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Imagine Hellblazer

Por Cesar Rocha Leal

"As ruas de Londres têm algo de sui generis. Em nenhum local do mundo você se depara com tantos grupos, tantas tribos, tantos rótulos... Rockers, Punks, Góticos, Skinheads, Cybers... Determinações por gostos musicais, religião ou preferências sexuais... Tantos jovens e, muitas vezes nem tão novos, andando em gangues com suas cores e suas marcas. Buscando afirmação em bandos que carreguem alguma semelhança. Simplesmente porque não aceitam uma verdade óbvia, a de que não conseguem ser eles mesmos... Identidade sem rótulos ou auto-afirmações..."

"Tudo isso é ainda mais forte para mim; eu tenho percepções além daquelas que determinam a realidade das mentes mundanas. Eu vejo além; e é por isso que, fora os grupos comuns, tenho contato com Feiticeiros, Bruxas, Adoradores do Demônio, Almas Penadas, Vampiros... variações do mesmo tema. Esses grupos paranormais são regidos pelas mesmas inseguranças daqueles homens e mulheres que vivem nos becos da Trafalgar Square ou Picadilly Circus. Só são mais perigosos."

"Talvez você esteja se perguntando Mas afinal quem é esse cara? O que ele pensa que é? E neste caso só posso dizer que você não percebeu nada. Eu não busco ser reconhecido por alcunhas ou adjetivos. Alguns me chamam de Mago, outros de Canalha, ou ainda de nomes piores. Mas não importa o rótulo que me dão ou que eu mesmo persiga. Eu sou apenas um homem, com idéias, ansiedades e interesses, como cada um de nós... Meu nome é... John Constantine."

Mais Alguns Hábitos Perigosos

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"É noite... Após algumas cervas com Chas em um agradável pub eu volto para as ruas escuras. Não queria deixar o meu amigo de lado. Principalmente porque já o vejo muito pouco... Mas desenvolvi através dos anos um forte senso de pressentimento; e alguma coisa irá ocorrer hoje. Eu serei interpelado por algum ser ou força sobrenatural. Posso sentir em meu íntimo. Não quero envolver o cara nisso; ele já viu merda demais caindo no ventilador e sujando sua vida por minha causa."

"Não tenho qualquer dúvida que algo irá ocorrer. Após ter sido assombrado pelos fantasmas de amigos que faleceram devido a meus atos, recrutado por Deuses de Sonhos para ajudar em tarefas ou questionado por Reis Vampiros se poderia ser um alcagüete da sociedade super humana, já estou acostumado com esse tipo de surpresa."

"Mas mesmo assim eu me pergunto porque cacete essas coisas continuam a acontecer comigo. Eu não participo de nenhuma associação ou supergrupo que pudesse explicar por que todos acham que têm que trazer seus problemas até mim. Certo, já conheci muita gente nessa vida, muitos caras que representam algo. Já tive uma conversa instrutiva com Vandal Savage e não fiquei impressionado. Quem ficaria com um homem que vive há séculos e ainda é tentado a jogar de acordo com as mesmas regras de bonzinhos versus malvados? Ele pode ter um vasto conhecimento, mas entende da vida geral tanto quanto um retardado fanboy da última diva pop. Já estive frente a frente com o Super-Homem também, um cara poderoso, com uma indiscutível presença marcante, mas age como um matuto do interior... Pensei que ele iria usar um poder de super cuspe para escarrar fumo em um balde que estivesse a quilômetros de distância..."

— Noto que minha presença, com antecedência foi notada, como posso ser um demônio se a surpresa não é minha aliada?

— Droga. Um demônio que fala em rima, tudo o que eu não precisava para estragar minha noite. Etrigan; o que, em nome de Deus, com o perdão da expressão, você quer?

— Com certeza em nome de Deus não vim falar. Meu interesse muito mais maligno há de se mostrar. Minha posição no inferno está em questão e você, talvez, queira me dar uma mão.

— Nada me interessaria menos. Eu estava justamente imaginando por que seres como você acham que eu tenho qualquer interesse nos seus esquemas e seus clubinhos.

— Todo ser humano tem interesse no futuro e minha missão é importante, isso eu juro. De qualquer forma deixe-me deixá-lo a par dela agora, mesmo porque o tempo urge e depois eu vou embora. "O reino do inferno tem já escolhido um herdeiro, em sua cabeça pesa uma coroa como aquela, que no filho Dele, era feita de um espinheiro. O que ocorre é que essa herança este escolhido vive a renegar e meu interesse é da posse dela me regalar".

— Nada disso me surpreende, nem sua ganância em se tornar herdeiro do inferno, nem sua estupidez em pensar que isso seria possível. Será que você não percebe que o inferno não ganharia nada em nomeá-lo? Siga meu raciocínio: você já é corrupto. Sua alma, se é que você tem uma além daquela de seu hospedeiro humano, já é maligna até a última iota de energia. Não se ganha nada aliciando um espírito como o seu, mas alguém que renega o mal? Aí, já é outra coisa. Tem muito a ver com tentações, sabe, o que se ganha aliciando uma alma que não busca a perdição é muito mais do que dar posição de poder a um demônio rimador. Lembre-se quem seu antigo chefe era inicialmente e, já que você mesmo o citou, recorde-se do Filho de quem ele tentou aliciar no deserto.

— O que uma mente ignóbil como a de um humano acredita saber sobre o inferno e seus dissabores não me interessa. Quero apenas saber se você quer me ajudar e ganhar alguns favores, diga logo que tenho pressa.

— Você é meio lento? Eu deixei claro que não. Não quero saber de suas intrigas ou fofocas infernais, leve seu desespero a quem dê a mínima.

— Se você não vai a mim se aliar, então só tenho mais uma coisa a conversar. Quero que você não se intrometa no porvir, e da minha vendeta fique de lado sem interferir. Será que eu deverei te lembrar que quando pediu minha ajuda estendi a mão quase sem pestanejar? (*)

— Se você não se desse ao trabalho de me amolar eu sequer me interessaria na sua perseguição. Lembro perfeitamente que você ajudou no resgate de Anne Bartoff e imaginava quando esse assunto entraria na conversa. Mas apesar de você ter me prestado aquele serviço por me dever um favor anteriormente, ou pelo menos seu hospedeiro devia, tudo bem, ficarei "de fora". Siga sua natureza, Etrigan, já que você é muito limitado para agir de forma que não seja previsível.

Ao ouvir estas ultimas palavras o ser infernal desaparece, mas em seus lábios desponta um sorriso. Se Constantine o tivesse notado, poderia intuir que tudo que o demônio queria tinha conseguido: uma promessa de não interferência e a certeza de se achar desimpedido. Mas o encontro ainda fica na mente do mago inglês, que começa a pensar sobre o ocorrido.

"Porque será que aquele doido achou que eu poderia me interessar por quem sentaria no trono do inferno? Mesmo que eu acreditasse que ele fosse me favorecer caso ganhasse o poder, isso não mudaria meu status quo com relação àquele lugar. Isso sem falar que ele realmente acredita que um demônio já corrupto poderia chegar a se tornar rei. Esses seres místicos parecem estar sempre seguindo um script escrito eras atrás. Se eu fosse Odin, por exemplo, mataria logo Loki ou até mesmo Thor, impedindo dessa maneira o desencadeamento dos fatos que levaria ao Ragnarok tão temido por ele. Mas uma coisa me deixou curioso, quem seria esse herdeiro prometido do inferno e porque Etrigan achou que eu poderia querer protegê-lo? Será que seria alguém que mora aqui em Londres ou..."

Nesse momento o raciocínio de Constantine é interrompido. Ao parar em uma banca de jornais para comprar um maço de Silk Cut, seus olhos passam pela manchete do London's Time. Em letras garrafais, ela noticia que uma conhecida personalidade está na terra de sua majestade. O jornaleiro não entende a reação de John e a frase que acaba de ser cuspida entre seus lábios.

— Ah, merda...

Mansão de Lorde Hersfold.

A peça encaixa no mosaico da parede, mas apenas de forma aparente. Ela é retirada cuidadosamente por duas poderosas mãos, sendo que uma delas é feita de pedra. O pesquisador ocultista Hellboy chegou ao objetivo de sua missão. Mascarando sua viagem para a imprensa como uma visita às terras onde passara parte de sua vida, na verdade Hellboy veio a Inglaterra para vasculhar a casa do falecido lorde em nome do Bureau da Pesquisas Paranormais. Fontes seguras indicaram que o aristocrata tinha se apoderado de um cajado místico anos atrás, mas somente agora com sua morte, e conseqüente falta de herdeiros, suas posses passaram a ser tuteladas pelo governo, permitindo tal investigação.

Ao notar que a decoração da pedra que retirara retratava duas linhas cruzadas, uma exclamação parte do garoto demônio.

— Há. E meu professor de arqueologia sempre dizia que um "X" nunca marcava o lugar onde se escondia um tesouro...

Retirando o cajado do buraco na parede, ele começa a analisá-lo quando um barulho chama sua atenção. O teto começa a baixar lenta, mas inexoravelmente.

— Não acredito que aquele velho maluco colocou uma armadilha na casa se alguém descobrisse o esconderijo.

Saindo às pressas do aposento, Hellboy descobre que não apenas o do escritório, mas o teto da mansão inteira está caindo. Começa uma corrida até a escada para descer para o andar inferior, mas devido à velocidade crescente, Hellboy percebe que nunca sairá de lá a tempo.

— Quando não se acha uma porta onde se precisa... Fazemos uma.

Ele arrebenta a parede com sua mão de pedra. Lançando-se no espaço vazio, Hellboy começa a cair do terceiro andar em direção ao jardim que rodeia a mansão.

— Droga, pelo menos uma vez gostaria que uma missão não terminasse em queda livre. Pelo menos esta joça não quebrou.

Observando o desmoronamento da antiga mansão, Hellboy começa a voltar para seu hotel, sem notar que olhos maliciosos estão à espreita.

Constantine entra em uma delicatessen. Mesmo bêbado, Chas não gostou do amigo ter rasgado os assentos de couro de seu táxi à procura de um antigo medalhão que havia escondido lá anos atrás, mas a coisa seria pior se o mago não tivesse dinheiro para pagar pelo estrago na hora. Agora, em busca de outro elemento para suas necessidades, ele está a ponto de se irritar com o jovem balconista.

— Meu amigo, eu quero manjericão fresco, entende? A folha! E não este troço desidratado e industrializado que não se difere do orégano.

Minutos depois ele está em uma encruzilhada. Ainda falta um elemento para sua "receita", mas certamente a noite de Londres irá fornecer o restante. Pouco tempo de espera é necessário antes que John ouça um grito e sirenes de policia.

Uma confusão em frente a um antigo prédio de apartamentos. Pelas informações pescadas dos espectadores, Constantine descobre o que se passa. Uma mulher que era freqüentemente espancada pelo marido acabou perdendo a cabeça e enfiou uma faca na barriga do agressor. O homem está sendo levado pela ambulância enquanto a mulher acompanha a polícia e o bando habitual de assistentes sociais. Em sua face um pequeno arranhão sangra.

O mago se aproxima e com cautela passa seu lenço em cima do pequeno ferimento da mulher. Apesar de inusitado, tal gesto passa despercebido, confundido com uma espontânea demonstração de carinho por parte de um estranho. Mas depois de se afastar, o mago retorna aos corredores intrincados de seus pensamentos.

"Precisava do sangue de uma vítima recorrente. Mas uma que, além disso, ainda se levantou contra o opressor, é ainda melhor."

Juntando o amuleto com as folhas e embrulhando tudo no lenço ensangüentado, Constantine volta às sombras das ruas.

Dor.

Isso é tudo que os sentidos de Hellboy podem captar.

Envolvido em um casulo de energia mística, nas proximidades da Mansão Hersfold, o ocultista começa a perceber que não terá escapatória. Nenhum dos seus amuletos ou talismãs podem ser de qualquer ajuda, mesmo porque ele sequer consegue se movimentar para pegá-los nos muitos bolsos e compartimentos de seu casaco.

— Ser infernal, nem tente de minha armadilha escapar, muitos seres mais poderosos que você ela conseguiu matar. Hahahahahahhahahahaha.

A dor começa a ficar insuportável e o frio toma conta dos membros do ocultista, quando um novo elemento entra em cena.

— Ei, Etrigan. Veja isso.

Com essas palavras, Constantine faz com que o demônio olhe diretamente para o embrulho do lenço com o talismã. Enquanto recita um antigo encantamento, ele joga o pacote em direção a Hellboy. Imediatamente o casulo de energia se desfaz, lançando seu prisioneiro ao chão.

— Maldito humano, você prometeu não atrapalhar, me responda nesse momento, o que isso o faz ganhar?

— Escute, amarelinho. Por que eu estaria preso a qualquer promessa feita a você? Já trapaceei pessoas melhores. E lembre-se de uma coisa, eu não ia me sentir tentado a auxiliá-lo porque faço parte da turma dos malvados, ou ainda ajudar Hellboy porque faria parte do grupo dos bonzinhos. Coloque essa porra na sua cabeça: eu sou John Constantine! Não sigo rótulos ou tendências, sou apenas um homem e decido minhas ações como me convir.

— Argggggghhhhhhh!!!!!!! Mas uma coisa você tem que saber, pelo menos dessa decisão você um dia irá se arrepender.

— Entra na fila, palhaço.

Etrigan desaparece da fria noite londrina em um efeito de fogo. Constantine aproveita para acender seu cigarro na nuvem flamejante e com um característico sorriso cínico se aproxima de Hellboy, que continua sentado no chão.

— E então? Que viagem, hein? Olha, o seu amigo já foi, enquanto você mantiver consigo este talismã embrulhado que eu te joguei, estará a salvo. É um antigo encanto de camuflagem, o Etrigan não poderá mais ler ou ver nada sobre você. Mesmo que esteja na frente dele o sacana não vai te perceber.

— Hummmm... Obrigado. Mas ele não poderá se vingar de você?

— Nah! Ele vai agir de acordo com o script da natureza mística dele. Vai continuar com seus esquemas para dominar o inferno e não terá tempo para se preocupar comigo. Mas se levanta sozinho porque com o peso que você parece ter, eu é que não vou te ajudar.

— Imagino.

O garoto demônio se levanta. Com o bastão ainda em suas mãos, ele coloca o amuleto em um dos bolsos de seu sobretudo.

— Ei, o bastão não vale nada. Eu roubei o verdadeiro do lorde Hersfold há algum tempo.

— E agora que você me diz. Poderia ter me poupado uma queda.

— Bah. Você não procurou quem realmente poderia te auxiliar nesta cidade. Mas acabei te salvando de uma queda ainda maior, não foi?

— É mesmo. Te devo uma. Vamos achar algum lugar para uma refeição quente e cerveja?

— Tá falando a minha língua agora, garoto. Mas vou te dizer uma coisa, legal esse teu casaco. Você já ouviu falar da Brigada dos Encapotados?

— O quê?

E assim, os dois caminham pelo fog noturno.

:: Notas do Autor

(*) Veja esse encontro entre Etrigan e Constantine em Hellblazer # 04 e # 05.



 
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