros... Acredito que ele deva conhecer
pessoas que possam empregar esses ilegais até eu usar meus
contatos para arranjar a permanência deles aqui em definitivo."
Uma sensação de alívio percorre o Arqueiro
enquanto ele dirige de volta a Seattle.
:: Notas do autor
(*) Em Arqueiro Verde # 02.
(**) Na edição anterior.
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