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Por
Dell Freire
Eu
Acho Que Vi um Gatinho
Parte I
Nova York
Hoje O Último Vôo
Os pequenos
olhos do homem conhecido como Coruja olham para o seu adversário
caído, hematomas redefinindo o rosto que outrora já
havia conquistado as mais belas mulheres. Segurando o homem, estão
os responsáveis pelos ferimentos, dois de seus assistentes
mais confiáveis dentre toda sua legião de assassinos;
uma pequena família em meio ao gigantesco sistema podre
que corrompe a Grande Maçã.
Café?
oferece o sarcástico Coruja
O corpo do
homem está moído e seus dentes quebrados impedem
uma resposta mais clara a seu inimigo, porém ela chega
aos ouvidos do Coruja:
Váaa...
si.... ooodê um sorriso torto surge em meio ao sangue
de seu rosto.
Não. o líder criminoso interrompe um dos seus
aliados após este sacar da arma e apontar para a cabeça
do seu ofensivo inimigo Não aqui; meus móveis
são novos. Levem-no e executem-no.
Arrastado e
deixando um pequeno rastro de sangue em seu carpete, o que causa
uma careta de insatisfação do Coruja, o seu desafeto
é levado para um passeio sem volta. Com passos lentos,
o criminoso dirige-se ao interfone:
Debbie, chame
alguém para limpar isso aqui. Imediatamente.
Sim, senhor.
Massageando
o nariz como se quisesse aliviar alguma espécie de dor,
o Coruja senta-se por trás de sua escrivaninha, administrando
seus negócios escusos como um executivo de primeira linha.
Há anos está no ramo; não é hora de
se dar um pouco de atenção e tentar ser reconhecido
com o devido valor que tem? Ele ajeita-se em sua cadeira, balança-se
para um lado e para outro até que um pequeno envelope chama
sua atenção.
"Não
o havia visto antes. Esquisito.", pensa consigo mesmo o Coruja,
enquanto sua mão abre o envelope e lê a carta, deixando
escapar uma expressão de surpresa.
PREZADO SENHOR,
SE RECEBE ESTA CARTA É POR QUE POSSUO ALGO VALIOSO NO
QUAL ACREDITO TER GRANDE INTERESSE. O FALCÃO DOURADO
ESTÁ À SUA ESPERA EM GOTHAM CITY MEDIANTE O PAGAMENTO
DE UMA QUANTIA QUE SERÁ ESTIPULADA EM UM LEILÃO
ENTRE POUCOS AMIGOS. CASO A PEÇA SEJA DE SEU INTERESSE,
ENTRE EM CONTATO SEGUINDO AS INSTRUÇÕES ESCRITAS
NO VERSO.
CORDIALMENTE,
SR. MANSON
Uma mistura de satisfação
e temor percorre o corpo todo do homem; quem estaria de posse
do Falcão Dourado e, mais ainda, quem poderia saber do
laço íntimo que envolve seu passado e o artefato
precioso em forma de ave de rapina? Quem é esse Sr. Manson?
Evidentemente, quem escreveu a carta sabe que essa é uma
proposta irrecusável e que ele fará de tudo para
adquirir a peça.
"Definitivamente tudo", a mão levemente retorcida
amassa a correspondência.
De súbito, ele ouve um pequeno toc-toc na enorme vidraça
às suas costas; ele se vira rapidamente e seu corpo começa
a se retorcer e a dançar continuadamente pela rajada de
balas que atravessa o vidro e o retalha sem piedade. Seu corpo
ganha uma forma dantesca, exalando fumaça e um mau cheiro
característico. O Coruja está morto.
Vestindo roupas de um limpador de vidros, Frank Castle inclina
seu corpo para trás até jogar seus pés sobre
a vidraça em péssimo estado. Em poucos segundos,
seu corpo arrebenta o pouco que havia e entra no escritório
do criminoso. Rapidamente ele ajeita-se e corre até a porta,
trancando-a para iniciar a revista do ambiente.
Praticamente tudo é jogado ao chão. Em algumas gavetas
ele encontra papelotes de cocaína, talões de cheque
e algumas moedas antigas de colecionador, até chegar ao
que realmente lhe interessa. Ele retira um conjunto de documentos
que podem incriminar pelo menos meia dúzia de sócios
do Coruja. Material farto que irá cair em breve nas mãos
das autoridades como um presentinho pessoal do Justiceiro.
Frank aproxima-se do corpo do homem. Ele observa o cabelo com
corte ligeiramente erguido nas laterais, relembrando o animal
que lhe dera nome, as roupas verdes berrantes e os olhos assustadoramente
abertos. Com cuidado, o Justiceiro fecha os olhos do outro; em
seguida, repara no cartão que está preso em suas
mãos e o retira.
Após ler cuidadosamente a mensagem, seus pensamentos começam
a questionar se o convite que o Coruja recebeu merece uma investigação.
Interrompendo seus pensamentos, a porta do escritório é
arrombada e alguns capangas armados surgem para vingar seu líder
morto. Com a habilidade que lhe caracteriza, Frank Castle aponta
a sua submetralhadora Heckler & Koch MP5-A2 para eles e atira.

Nova York
Anos 70 Dois Perdidos numa Noite Suja
Grogue com a pancada que recebeu na cabeça, o jovem negro
Jeremiah Blackmore ainda tenta se recuperar quando leva um tiro
no braço que o faz cair no meio da rua. Um braço
pequeno mas com uma força maior do que se poderia imaginar,
o ajuda a levantar antes que seja novamente atingido pelo fogo
cruzado.
Quá! Quá! encostado contra
a parede, Oswald Cobblepot, o Pingüim, tenta retomar o fôlego,
enquanto observa o seu aliado xingando ininterruptamente.
Filho da puta! É um desgraçado filho
da puta! Branquelo de merda!
Ei com um tapa, Cobblepot tenta fazê-lo se
acalmar. Você corre na frente do cara, igual a um
maratonista, e espera o quê? Não te disse que deveríamos
matá-lo rápido?
Porra, Pingüim! Blackmore estanca o
sangue com uma das mãos Tenho que ir ao hospital!
Porra!
O homem baixinho de fala engraçada e com roupas ligeiramente
carcomidas pelo tempo saca sua arma e aponta para o outro ombro
ainda inteiro do jovem negro.
Ou ficamos aqui e esperamos nossos amigos terminarem ou
nada feito. Algo contra?
Não o ódio começa a percorrer
Jeremiah Blackmore ao encarar o Pingüim.
Cobblepot abaixa a arma, volta a se recostar contra a parede e
fica envolto em pensamentos; sua carreira do crime está
começando e é uma das mais promissoras. Seus aliados
no momento formam a equipe de elite do grande chefe do crime Giuseppe
Marco. O que Dom Marco pede, Cobblepot e seus amigos fazem. Foi
sempre assim desde o começo e será até o
fim. Mas para Cobblepot e um de seus amigos, o fim do império
de Dom Marco está cada vez mais próximo.
Em meio à rajada de balas, se ouve um grito seguido de
grunhidos que parecem a agonia final de um homem. Os tiros cessam
e Cobblepot cuidadosamente sai de seu canto para ver a cena: o
Coruja, um de seus aliados, está em pé segurando
alucinadamente uma faca. Ao chão, um rio de sangue sai
da garganta do líder da quadrilha inimiga e vai até
o ralo.
A alguns metros, os homens que se opuseram a quadrilha de Dom
Marco saem correndo até sumirem das vistas de seus adversários.
Criminosos de baixo nível são como gado solto
correndo no pasto. o Coruja limpa a faca em um lenço
branco Corte a cabeça do chefe da manada e o bando
todo se dispersa.

Nova York
Anos 70 Pam Grier's Disco Music
Casais com camisas coloridas e calças boca-de-sino requebram
e ensaiam passos ao som da disco music que domina a pista
de dança. Afastados da coreografia estão dois homens
pequenos e agitados.
Por que diabos aqui? pergunta o Coruja, nervoso
com o barulho.
Quá! Quer melhor lugar do que esse?
o Pingüim aponta para o redor Essa multidão
se agita e nós conspiramos...
É verdade o que me disse? os dedos gorduchos
do Coruja remexem as pedrinhas de gelo dentro do Whisky.
Claro. O que achou da idéia?
O Coruja fica calado por alguns minutos e estufa o peito como
se fosse buscar a coragem em algum lugar escondido.
O tempo de Dom Marco chegou ao fim; eu estou com você.
Eu não esperava menos de quem considero tanto quanto
um irmão Cobblepot ergue o copo em um brinde
À nossa aliança! Que ela gere os mais doces frutos!
Saúde!
O tilim-tilim dos dois copos faz os dois criminosos sorrirem.
Mais alguém sabe? pergunta o Coruja, a cabeça
ligeiramente caída Não sei se poderemos confiar
em todos do grupo.
Na minha opinião Cobblepot acende uma cigarrilha
não podemos confiar em ninguém.
Mortos?
Todos eles? Não... Não temos condições
e nem tempo pra isso. Apenas devemos dar um sumiço nos
mais novos, nos que estão mais apaixonadamente nos negócios.
Os veteranos ficarão do nosso lado; já viram a sorte
mudar de lugar e a liderança sair de uma mão para
a outra diversas vezes.
Blackmore...
Sim. Blackmore é impulsivo, jovem e tem uma dívida
de gratidão com Dom Marco. Vai ser um dos que teremos que
executar.
Deixe por minha conta o Coruja mostra a sua faca
afiada e ela brilha em meio às luzes da discoteca.
Esconda isso! Quá!
O Pingüim segura a mão do Coruja e o obriga novamente
a deixar a arma branca escondida em meio ao seu capote.
Terá como mostrar sua habilidade na hora adequada.
Cobblepot solta uma pequena baforada Vai ao encontro
de sábado à noite?
Dom Marco te chamou também?
Sim, claro.
E o que ele quer?
Sei tanto quanto você. o Pingüim se aproxima
do outro, a mão em seu ombro Acho que é mais
um favorzinho que ele quer de nós... Só eu, você
e ele.
Talvez seja a hora mais indicada pra nós...
Foi o que eu também pensei. Teremos uma semana até
lá e poderemos planejar a forma de nos livrarmos dos empecilhos.
De acordo? o Pingüim estende a mão para seu
aliado.
De acordo o Coruja aperta a mão estendida.

Nova York
Anos 70 O Falcão Dourado
A imponente figura do Falcão Dourado, feita com ouro maciço
e cujos olhos estão incrustados de diamantes, parece criar
vida diante dos surpresos Oswald Cobblepot e Coruja. Ambos mal
percebem o sorriso de satisfação no rosto de Dom
Giuseppe Marco que olha para eles como um pai satisfeito em dar
o brinquedo certo para seus estimados filhos.
Não disse? Não é maravilhoso? Uma
obra com grande valor artístico, afetivo e comercial. Uma
peça rara fabricada em Colônia, na Alemanha, e comprada
por uma fortuna por meu avô. É herança de
família.
E quer que fiquemos com ela? o Coruja parecia não
acreditar; aparentemente seu chefe tinha mais confiança
nos dois do que demonstrava.
Não exatamente. Quero que me acompanhem a um local
predeterminado por mim para deixar a salvo essa peça tão
valiosa.
E porque não o faz sozinho, Dom Marco? pergunta
o Pingüim.
Dom Giuseppe Marco, no alto de seus setenta e poucos anos, mostra
o próprio corpo magro, quebradiço e aparentemente
frágil.
Sou um homem da cosa mentale... Ação ou força
bruta não são comigo; Deus sabe que o pouco das
últimas forças que me deu foram usadas para fazer
meu pequeno garoto. ele segura os próprios testículos
Isso eu tenho de sobra! Colhões!
Não duvidamos disso. Cobblepot sorri
Seu garoto será um homem forte!
Por isso, meus amigos Dom Marco põe seus
braços sobre os ombros Preciso que me ajudem nesse
favor pessoal. Acompanhem-me até o local que escolhi para
enterrar o meu Falcão Dourado.

Nova York
Anos 70 Cova Rasa
O carro pára em meio a um terreno arenoso e de vegetação
rasa; a pequena luz em frente ao assento do volante é acesa,
recaindo sobre o rosto fechado do Coruja. Ao seu lado, o Pingüim
recurva o corpo para o banco traseiro, acendendo um cigarro para
Dom Marco.
Grato, Cobblepot. o velho criminoso deixa escapar
uma pequena baforada de seu cigarro Não esqueça
que, assim que deixarmos essa preciosidade na cova, vocês
receberão, cada um, uma gratificação à
altura de seus feitos.
E o que nos impedirá de querer roubá-lo?
Cobblepot aponta para o Falcão Dourado.
Dom Marco deixa escapar uma risadinha de assentimento e, com um
gesto das mãos, pede aos seus dois homens que saiam do
carro. Assim que as portas se fecham, os dois capangas se dirigem
até o porta-malas e retiram duas pás.
Caminham por uns dez minutos em direção ao norte,
com passos lentos como se estivessem em um passeio em família.
Cobblepot e Dom Marco conversam animadamente alguns passos à
frente do Coruja que, meio distante, os segue com seu olhar, a
pá caindo sobre seu ombro.
Em um determinado ponto, o italiano ergue a mão que segura
o cigarro.
Cavem aqui.
Sem discutir as ordens de seu chefe, os dois homens cavam com
suas pás e abrem naquele terreno arenoso um espaço
suficiente para abrigar o Falcão Dourado. Cobblepot faz
o seu trabalho com alguns intervalos para descansar, porém
o Coruja demonstra uma resistência física maior e
uma mórbida obstinação em realizar a sua
tarefa.
Quando terminam, observados por Dom Marco, eles pacientemente
aproximam-se de seu líder.
Ótimo trabalho! mais um cigarro aceso; ele
começa a desembrulhar a ave preciosa envolta em um tecido
grosso Aqui está, senhores. Devem guardar isso com
a própria vida, pois este Falcão Dourado não
tem preço para mim; é meu amuleto da sorte, tudo
que tenho devo a essa peça que passou de geração
à geração.
As mãos do Coruja tremem quando segura o objeto; o Pingüim
observa os dois e para seu chefe abre um largo sorriso, enquanto
balança a cabeça repetidas vezes para os dois como
se apenas significasse que concordasse com as palavras de Dom
Marco.
Mas o Coruja entende. Ele ergue o Falcão Dourado acima
de sua própria cabeça de modo veloz e inicia o segundo
movimento, golpeando com força sobre a cabeça do
líder mafioso, que não percebe de onde vem o primeiro
impacto.
Caindo sobre a presa frágil pela idade, o Coruja imprime
um ritmo cadenciado às sucessivas pancadas sobre a cabeça
do velho que, em meio a esguichos de sangue que respingam sobre
as roupas do Pingüim, não abre a boca, morrendo completamente
em silêncio, ouvindo apenas o baque surdo do objeto sobre
sua têmpora.
Quá! Quá! Pare! Cobblepot se
aproxima do aliado Não vê que ele já
está morto?
Com o corpo ligeiramente caído sobre o velho e arfando
muito, o Coruja levanta-se, a pequena estátua dourada manchada
de sangue. Ele lança um olhar injetado para o Pingüim.
E agora?
Vamos manter a última vontade de Dom Marco... Vamos
deixar a peça aqui e deixá-lo vigiando seu próprio
objeto da sorte. Após assegurarmos o controle de todos
os homens dele e seus negócios, vamos voltar e rachar esse
que, a partir de agora, é nosso pé de coelho.
Displicentemente, o Coruja joga o Falcão Dourado sobre
o buraco e começa a cavar mais e mais.

Nova York
Anos 70 April
É mês de abril quando o buraco, exposto tal qual
uma ferida, está vazio. O Falcão Dourado havia voado
para bem longe agora, algumas semanas depois que os dois criminosos
dominaram alguns dos territórios gerenciados pelo seu ex-líder.
Com um gesto rápido, o Coruja segura o Pingüim pelo
colarinho e pressiona seu pescoço de forma ameaçadora.
Você! Você me enganou!
Quá! O que está dizendo, homem! Acha
que sou idiota a ponto de roubar a estátua e vir aqui para
ficar ao seu lado?
Seria a melhor forma de não levantar suspeitas!
a mão do Coruja parece ficar fora de controle, pressionando
ainda mais Diga onde está o Falcão Dourado!
Diga!
Me solte, desgraçado! com um gesto brusco
com as mãos, ele afasta o outro. Ambos se entreolham furiosamente,
enquanto suas mentes não conseguem encontrar uma resposta
para a cova vazia que não seja a traição
um do outro. Mesmo o corpo de Dom Marco não está
mais lá; nem um sinal do morto ou de seu objeto que lhe
era tão precioso em vida.
Tanto trabalho que tivemos para dizimar a escória
que cercava Dom Marco... Cobblepot morde a ponta de sua
cigarrilha E agora você joga tudo para o alto como
se não tivéssemos construído nada! Seu
maníaco filho da puta!
Quando Cobblepot faz menção de pular em direção
ao seu mais novo desafeto, o Coruja saca de seu punhal.
Eu vou embora, Pingüim. Mas saiba que, enquanto você
viver, ficará me devendo essa estátua. É
uma questão de honra.
Enquanto ambos se afastam, cada um se dirigindo ao seu próprio
carro, a tensão que paira pelo ar é tanta que mal
percebem soluços e choros em uma vegetação
rasteira, a alguns metros do buraco onde o corpo de Dom Marco
estava. Sentado desajeitadamente, segurando o Falcão Dourado
e impedindo o choro compulsivo de começar, está
um pequeno adolescente que sente que seu amadurecimento chega
mais cedo, porém acompanhado com o gosto amargo do desejo
de vingança.
No próximo
número: Após Frank ler a carta endereçada
ao finado Coruja, decide ir a Gotham para dar um sumiço
em alguns vilões que o leilão do Falcão Dourado
pode vir a reunir e, entre rajadas de balas, confronta-se com
Pingüim, Rino e o Crocodilo.

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